Acórdão nº 632/10.9PBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2012
Magistrado Responsável | ORLANDO GONÇALVES |
Data da Resolução | 24 de Abril de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Relatório Pela Comarca do Baixo Vouga - Aveiro - Juízo de Média Instância Criminal - Juiz 2 , sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido A...
, residente na Rua … Aveiro, imputando-se-lhe a prática dos factos constantes de fls. 259 a 262, pelos quais teria cometido, em autoria material, um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.º1 , alínea b) do Código Penal e um crime de detenção de arma proibida, p. e p . pelo art.86.º, n.º 1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Realizada a audiência de julgamento – no decurso do qual foi comunicada, por despacho de folhas 317, uma alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação, nos termos do art.358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P. – o Tribunal Singular, por sentença proferida a 15/12/2011, decidiu julgar parcialmente procedente a acusação do Ministério Público e, consequentemente: - Absolver o arguido A..., do crime de violência doméstica que lhe era imputado; - Julgar válida e relevante a desistência de queixa, que se homologa, declarando extinto o procedimento criminal instaurado contra o mesmo arguido quanto a uma parte dos factos apurados e que processualmente são susceptíveis de integrar um crime de injúria, dois crimes de ameaça e dois crimes de ofensa à integridade física simples p. e p., respectivamente, nos arts. 181.º, 153.º n.º 1 e 143.º n.º 1, todos do Código Penal (arts. 116.º , n.º 2, 117.º, 143.º, n.º 2, 153.º, n.º 2 e 188.º, todos do Código Penal e art. 51.º, n.º 2 do CPP).
- Condenar o mesmo arguido A...: a) como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º n.º 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/09, de 6 de Maio, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros); b) como autor material de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros); c) operar o cúmulo jurídico das penas parcelares e condenar o arguido na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete), o que perfaz a soma de € 2.100 ( dois mil e cem euros), a que correspondem, subsidiariamente, 200 (duzentos) dias de prisão; - condenar ainda o mesmo arguido A... como autor material de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 97.º n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril), na coima de € 600 (seiscentos euros); - declarar perdidas a favor do Estado, e alvo de destruição, as armas (reprodução de arma de fogo e navalha borboleta), chaves e faca de cozinha apreendidas nos autos, devendo ser solicitada à PSP a destruição da reprodução da arma de fogo (entidade a que tal arma deverá ser entregue e que oportunamente juntará o respectivo auto de destruição); e - declarar também perdido a favor do Estado o telemóvel apreendido nos autos.
Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. A sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 40.º, 70.º e 152.º do Código Penal.
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Desde a entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 4/9, a relação de namoro cabe na previsão do artigo 152.º do C.P. se a agressão apresentar o elemento caracterizador da violência doméstica que é o abuso de um poder de facto emergente de uma relação afectiva entre a vitima e o agressor, 3. A entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 4/9, alargou o âmbito de incriminação, além do mais, pela inclusão previsão: “ainda que sem coabitação”.
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O elemento distintivo do crime previsto no art. 152.º do C.P. é, pois, actualmente, o abuso de uma situação de poder que deriva de uma relação que pode ser familiar ou semelhante, designadamente, afectiva.
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A ratio extensiva do novo âmbito de incriminação resultou do necessário enquadramento, no contexto e realidade sociais e culturais actuais, das novas e diferentes formas de relacionamento afectivo/íntimo entre duas pessoas.
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A tutela do bem jurídico é agora projectada, para além de numa relação de coabitação, também numa relação de afectividade em que a vítima se encontre numa situação de subordinação ou de domínio de facto.
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A relação de namoro cabe na previsão do art.152.º do C.P. desde que, como já se referiu, o abuso decorra de um poder de facto proveniente dessa relação afectiva entre o agressor e a vítima que coloque, esta última, em situação de dependência económica e/ou emocional.
8, In casu, a par da assumida relação de namoro, é, precisamente, a contínua conduta de agressão, perpetrada pelo arguido, que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio ou poder, proporcionada pela relação de dependência afectiva da ofendida.
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Tal resulta da própria sentença que dá como provado que o arguido agiu com o objectivo de manter a ofendida de forma abusiva, submissa à sua vontade.
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Da prova produzida, resulta evidente, que o cometimento de maus tratos físicos e psíquicos por parte do arguido à pessoa da ofendida, decorrente de uma relação de namoro em que é patente o exercício de um domínio e poder da pessoa daquele sobre a pessoa desta última, proporcionada pela relação de submissão e dependência emocional da ofendida integra a prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica.
