Acórdão nº 4978/16.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022
Data | 12 Julho 2022 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.
AA intentou contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.
Alegou: Em .../.../2015, foi detido nos termos do artigo 257º nº 2 alíneas a), b) e c) do Código do Processo Penal e com fundamento na existência de indícios da prática dos crimes de violação (previsto e punido pelo artigo 164º Código Penal) e abuso sexual de menor dependente (previsto e punido pelo artigo 172º Código Penal).
Foi submetido a primeiro interrogatório judicial e, em 17.07.2015, foi-lhe aplicada a medida de coação de prisão preventiva, tendo o autor nessa data sido conduzido para o Estabelecimento Prisional ... onde se manteve em reclusão ininterrupta até ao dia 03/06/2016, data da sua libertação.
Nesta data foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação pública e o absolveu dos crimes que vinha acusado, bem como, declarou extinta a medida de coação de prisão preventiva e determinou a sua libertação.
Esteve privado da sua liberdade entre os dias .../.../2015 e 03 de junho de 2016 o que perfaz 325 dias de reclusão.
Ocorreu erro nos pressupostos que levaram à aplicação da medida de coação, designadamente as informações prestadas pelo perito médico e pela agente da policia judiciária, o que determina a obrigação do Réu Estado Português a indemnizar o Autor nos termos do artigo 225º nº 1, alínea b) do Código do Processo Penal.
A sua absolvição resulta de absoluta ausência de prova dos factos ilícitos que lhe foram imputados e, mesmo, da demonstração de que não os praticou, pelo que, a obrigação do Réu Estado Português em indemnizar o Autor funda-se no disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 225º, designadamente a comprovação, sem qualquer dúvida, sobre a inexistência dos crimes imputados.
Em consequência da medida de coação aplicada sofreu vários danos de natureza não patrimonial, que descrimina, contabilizando-os em € 200.000,00 (duzentos mil euros), e de natureza patrimonial, pelas perdas de rendimentos e dívidas que acumulou durante o período de reclusão, que contabiliza em € 12.815,00 (doze mil, oitocentos e quinze euros).
Peticionou: A procedência da ação e a condenação do réu no pagamento da quantia de € 212.815,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
O Réu contestou.
Disse: Por exceção alegou que o n.º 2 do artigo 13º da Lei 67/2007 estabelece como pressuposto do pedido de indemnização por erro judiciário a prévia revogação da decisão danosa, através de decisão transitada em julgado de tribunal hierarquicamente superior, não se verificando este pressuposto no caso dos autos.
E que a medida de coação em causa foi posteriormente mantida por despacho judicial, que não mereceu reação do Autor, sendo a decisão recorrível, pretendendo o Autor, através desta ação, discutir os fundamentos de aplicação a medida de coação, o que nesta sede lhe está vedado pelo caso julgado formado no processo penal.
Em sede de impugnação, defende a proporcionalidade e justeza da medida de coação aplicada, face aos elementos então constantes dos autos e à gravidade dos ilícitos em causa, não se encontrando preenchidos os pressupostos exigidos pelo n.º 1 da norma legal em que o autor assenta a sua pretensão.
Mais contestou os danos invocados pelo autor.
Pediu: A absolvição do Estado do pedido, por verificação das exceções perentórias invocadas; se assim se não entender, que se considere o tribunal absolutamente incompetente, quer em razão da hierarquia, quer em razão da matéria, e ser o Réu absolvido da instância; assim não se entendendo, que o Réu seja absolvido da instância por força da exceção dilatória enunciada; em todo o caso que a ação seja julgada improcedente, por não provada, e o Estado absolvido do pedido.
O autor respondeu.
Disse que o n.º 2 do artigo 13º da Lei 67/2007 é inaplicável face ao disposto no artigo 225º do Código de Processo Penal; Que não pretende discutir os pressupostos da decisão danosa, antes usando da possibilidade que lhe é conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal, em virtude de o acórdão absolutório proferido ter revelado ter sido injustificada a aplicação da medida de coação em causa, pugnando assim pela improcedência das exceções invocadas pelo réu.
Foi proferido despacho saneador no qual, se decidiu absolver o réu do pedido.
O STJ confirmou a decisão.
Porém, o Tribunal Constitucional entendeu considerar que a situação dos autos se integra na previsão da norma do artigo 225.º n.º 1, al. c), do CPP, e determinou a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para que este, depois de apurar a base factual relevante em função do que foi oportunamente alegado, proferisse decisão sobre o pedido formulado pelo autor.
