Acórdão nº 303/08.6GASPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução28 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da comarca de S. Pedro do Sul, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A...

, com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 1, do C. Penal, e a prática das contra-ordenações p. e p. pelos arts. 35º, nºs 1 e 2, 47º, nºs 1, d) e 2, 59º, nºs 1 e 3, a), 60º, nº 1, d), e 145º, nº 1, f), todos do C. da Estrada.

A Administração Regional de Saúde do Centro, IP – Centro de Saúde de S. Pedro do Sul, deduziu pedido de indemnização pela prestação de cuidados de saúde, contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 35 e juros legais.

Por sentença de 25 de Outubro de 2011, foi o arguido absolvido da prática do crime e contra-ordenações imputados, bem como do pedido de indemnização civil contra si deduzido.

* Inconformado com a decisão, dela o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “ (…).

1 – Nestes autos foi exarada sentença, constante de fls. 170 a 173-v, decidindo absolver o arguido da prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137º, nº 1 do Código Penal, e, ainda, das contra-ordenações p. e p. pelos arts. 35º, nºs 1 e 2, 47º, nº 1, alínea d), e nº 2, 59º, nºs 1 e 3, alínea a), 60º, nº 1, alínea d), e 145°, nº 1, alínea f), todos do Código da Estrada.

2 – Contudo, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que o arguido deveria ter sido condenado pela prática do sobredito crime de homicídio por negligência, numa pena de prisão suspensa na sua execução e, ainda, pelas ditas contra-ordenações nas respectivas coimas e sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados na via pública.

3 – De facto, devia ter sido dado como provado que o arguido não pediu ajuda a terceiro que lhe desse indicações sobre se podia fazer aquela manobra de marcha atrás em segurança e que, em consequência desse facto, não se apercebeu que na traseira do semi-reboque se encontrava aquele B..., tal como consta da acusação pública.

Com efeito, tal era imposto pelos seguintes elementos de prova:

  1. As próprias declarações do arguido prestadas em Audiência de Discussão e Julgamento, constantes do Sistema Citius, aos 47m44s a 48m25s, declarações estas transcritas no ponto III da motivação deste recurso, onde o arguido admitiu que para a realização da manobra de marcha atrás descrita na acusação não requisitou o auxílio de terceiros. Estas declarações, aliadas às regras da experiência comum e a critérios de normalidade, impunham que se dessem como provados os factos supra descritos.

    3 – Mais deveria ter sido dado como provado que o arguido sabia que não poderia efectuar a supra mencionada manobra de marcha atrás sem ter visibilidade para a traseira e lado direito daquele semi-reboque, sem previamente se assegurar que da sua realização não resultava perigo para terceiros e sem que aquele semi-reboque possuísse luzes de marcha atrás.

    Com efeito, tal era imposto pelos seguintes elementos de prova:

  2. As próprias declarações do arguido prestadas em Audiência de Discussão e Julgamento, constantes no Sistema Citius, aos 46m1ls a 47m10s, declarações estas transcritas no ponto III da motivação deste recurso, onde o arguido admitiu que na realização daquela manobra devia ter tornado outros cuidados, nomeadamente socorrendo-se de terceiros que lhe dessem indicações por forma a que tal manobra pudesse ser realizada em segurança.

  3. Da falta de credibilidade da tese defendida pelo arguido nas declarações que prestou em Audiência de Discussão e Julgamento relativamente ao não conhecimento da obrigatoriedade de utilização por aquele semi-reboque de luzes de marcha atrás, constantes no Sistema Citius, 29m33s a 29m43s, declarações estas transcritas no ponto IV da motivação deste recurso, quando confrontadas com critérios de normalidade, atenta a experiência profissional do arguido consubstanciada em exercer a actividade de motorista há mais de 20 anos e ser titular de carta de condução desde os 21 anos de idade.

    4 – Assim, deveria o Tribunal a quo ter dado como provados todos os factos constantes da acusação pública e considerado que se encontravam preenchidos todos os elementos de facto e de direito do crime e das contra-ordenações por que o arguido se encontrava acusado e, consequentemente, condenar aquele numa pena de prisão suspensa na sua execução pela prática do dito crime e nas respectivas coimas e sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor na via pública pela prática das sobreditas contra-ordenações.

