Acórdão nº 1181/10.0TBCVL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução17 de Abril de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. C (…) Lda, intentou, em Setembro de 2010, acção contra SCUTVIAS - Auto-Estradas da Beira Interior, S. A., pedindo a condenação desta com base em responsabilidade civil extracontratual, em virtude de acidente de viação ocorrido em Março de 2009, na A23, de que a R. é concessionária, com fundamento na entrada de uma raposa na via de trânsito, que causou o dito acidente, por a R. não ter assegurado a vedação da A23 em toda a sua extensão, por forma a evitar a entrada de animais.

Na contestação a R. arguiu a excepção de incompetência material do Tribunal, alegando, em síntese, que compete à jurisdição administrativa apreciar todos os litígios que tenham subjacente uma relação jurídica administrativa, nomeadamente, quando o objecto da acção se prende com a responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. Que, pela celebração com o Estado português, de um contrato de concessão da SCUT da Beira Interior e enquanto entidade a quem foram atribuídos poderes para, além do mais, explorar as auto-estradas objecto de tal contrato, a R. quando vigia e fiscaliza o usos das mesmas pelos respectivos utentes com vista à prevenção de acidentes, não actua no âmbito de poderes regulados por normas de direito privado mas previstos ou implícitos no contrato de concessão e/ou das respectivas “Bases”, actuando, por isso, no exercício de funções administrativas ou de poderes/deveres públicos.

A A. respondeu, pugnando pela sua improcedência, alegando, em síntese, que a causa de pedir que subjaz aos presentes autos assenta no acidente de viação descrito na petição inicial, actuando esta, nessa medida, como uma pessoa colectiva de direito privado, concessionária de um serviço público, sem qualquer prerrogativa de poder público ou a coberto de poderes de autoridade.

* No despacho saneador, tal excepção de incompetência material foi julgada improcedente.

* 2. A R. interpôs recurso, alegou e apresentou as seguintes conclusões: (…) 3. Não houve contra-alegações.

II – Factos Provados Os factos a considerar são os constantes do relatório supra.

III - Do Direito 1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Excepção de incompetência material.

  1. Na decisão recorrida escreveu-se que: “(…) No caso vertente, a Autora peticiona, além do mais, que a Ré SCUTVIAS - Auto-estradas da Beira Interior, S. A. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 10.950,00€, a título de danos patrimoniais decorrentes do acidente de viação de que foi vitima pela introdução de uma raposa na auto-estrada concessionada pela Ré, incumprindo esta a sua obrigação de manter a via vedada em toda a sua extensão, acrescida dos montantes pecuniários, resultantes dos prejuízos provocados por tal embate, que se vierem a liquidar posteriormente, acrescidos de juros de mora legais, contados a partir da citação.

    Ora, alicerçando-nos nos pedidos aduzidos pela autora e nos factos trazidos ao pleito pela mesma, impor-se-á a conclusão de que a causa de pedir que os sustenta se estriba, essencialmente, na prática de factos que integram um ilícito civil gerador de responsabilidade extracontratual, por ofensa de uma norma destinada a proteger interesses alheios, nos termos do disposto nos artigos 483.º segs., do Código Civil.

    (…) Dispõe o artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (doravante apenas ETAF), que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

    A propósito do conceito de relação jurídico-administrativa consagrado no ETAF, Vieira de Andrade considera que a questão de saber o que se entende por “relação jurídica administrativa”, sendo fulcral, devia ser resolvida expressamente pelo legislador. Mas, na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração - sobretudo na medida em que se considere, como defendemos que esta definição substancial se refere apenas ao âmbito nuclear ou de princípio da jurisdição administrativa, não excluindo soluções justificadas de alargamento ou de compressão da respectiva competência por parte do legislador - in A Justiça Administrativa, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 57.

    Por sua vez e no que caso sub iudice diz respeito, prescreve a alínea i), do n.º 4, do artigo 4.º, do ETAF, que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.

    Nesta esteira, concretizando, a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho, e que estabelece o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, estatui no seu artigo 1.º, n.º 5 que as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais...

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