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E prosseguindo o processo os seus termos, foi, a final, prolatada sentença na qual foi decidido: «Face ao exposto, julgo parcialmente procedente por provada a presente ação, e, em consequência: 1– Condeno o Réu, Estado Português, a pagar ao Autor a quantia de € 17.000,00 (dezassete mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contado desde a presente data até efetivo e integral pagamento.
2– No mais, absolvo o Réu Estado Português do Pedido.
3 – Custas da ação a cargo do Autor e do Réu, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e sem prejuízo da isenção subjetiva do Réu.» 3.
Inconformadas recorreram ambas as partes, sendo que o autor subordinadamente.
3.1.
Conclusões do réu.
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O Tribunal “a quo” julgou parcialmente procedente a ação instaurada pelo Autor e, com fundamento no disposto no artigo 225.º, n.º 1, alínea c) do C.P.Penal, condenou o Estado Português no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 17.000,00 €; B) O Réu entende que face à factualidade dada como provada o valor da indemnização por danos não patrimoniais se revela desajustado e exagerado; C) No que concerne aos danos não patrimoniais, o principio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil); D) Nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam tutela do direito; E) Sendo que nos termos do disposto no n.º 4 do citado artigo “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; (…)”; F) Ainda de acordo com o artigo 494.º do Código Civil, “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”; G) Face à factualidade provada e ao período de privação sofrida pelo Autor, 325 dias de reclusão, afigura-se-nos que a quantia de 17.000,00 €, atribuída a título de indemnização por danos não patrimoniais se revela exagerada, devendo a mesma alterar-se para valor inferior de acordo com os princípios de equidade e com os critérios seguidos pela jurisprudência; H) Ao quantificar o valor da indemnização por danos não patrimoniais no montante de 17.000,00 €, o tribunal “a quo”, violou o disposto no artigo 494.º do C.Civil; I) Devendo de acordo com os critérios de equidade fixar-se a indemnização por danos não patrimoniais em montante que não exceda o valor de 8.000,00 €.
3.2.
Conclusões do autor: A) o recorrente entende que a indemnização fixada pelo Tribunal “a quo” é excessiva sustentando que o juízo de equidade da Meritíssima Juiz não terá tomado em consideração a limitação da responsabilidade estabelecida no artº 494º do Código Civil.
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para além desta alegação nenhum outro fundamento é apresentado para sustentar o excesso da indemnização ou o montante de 8.000 € que sugere ser adequado.
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pelo, parece-nos, que o recurso apresentado pelo recorrido não apresenta fundamentos que determinem a alteração da decisão proferida, em especial a fixação do valor compensatório indicado pelo montante de 8.000 €.
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por outro lado, parece existir contradição na fundamentação de facto, que deverá resultar de mero lapso, que carece ser rectificado, designadamente quanto aos factos provados indicados nos pontos 1.16, 1.17 e 1.21 sobre a retribuição diária de 40€ que são, também, indicados como não provados nos pontos 2.5, 2.9 e 2.19 que devem ser eliminados.
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acresce que, encontra-se demonstrada factualidade para fundamentar a declaração do direito a indemnização por dano de natureza patrimonial, designadamente que o recorrido auferia uma retribuição pelo seu trabalho e que estando privado da liberdade deixa de auferir tal rendimento.
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sendo certo que, mesmo que a prestação de trabalho até ao momento da detenção do recorrido fosse irregular, não existe demonstração de que no futuro não pudesse ser diária.
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pelo que, existindo a expectativa ou a possibilidade da prestação de trabalho de forma regular todos os dias úteis da semana e pela retribuição de 40 € diários é devido o pagamento da importância de 10.800 € (270 dias x 40 €).
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relativamente ao dano não patrimonial o recorrido reitera no presente recurso, que a compensação económica devida deve ser adequada a atenuar o sofrimento de 325 dias de reclusão e as memórias que se irão perpetuar durante os restantes dias da sua esperança de vida.
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considerando que a liberdade, como a vida, é um valor absoluto que, também, realiza a Dignidade Humana, principio fundamental em que assenta a Republica Portuguesa, parece-nos, que a Meritíssima Juiz “a quo” não valorizou suficientemente tais princípios, cfr. artº 1º e 27º da Constituição da República.
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e, consequentemente, fez uma aplicação dos disposto nos artº 496º nº 1 e 4 e ultima parte do artº 494º...
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