Acórdão nº 3404/06.1TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução20 de Maio de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório L... e C..., arguidos devidamente identificados nos autos, recorrem da sentença na qual o tribunal recorrido decidiu: - Condená-los, pela prática, em co-autoria material de um crime de dano p e p pelo art. 212º, n.º1, do C. Penal, cada um na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros); e ainda - A pagarem, solidariamente, ao demandante civil, Município de Viseu, a quantia de € 102, 00 (cento e dois euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a notificação para a contestação do pedido até integral e efectivo pagamento.

* Na motivação do recurso formulam as seguintes CONCLUSÕES: 1- A douta sentença erra quando considera que só se podem fazer inscrições e pinturas murais nos sítios reservados pelas Câmaras Municipais. Existe firme jurisprudência constitucional sobre este tema (vide os Acórdãos n.º 636/95 e n.º 258/06, do Tribunal Constitucional).

2- A douta sentença erra quando considera que não estamos perante meios amovíveis de propaganda, na medida em que a Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto, condicionou a propaganda à utilização de materiais biodegradáveis - estamos perante meios amovíveis de propaganda.

3- E, como tal vigora a jurisprudência da Comissão Nacional de Eleições, que não foi seguida pela Câmara Municipal de Viseu, e que consiste no seguinte: “As Câmaras Municipais só podem remover meios amovíveis de propaganda política e eleitoral que não respeitem o disposto no n.º 1 do artigo 4º da Lei 97/88 quando tal for determinado por tribunal competente ou ouvidos os interessados e com eles fixados os prazos e condições, sem prejuízo do direito de recurso que a estes assista. Os actos de ordenação da remoção de propaganda devem ser fundamentados relativamente a cada meio de propaganda cuja remoção esteja em causa. É necessário justificar e indicar concretamente as razões pelas quais o exercício da actividade de propaganda não obedece, em determinado local ou edifício, aos requisitos previstos na lei. E mesmo neste caso não podem os órgãos executivos autárquicos mandar remover material de propaganda gráfica colocado em locais classificados ou proibidos por lei sem primeiro notificar e ouvir as forças partidárias envolvidas (arts. 5º n.º 2 e 6 n.º 2, da referida Lei n.º 97/88)”.

4- O viaduto público onde foi feita a inscrição mural e propriedade pública e não está classificado entre os imóveis em que não se podem fazer inscrições murais (cfr. n.º 3 do artigo 4º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, na redacção actual).

5- No local havia já outros cartazes e inscrições, pelo que não pôde deixar de ser uma discriminação da ABC... a atitude de deter, identificar e apreender pinturas dos jovens arguidos.

6- A liberdade de expressão, uma das mais emblemáticas liberdades conquistadas com o 25 de Abril e que tanto custou aos povos serranos, e um dos direitos, liberdades e garantias fundamentais que só a Assembleia da República pode restringir.

7- O direito de propriedade privada está devidamente acautelado pela lei. E se não o estivesse só poderia ser a Assembleia da República a acautelá-lo introduzindo restrições a direitos, liberdades e garantias, coisa que, como e óbvio não esteve na mente dos autores do Código Penal.

8- Mas acontece que o direito de propriedade e um direito inferior ao direito de liberdade de expressão. Não pertence ao catálogo dos direitos, liberdades e garantias. E um direito económico e nem sequer e o primeiro direito económico.

9- Nunca se poderia resolver um eventual conflito com o aniquilamento de um direito superior, que foi o que aconteceu.

10- O Tribunal violou a Lei n.º 97/88 de 17 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 23/2000 de 23 de Agosto, o artigo 3º, n.º 1, o artigo 4º n.ºs 2 e 3 e o artigo 6º.

11- Acresce que o entendimento que o Tribunal deu ao artigo 212º n.º1 do Código Penal assenta numa interpretação inconstitucional que como tal deve ser declarada.

Termos em que, bem como em todos os demais, de direito, aplicáveis, deve a douta sentença sob censura ser revogada, absolvendo-se os arguidos da prática de um crime de dano simples, previsto e punido pelo artigo 212º, n.º1, do Código Penal, mais se absolvendo os arguidos do pagamento da indemnização civil peticionada Câmara Municipal de Viseu e do pagamento das custas.

* Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido desenvolvendo douta e proficuamente a questão do conflito e perspectivas de superação/harmonização desse conflito, entre o direito à liberdade de expressão e propaganda e o direito à integridade dos espaços, conclui pela verificação dos pressupostos do crime e pela consequente improcedência do recurso.

Respondeu o demandante civil sustentando a improcedência do recurso.

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual manifesta a sua concordância com a resposta apresentada pelo MºPº em 1ª instância.

Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, ao que responderam os recorrentes renovando a argumentação aduzida na motivação.

Corridos os vistos, procedeu-se a julgamento, em conferência.

Mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir.

*** II. Fundamentação 1. Nos termos do art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constituindo entendimento uniforme que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso - cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173, fazendo eco da jurisprudência uniforme daquele alto tribunal.

Sem prejuízo, naturalmente, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP, de acordo como o Ac. STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.

Na motivação do recurso os recorrentes, embora centrando a sua argumentação em aspectos relativos à liberdade de expressão e propaganda política, põem em causa a constitucionalidade da interpretação do tipo de crime de dano em que repousa a decisão recorrida.

Para proceder à apreciação, vejamos a decisão recorrida quanto à matéria de facto.

** 2. A decisão do tribunal recorrido em matéria de facto, com a fundamentação que a suporta, é a seguinte:

  1. Factos provados: 1. No dia 11 de Abril de 2006...

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