    5 – De facto, o local onde se deu o acidente que vitimou aquele B... era um local do domínio privado mas aberto ao trânsito público pois encontrava-se aberto à circulação, em geral, de pessoas e/ou veículos, nomeadamente aos clientes daquela firma "W.... Ldª", o que implica que o trânsito de veículos naquele local se reja pelas normas do Código da Estrada, nos termos do art. 12º, nº 2 deste diploma legal.

    6 – Era habitual naquele local onde se deu o acidente. à hora em que o mesmo ocorreu, circularem diversas pessoas e veículos, nomeadamente clientes da firma "W..., Ldª", posto aí funcionar o escritório de atendimento ao público desta firma, o que o arguido bem sabia e admitiu nas declarações que prestou em audiência – gravação das declarações do arguido, sistema CITIUS, aos 46m 11 s a 47m10s.

    7 – Deste modo, era para o arguido previsível, quando efectuou a manobra de marcha atrás que veio a provocar a morte do dito B..., que na retaguarda do veículo por si conduzido pudesse estar (como efectivamente estava) alguma pessoa ou veículo, já que tal era normal acontecer naquele local e àquela hora.

    8 – O arguido ao efectuar tal manobra de marcha atrás sem querer saber se na retaguarda do seu veículo se encontrava alguma pessoa ou veículo, violou o deve objectivo de cuidado que se lhe impunha, dever este fundado, desde logo, no disposto nos arts. 35º, nº 1 e 2, 47º, nº l , al. d), ambos do Código da Estrada, mas também e elementares regras de diligência, prudência e cautela, nomeadamente aquelas que impõem a quem efectua uma manobra de marcha atrás, mais a mais com um veículo pesado de mercadorias, que verifique previamente se na traseira desse veículo s encontram pessoas ou veículos por forma a evitar neles embater.

    9 – No caso concreto o arguido podia e devia ter actuado por forma cumprir com tal dever objectivo de cuidado, ou seja, com o disposto nos arts. 35º, nº 1 e 47º, nº 1, al. d) ambos do Código da Estrada, ou requisitando para tanto o auxílio dei terceiros que lhe fornecessem indicações por forma a realizar tal manobra em segurança; ou fechando temporariamente as portas daquele estaleiro à entrada do público para efectuar aquela manobra em segurança; ou efectuando tal manobra fora do horário de atendimento ao público e quando naquele local não se encontrasse ninguém; ou pura e simplesmente abstendo-se de realizar tal manobra se não se conseguia assegurar que podia realizar a mesma em segurança. Tal seria o que qualquer condutor cumpridor das normas do Código da Estrada, diligente, prudente e cuidadoso faria naquelas circunstâncias.

    10 – Ao absolver o arguido da prática do dito crime de homicídio por negligência e das sobre ditas contra-ordenações, violou a douta sentença recorrida os arts. 137º, nº l , e 15º, alínea b), ambos do Código Penal e os arts. 35º, nºs 1 e 2, 47º, nº 1, al. d), 59º, nºs 1 e 3, alínea a) e 60º, nº 1, alínea d), todos do Código da Estrada e 127º do Código de Processo Penal.

    11 – Deste modo, e pelo exposto, deverá a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra em que se dêem como provados todos os factos constantes da acusação pública e, em consequência, ser o arguido condenado pela prática do crime e contra-ordenações por que vinha acusado, numa pena de prisão suspensa na sua execução pela prática do crime e nas respectivas coimas e sanção acessória pela prática daquelas contra-ordenações.

    (…)”.

    * Respondeu ao recurso o arguido, alegando que a situação de facto apurada no julgamento não permite outra decisão que a proferida, pois que o acidente não ocorreu em via aberta ao público, o local onde se deu o sinistro só é acessível aos clientes da empresa depois de autorizados, não sendo expectável a presença da vítima ali, e se recorreu à ajuda de terceiros, noutras ocasiões, para a realização de manobras, foi-o em circunstâncias diferentes, concluindo pela improcedência do recurso.

    * Na vista a que refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a sentença recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, suprível pelo tribunal de recurso com a consequente anulação da sentença recorrida e sua substituição por outra que condene o arguido pela prática do crime imputado ou, assim não se entendendo, seja determinado o reenvio do processo, concluindo pelo provimento do recurso.

    * Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, pugnando pela improcedência do recurso.

    * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

    * * * *II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, como é unanimemente entendido, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Ed., pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, pág. 103).

    Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento...

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