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Ainda que assim não se entenda, sempre se considera desajustada a condenação do arguido em pena de multa.
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A pena de multa aplicada ao arguido não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição revelando-se desajustada ao caso em apreço.
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In casu, as finalidades da punição não podem ser alcançadas mediante a sujeição do arguido à pena menos gravosa, observando, não só, às exigências de prevenção geral, mas considerando, essencialmente as necessidades de prevenção especial, que se revelam muitíssimo elevadas, atenta a reiteração do arguido na prática dos crimes, o qual persiste na sua conduta criminosa apesar das várias condenações, o que denota que a sua personalidade desconforme ao direito - cfr. C.R.C. do arguido.
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A reiteração da conduta criminosa do arguido é reveladora de um profundo desprezo para com a vida em sociedade.
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Resulta, pois, que no caso em apreço, a pena de multa aplicada se revela, de todo, desajustada, devendo ser, o arguido, condenado em pena de prisão.
Nestes termos e naqueles mais que V.ªs Ex.ªs , se dignarão suprir: Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão, na parte recorrida, com as demais consequências legais.
O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1. O arguido namorou com a ofendida B..., durante cerca de 5 meses, até 19/03/2010, data em que esta terminou aquele relacionamento.
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Porém, o arguido não aceitou com agrado o termo da relação e resolveu um procedimento contra a ofendida que lhe proporcionasse (ao arguido) o aconchego da vingança.
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No dia 22/03/2010, cerca das 9,10 horas, no Centro Comercial Fórum, em Aveiro, onde a ofendida B... trabalhava numa loja, o arguido, dirigindo-se àquela, afirmou em alta e viva voz: “sua puta, eu vou-te apanhar quando saíres daí”, causando-lhe, desta forma, receio pela vida e/ou integridade física.
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Nesse mesmo dia 22/03/2010, cerca das 10,10 horas, no Centro Comercial Fórum, em Aveiro, onde a ofendida B... trabalhava, o arguido, dirigindo-se àquela, disse: “olha, o teu carro tem os pneus furados, e vou ficar à tua espera”, causando-lhe, desta forma, receio pela vida e/ou integridade física. Após isto, a ofendida dirigiu-se ao local onde parqueara o automóvel que utilizava, propriedade do seu pai, constatando que o mesmo tinha 3 pneus furados e, ao final do dia, apresentava um risco contínuo na pintura, circundando-o na totalidade.
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No dia 27/03/2010, cerca das 9,30 horas, na Rua … , em Aveiro, o arguido abordou a B... e agrediu-a desferindo-lhe uma bofetada que a atingiu no rosto sem, no entanto, lhe causar lesões visíveis.
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No dia 29/03/2010, cerca das 11 horas, na … , em Aveiro, o arguido, na sequência de discussão com B..., agrediu-a desferindo-lhe uma bofetada e um murro que a atingiram no rosto causando-lhe as lesões descritas no auto de exame de fls. 11 a 13 do inquérito apenso 707/10.4PBAVR que demandaram, directa e necessariamente, 4 dias de doença sem afectação da sua capacidade de trabalho.
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No período temporal compreendido entre 22 e 30 de Março de 2010, o arguido, utilizando telemóvel com o IMEI … e número … , enviou para o telemóvel … , utilizado por B..., diversos SMS contendo expressões como: " ... tou tão mal que te mando um tiro sem pensar duas vezes", "...corto t esses labios fora e como-os tua frente", "...vou-te fazer desaparecer da face da terra ...", "vou-te queimar o bolas todo...", " ... eu vou-te matar", "... só quero vingança...", "... se não vieres falar comigo te rebento toda ... ponho-te a cara aos papos...", "... eu vou-te desfigurar toda mas toda mesmo...", "... escusas de andar com gente sempre atrás de ti que não te safa de nada...", "eu mato-te eu juro-te B......".
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O arguido agiu voluntária e conscientemente, com intuito de molestar fisicamente e psicologicamente a sua ex-namorada, a atemorizar e a diminuir na sua honra e consideração, com o objectivo de a manter, de forma abusiva, submissa à sua vontade, sem outras motivações que não o seu humor e desejo de vingança, apesar de bem saber que aquela sua conduta era reprovável e punida por lei.
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No decurso de busca efectuada no dia 31/3/2010, pelas 11...
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