Acórdão nº 482/10.2PAVFR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Conjuntamente com um outro arguido, ora não recorrente, A...

, já mais identificado, foi submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum singular, porquanto acusado pelo Ministério Público da prática indiciária de factos que o constituiriam como co-autor material, e sob a forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelos art.ºs 26.º e 203.º, n.º 1, ambos do Código Penal, em concurso real de infracções, com idêntica autoria material consumada, de um crime de condução indocumentada de veículo, este previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 121.º, do Código da Estrada, e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

Realizado o contraditório, proferiu-se sentença decretando, além do mais por ora irrelevante, a condenação do dito arguido pela prática dos ilícitos assacados nas penas respectivas de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e de 100 dias de multa ao mesmo quantitativo diário, a que, em cúmulo jurídico de imediato operado, se fez corresponder a pena única de 170 dias de multa, ainda àquela taxa diária de € 5,00, isto é, a multa global de € 850,00.

1.2. Porque se não revê no veredicto emitido, recorre o mesmo arguido extraindo da minuta através da qual fundamentou a discordância, a seguinte ordem de conclusões [?!]: 1. Para verificação do crime de furto previsto pelo art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal, por cuja autoria o recorrente acabou condenado, era necessário ter-se produzido a prova de que ele subtraiu a viatura automóvel em causa, com ilegítima intenção de apropriação para si ou outrem, no sentido de fazer integrar definitivamente tal bem no deu património ou de terceiro.

  1. Não foi o caso, pois que dos depoimentos coligidos em sede de audiência, apenas resulta que o recorrente tão-somente pretendia usar o veículo em causa por um curto hiato temporal e não apoderar-se dele para si ou para terceiro.

Terminou pedindo que seja decretada a sua absolvição relativamente a tal crime. 1.3. Cumprido ao disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento do recurso interposto.

1.4. Proferido despacho admitindo-o, e cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.

Após cumprimento ao estatuído pelo artigo 417.º, n.º 2, do último diploma citado, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se nenhuma circunstância impôr a apreciação sumária do recurso, ou obstar ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir seus termos, com a recolha dos vistos devidos, e submissão à presente conferência.

Cabe, pois, apreciar e decidir.

* II – Fundamentação de facto.

2.1. A decisão sob censura[1] teve por provada a seguinte factualidade: No dia … , a ofendida B... estacionou o veículo de marca … com a matrícula ..., sua propriedade, na Rua … , em Aveiro.

Entre essa data e hora e o dia 24 de Setembro de 2010, pelas 17:00, e de forma não concretamente apurada, os arguidos resolveram apoderar-se do mesmo.

Assim, e de forma não concretamente apurada, entraram no interior do veículo.

Após, o arguido A..., que se sentou no lugar do condutor, pôs aquele a trabalhar e abandonou o local onde a viatura se encontrava, conduzindo o mesmo.

Nesse mesmo dia, pelas 19:00 horas, o arguido A...conduziu o referido veículo na Estrada de Vilar em direcção à EN n.º 109, no sentido Norte/Sul, em Aveiro.

O arguido A...não é titular de carta de condução.

O mesmo sabia que não podia conduzir veículos a motor na via pública sem estar habilitado com a respectiva carta de condução.

Ao agirem da forma descrita, os arguidos fizeram-no deliberada, livre e conscientemente.

Os arguidos quiseram fazer seu o referido veículo, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que agiam contra a vontade da dona.

Também sabiam não lhes ser permitidas as suas condutas.

O arguido A...é estudante do 12.º ano, trabalhando em part-time no Continente, como repositor, auferindo mensalmente cerca de € 300,00. Vive com os pais, entregando-lhes quase todo o dinheiro que ganha para abatimento de uma dívida.

(...) O arguido A...foi condenado, no processo 559/09.7 GCAVR da pequena instância criminal de Ílhavo em pena de multa pela prática de um crime de condução sem carta, remontando os factos a 11/10/2009 e a decisão a 23/10/2009 (…).

2.2. Já no que concerne a factos não provados, consignou-se na dita peça processual que: Não se provou que: No dia 24 de Setembro de 2010, pelas 15:00 horas, quando os arguidos seguiam apeados perto do Parque de Estacionamento, em terra batida, junto aos Pavilhões de Feiras e Exposições de Aveiro, em Aveiro, verificaram que o veículo de marca … com a matrícula ..., se encontrava ali estacionada com os vidros abertos e com uma gazua introduzida na ignição.

De seguida, os arguidos abriram as portas e entraram no interior do mesmo.

2.3. Por fim, é do teor seguinte a motivação probatória inserta na decisão alvo de censura: O tribunal fundou a sua convicção: - Nos CRC´S juntos aos autos a fls. 82 e 90 e ss; - Termo de entrega de fls. 14 e doc de fls. 39; - No depoimento da ofendida que relatou o local e hora onde deixou estacionada a viatura, referindo também o momento em que deu conta que a viatura não estava nesse local. Mais referiu que apresentou queixa em Santa Maria da Feira pois nesse dia tinha aí um compromisso, deslocando-se para o efeito, numa outra viatura pertencente à mãe.

No depoimento da testemunha C… que viu o arguido A...a conduzir a viatura, no dia referido na acusação, tendo o mesmo feito inversão de marcha quando o viu. Parecendo-lhe essa conduta estranha, seguiu a viatura, interceptando-a pouco depois. Através da matrícula contactaram a proprietária da mesma. Juntamente com o arguido A...ia o arguido D....

Ora, sendo os arguidos intersectados pouco tempo depois de o veículo ter sido furtado (menos de 24 horas), na posse do mesmo, bem sabendo que este não lhes pertencia, não restam dúvidas sobre a autoria dos factos acima descritos.

Os arguidos prestaram depoimento no que toca à sua situação pessoal.

* III – Fundamentação de facto.

3.1. O objecto de um recurso penal é definido através das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, mas isto sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – art.ºs 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal –.

Na realidade, de harmonia com o disposto neste n.º 1, do art.º 412.º, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Acs. de 13 de Maio de 1998; de 25 de Junho de 1998 e de 3 de Fevereiro de 1999, in, respectivamente, BMJ´s 477/263; 478/242 e 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como se mostram os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, in Diário da República, I.ª Série – A, de 28 de Dezembro de 1995).

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – ditos art.ºs 403.º, n.º 1 e 412.º, n.ºs 1 e 2. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2.ª edição, 2000, fls. 335, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.” Por outro lado, sabe-se, igualmente, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no citado art.º 410.º, n.º 2, naquilo que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou, através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas desse mesmo n.º 2, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.

Na segunda hipótese, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do citado art.º 412.º.

Nesta hipótese (de impugnação ampla), o recurso da matéria de facto não visa a...

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