Acórdão nº 1489/20.7T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução28 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO CONDOMINIO ... SITO NA QUINTA ..., ... contra intentou acção de condenação sob a forma de processo comum contra B... S.A.

peticionando a sua condenação a pagar-lhe 5.026,04 €, da seguinte forma: a) 136,36 € a quota extraordinária para reparação de elevador; b) 46,91 € a seguro de 2013/14; c) 32,91 € a restante parte de seguro de 2012/13; d) 1.034,52 € a quotas de junho de 2016 a julho de 2019; e) 134,20 € a fundo comum de reserva de janeiro de 2016 a dezembro de 2019; f) 107,20 € a quota extraordinária para reparação de elevador; g) 2.549,94 € a título de pena pecuniária; h) 984,00 € a título de honorários de advogado.

montantes acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, alega ser a R. proprietária do imóvel e locadora financeira de uma fracção do imóvel designada pela letra ...” desde 08/10/2010 a 19/07/2019 e que não procedeu ao pagamento das quotizações, seguros e contribuições para o fundo de reserva, sendo-lhe aplicada uma pena pecuniária que, de igual forma, não pagou.

*** Citada, veio a R. invocar a sua ilegitimidade processual, por entender que cabe ao locatário financeiro o pagamento destas quotas e demais despesas, quer por via de disposição contratual constante do contrato de locação financeira, quer por via de disposição legal contida no 10.º, n.º1, alínea b), do Decreto-Lei 149/95 de 24 de Junho.

* Designada a audiência prévia, foi proferida decisão que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade do R. e o absolveu da instância.

* Não conformado com esta decisão, impetrou o A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “B) CONCLUSÕES: 1 – Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador proferido nos termos do qual, atento o disposto no artigo 577.º al.) e) do CPC, o Tribunal a quo declarou o réu B... S.A. parte ilegítima na presente ação e, em consequência, nos termos do art.º 278.º n.º 1 al. d) do CPC, absolveu-o da instância, além de ter ainda condenado o recorrente nas custas do processo.

2 - O R. foi proprietário da fração autónoma designada pela letra ... pertencente ao prédio urbano inscrito na matriz urbana sob artigo ...76.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob n.º ...04 da freguesia ... no período temporal compreendido entre 08.01.2010 (então, antes da fusão no Banco R., enquanto P... S.A.) e 19.07.2019.

3 - Encontrava-se registada pela AP. ...42 de 2011/06/02, Locação Financeira a favor da sociedade T..., Lda., pessoa coletiva n.º ....

4 - De acordo com a informação constante do registo, tal locação Financeira iniciou-se em 24/05/2011 e tinha um prazo de duração de 180 meses 5 - Não foram pagas ao condomínio A., por conta de tal fração, as quotas ordinárias e extraordinárias melhor discriminadas no douto despacho saneador, cuja matéria está também dada como assente, estando também assente que o R. ora recorrido teve conhecimento do teor da ata e não impugnou as deliberações tomadas.

6 – Entende o A. ora recorrente que o R. ora recorrido é parte legítima na ação e que o Tribunal a quo errou ao decidir pela ilegitimidade passiva do mesmo.

7 - Embora o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, aprovado pelo DL 149/95 de 24 de junho, com as suas sucessivas atualizações, disponha na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º que é obrigação do locatário “pagar, em caso de locação de fração autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum”, tal imposição legal vigora apenas entre locatário e locador e não também para com o condomínio.

8 – O disposto no artigo 10.º n.º 1 al. b) do DL 149/95 de 24 de junho, com as suas sucessivas atualizações, não exonera os proprietários locadores da sua obrigação de suportarem as despesas do condomínio.

9 – No sentido do supra exposto vejam-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/03/2002 – Proc. 01A3861; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/12/2019 (Proc. 27472/17.1T8LSB.L1-A-2); Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/06/2001 (Proc. 0150683); Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/05/2008 (Proc. 0821567); Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/09/2016 (Proc. 6882/16.7T8PRT-C.P1); todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

10 - O entendimento plasmado nos Acórdãos referidos é aquele que melhor salvaguarda os interesses da vivência condominial, uma vez que, se o Condomínio apenas pudesse exigir o pagamento das despesas em causa ao locatário, poderia nunca ver-se pago dessas despesas: vejam-se os, não raros, casos em que o locatário é declarado insolvente, não tendo na sua esfera jurídica quaisquer bens suscetíveis de serem liquidados para fazer face às dívidas! 11 – O locatário, nas situações (não raras) em que não detém quaisquer bens susceptíveis de serem penhorados, poderia continuar a beneficiar de todos os serviços comuns do edifício sem contribuir com a quota parte devida, bastando-lhe para tal continuar a cumprir com o contrato de locação financeira.

12 – Por sua vez, o locador, proprietário da fração, também veria a mesma ser “intocável” em termos de penhora por falta de pagamento das despesas de condomínio, pois este nunca poderia exigir dele o pagamento das mesmas! 13 – Se apenas o locatário for o responsável pelo pagamento das despesas de fruição e conservação das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum, o condomínio nunca poderá penhorar o imóvel para garantir o seu crédito! 14 - O próprio legislador, com a recente Alteração ao Regime da Propriedade Horizontal introduzida pela Lei n.º 8/2022 de 10 de janeiro, veio expressamente referir que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações” – cfr. artigo 1424.º n.º 1 do Código Civil – sublinhado nosso.

15 - Os condóminos responsáveis pelo pagamento das despesas comuns do edifício são os proprietários das frações no momento da tomada das deliberações.

16 - Perante o condomínio, A. ora recorrente, o locador, R. ora recorrido, enquanto proprietário da fração melhor identificada nos autos, é responsável pelo pagamento da sua quota parte das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum, sendo portanto parte legítima na ação, a qual deve contra o mesmo correr ulterior termos.

POR TUDO O EXPOSTO, E SEM NECESSIDADE DE MAIS AMPLAS CONSIDERAÇÕES, DEVERÁ A PRESENTE APELAÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR-SE A DECISÃO PROFERIDA PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO, A QUAL DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE O R. ORA RECORRIDO PARTE LEGÍTIMA NA AÇÃO, CORRENDO A MESMA ULTERIORES TERMOS CONTRA O R., ASSIM SE FAZENDO TÃO COSTUMADA JUSTIÇA.” * Pelo R. foram interpostas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

*** QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar: a) Se é ao proprietário de fracção de edifício constituído em propriedade horizontal, que cedeu a fracção a terceiro em locação financeira, que cabe a responsabilidade pelo pagamento de quotas de condomínio, seguros e demais despesas necessárias à conservação e manutenção das partes comuns de edifício, devidos na pendência desse contrato.

* FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de...

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