Acórdão nº 5755/19.3T8CBR-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | ALBERTO RUÇO |
Data da Resolução | 28 de Maio de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório a) O presente recurso insere-se numa ação executiva e vem interposto do despacho de 7 de dezembro de 2018, que se passa a reproduzir: «Face ao teor do requerimento que antecede, verificamos que a exequente considera que a partir de 17/10/2017 o contrato de mútuo com fiança e hipoteca celebrado em Setembro de 2012 se considera resolvido.
Ora, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (v. artº. 433, do Código Civil). E nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas (cfr. artº. 434, nº. 2, do Código Civil).
Deste modo, os juros moratórios peticionados após a data de resolução (17/10/2017) já não podem ser os contratualizados (pois o contrato de mútuo, através da resolução, ficou sem efeito), passando a calcular-se essa mora à taxa legal dos juros civis, ou seja, 4% unicamente.
Por outro lado, quanto aos juros remuneratórios, é preciso atender ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ), de 25-03-2009, que decidiu que «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados».
Deste modo, devem igualmente ser expurgados os juros remuneratórios das prestações vencidas após a resolução contratual e o vencimento antecipado da dívida total.
Assim sendo, deverá a exequente, em 10 dias, apresentar nova liquidação da dívida de capital e juros nos moldes antes determinados – contabilizando os juros moratórios, após 17-10-2017, à taxa de 4% ao ano e retirando das prestações vencidas após 17-10-2017 o valor dos juros remuneratórios e comissões.
Notifique e comunique».
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Como se disse, é desta decisão que vem interposto o recurso pela Exequente, a qual concluiu deste modo: «A- a Exequente comporta os riscos inerentes à actividade bancária de concessão de crédito; B- foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 7,932%, composta do indexante EURIBOR a três meses + margem ou spread de 7,60% (mercê da evolução do indexante a mais recente taxa de juros é de 7,2710%); acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e incumprimento (a partir de 05/09/2013, com a entrada em vigor do D.L. nº 58/2013 de 08 de Maio, a sobretaxa moratória foi reduzida a 3%); C)- a vingar o entendimento do Tribunal a quo (após resolução a Exequente não pode exigir juros além da taxa civil de 4%), o contraente inadimplente veria o seu incumprimento fazer tábua rasa da penalidade prevista na cláusula 3ª, nº 5 do contrato de mútuo e, paradoxalmente, seria premiado com a menor onerosidade do capital mantido em dívida, ficando substancialmente melhor que contraentes que, em igualdade de circunstâncias, se mantiveram adimplentes; D- a resolução tem efeito retroactivo, mas o próprio artº. 434º, nº1 do C.C. previne soluções aberrantes ao exceptuar os casos em que tal efeito retroactivo contrarie a vontade das partes ou a finalidade da resolução - quem fundadamente resolve um contrato não espera que o contraente faltoso veja a sua conduta contratual colher benefícios, antes pelo contrário; E- neste sentido e a propósito do artigo 434º do Código Civil, ensina Menezes Cordeiro que esta norma é de aplicação supletiva; também Vaz Serra defende que não se deve exagerar no alcance da retroactividade, não podendo as coisas passar-se inteiramente como se nunca tivesse existido o contrato, contrato sempre subsistirá, não obstante a resolução; F- alinhando pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 02B4467 de 29/01/2003, a Recorrente aqui vem sustentar que, haja ou não resolução do contrato, a taxa de juros aplicável é sempre a contratualmente ajustada – no caso 7,2710%, com o acréscimo da penalidade de 3%, solução que, ademais, está conforme aos usos do comércio bancário; G- sempre e em todo o caso, estando em causa financiamento bancário a sociedade mercantil, estaríamos perante negócio subjectiva e objectivamente comercial, pelo que, ainda que a resolução tivesse o efeito de apagar a taxa e penalidade convencionadas, a taxa de juros moratórios a aplicar supletivamente deveria ser a taxa mercantil actual de 8%, nunca a taxa civil; H- nem após 25/06/2017, menos ainda após 17/10/2017 a Exequente peticionou qualquer valor de juros remuneratórios; isto é o vencimento antecipado não implicou a incorporação de qualquer valor de juros remuneratórios/comissões nas prestações vincendas, não tendo a injunção formulada pelo Tribunal a quo neste particular qualquer cabimento no caso sub judice; I)- nenhum ajuste deverá a Exequente fazer à liquidação por si efectuada (exceptuando aquele que resulta da ordenada expurgação das quantias reclamadas a título de despesas, segmento decisório com que a Exequente se conformou, sendo certo que, quanto a estas, nenhuns juros se contabilizaram).
Estes os termos em que, e com outros, melhores de direito que esse Venerando Tribunal provirá, se roga total revogação da decisão (tal como acima delimitada) ora colocada em crise. Assim se cumprirá desígnio de JUSTIÇA!».
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Os recorridos não contra-alegaram.
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Objeto do recurso Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o presente recurso coloca a questão de saber que quantias a Recorrente mutuante pode exigir dos mutuários após a resolução do contrato de mútuo, além do capital em dívida, designadamente, se pode exigir os juros previstos no contrato e a sobretaxa de 3% prevista para a mora ou, pelo menos, os juros à taxa comercial.
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Fundamentação a) Matéria de facto Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede a que acresce o teor do requerimento executivo que a seguir se reproduz.
1- A Exequente é uma cooperativa de responsabilidade limitada que se dedica às funções típicas do crédito agrícola e demais actividade bancária.
Nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 24/91 (regime jurídico do crédito agrícola mútuo), na redacção mais actual introduzida pelos Decretos-Lei nºs 230/95, de 12 de Setembro, 320/97, de 25 de Novembro e 102/99, de 31 de Março de 11 de Janeiro, destacadamente do artigo 33º, “para efeito de cobrança coerciva de empréstimos vencidos e não pagos, seja qual for o seu montante, servem de prova a título executivo as escrituras, os títulos particulares, as letras, as livranças e os documentos congéneres apresentados pela caixa agrícola exequente, desde que assinados por aquele contra quem a acção é proposta, nos termos previstos no Código de Processo Civil”. Este normativo não foi revogado pelo NCPC e, sendo norma específica do crédito agrícola, prevalece sobre o regime geral – lex specialis derrogat lex generalis; