Acórdão nº 4/06.0TAMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução28 de Outubro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo registado sob o n.º4/06.0TAMGR, a correr termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, o arguido …, melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento pelos factos constantes das acusações deduzidas nestes autos e no apenso, pela imputada prática, em autoria material: de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei n.º15/93, de 22/01; de um crime de desobediência qualificada, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º1, alínea a) e n.º2 do Código Penal, conjugado com o artigo 138º, nº2 do Código da Estrada; de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com o artigo 387.º, n.º4 do Código de Processo Penal.

    Realizado o julgamento, foi proferido acórdão que decidiu: - Declarar descriminalizado o crime de desobediência cuja prática, na acusação, era assacada ao arguido com referência aos artigos 348.º, n.º1, alínea a) do Código Penal e 387.º, n.º4 do Código de Processo Penal e, consequentemente, extinto o procedimento criminal que, nessa parte, vinha movido àquele; - Absolver o arguido da prática do crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º15/93, de 22/01; - Condenar o arguido, como autor de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º1, alínea a) e n.º2 do Código Penal, conjugado com o artigo 138.º, n.º2, do Código da Estrada, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros), num total de €600.

  2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição): 1 - O Tribunal recorrido, em nossa opinião, não valorizou nem indicou a razão para não ter dado como provado que: - Entre Setembro de 2005 e 6 de Fevereiro de 2006 o arguido … enviou para o telemóvel do filho, o menor …, a fotografia de uma folha de cannabis e uma pedra de haxixe, conforme declarações das testemunhas …; … e …, este patrão daquela que, sensibilizado com as preocupações da mesma perante os desvios de comportamento que a companhia do arguido estava a causar ao filho, decidiu ajudá-la, nomeadamente comprando o teste de despistagem de drogas que consta dos autos e cujo resultado revelou a presença de haxixe. Estas testemunhas indicaram a sua razão de ciência, referindo que o número que figurava no telemóvel do menor era o do telemóvel do arguido e a testemunha … até descreveu o formato da folha e indicou a cor da substância visionada. (depoimentos gravados no programa digital Cícero entre as l0h18 e l0h46; l0h48 e 11h05 e l0h07 e 10h17, respectivamente).

    - Que o arguido, desde que o … começou a frequentar o ciclo preparatório, passou a ir buscá-lo à escola com alguma frequência para o levar, nomeadamente para ir "às portas", faltando mesmo a algumas aulas, o que levava a professora a telefonar e a escrever à mãe, e trazendo-o, muitas vezes, a horas tardias, como expressamente declararam o … e a mãe …. Esta acrescentou que uma das vezes que os procurou encontrou-os junto aos semáforos existentes junto da sua casa e que o … tinha na mão um cigarro e fugiram de si, desabafando que "nunca mais vou esquecer isso". Prova disso são também os documentos de fls. 17 e 18, indicados para exame.

    - Que no dia 5/6 de Fevereiro de 2006, véspera do dia em que fez o teste, o menor … esteve com o pai, o que foi afirmado pelo … e pela …, tendo esta acrescentado que viu o filho com um cigarro "muito grosso e grande".

    - Que o … demonstrou conhecer o haxixe e saber como se prepara um cigarro com esta substância, como foi referido pela testemunha …, chefe da PSP (depoimento gravado no programa digital Cícero entre as 10h07 e as l0h17).

    - Que a mãe do … logo que teve a certeza dos malefícios que a companhia do arguido trazia ao filho, se apressou a requerer alteração do exercício do poder paternal e que aquele ficou privado do direito de visitas ao menor, como aquela mesma referiu e se pode comprovar documentalmente.

    - Que o menor apreciava muito a companhia do pai e que só algum tempo depois compreendeu que tal era prejudicial para si. "O … levou um bocadito de tempo a aceitar que o pai lhe tinha feito mal", disse a testemunha … e confirmou o …. Daqui se extrai que quando o menor confessou à mãe que o pai lhe dava haxixe a fumar ainda o … não estava zangado com o pai e, por isso, não podia ter feito aquelas afirmações por animosidade.

    - Por outro lado, o arguido, de quem, ciente da gravidade das imputações, não se esperava que confessasse os factos, não identificou o tal indivíduo que, na sua versão, lhe disse que o … tinha adquirido haxixe; nada fez, se assim aconteceu, para proteger o filho nem explicou com é que sabia que a fotografia de uma folha de cannabis foi enviada para o telemóvel do filho pelo tal indivíduo; não referiu qualquer facto donde se pudesse concluir que tivesse deixado de consumir drogas desde há cerca de 4 anos, como afirmou (depoimento gravado no programa digital Cícero entre as).

    2- Afigura-se-nos que se o Tribunal tivesse ponderado de forma mais crítica e segundo as regras da experiência comum a globalidade da prova produzida e tendo também em consideração que a testemunha A… estava particularmente nervosa e perturbada por estar a recordar momentos que foram visivelmente marcantes para ela (veja-se que por várias vezes deu graças pelo facto de presentemente o filho estar afastado do pai e no bom caminho) daria como provados os factos constantes da acusação e condenaria o arguido também pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade.

    3- Ao não tê-lo feito, o Tribunal violou o disposto no art. 127.º e 374.º n.º 2 do C.P.Penal.

    Nestes termos e nos mais que Vossas Excelências suprirão, o arguido deve ser condenado pelo crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º al. a) do D.L. 15/93 de 22-1, revogando-se, deste modo, a sentença recorrida, nesta parte.

  3. Respondeu o arguido, sustentando a confirmação da sentença recorrida (fls. 282).

  4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que deverá ser provido.

  5. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2 (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.99, CJ/STJ, Ano VI, Tomo II, p. 196).

    Atento o teor das conclusões, identificam-se como questões que o recorrente pretende sejam apreciadas: a falta de exame crítico das provas e a violação do disposto no artigo 127.º do C.P.Penal, inculcando-se que o recorrente pretende impugnar a decisão quanto à matéria de facto 2. A sentença recorrida 2.1.

    Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): 1. O arguido … é pai de …, nascido em 21/09/1993.

  6. O menor encontra-se confiado à guarda da mãe, a quem incumbe o exercício do poder paternal, por decisão judicial de 9 de Outubro de 2003.

  7. O arguido foi consumidor de haxixe, durante cerca de 10 anos; em 1998 passou a consumir heroína; encontra-se abstinente do consumo desta última substância desde há cerca de 4 anos.

  8. No dia 25/09/2005, pelas 8.30 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …, na Avenida …, na Marinha Grande.

  9. O arguido havia entregue a sua carta de condução junto da PSP da Esquadra da Marinha Grande, para remessa à DGV, em 24/08/2005, para cumprimento da sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de 45 dias, em que fora condenado por decisão administrativa definitiva, proferida, pela DGV, em processo de contra-ordenação; essa carta veio-lhe a ser devolvida em 08/10/2005.

  10. O arguido sabia que a sua carta de condução se encontrava apreendida e que estava obrigado a cumprir a aludida sanção acessória.

  11. Tinha conhecimento de que, naquela data, não podia conduzir veículo automóvel em via pública, pois o período de inibição ainda não terminara, o que não o demoveu de o fazer.

  12. Agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  13. O arguido trabalha como vendedor de materiais de construção civil.

  14. Vive com uma companheira.

  15. Tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.

  16. Confessou a prática dos factos julgados assentes e mostrou-se arrependido.

  17. O arguido foi condenado: - Por acórdão proferido em 16/02/1995, enquanto autor de crimes de falsificação, de burla e de furto qualificado, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão e 35 dias de multa; - Por sentença de 03/05/1995, como autor de crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 2 meses de prisão substituída por multa; - Por sentença de 22/11/1995, enquanto autor de crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 3 meses de prisão, declarada integralmente perdoada; - Por acórdão proferido em 11/12/1995, como autor de crime de falsificação de documento, na pena de 2 anos de prisão, - Por...

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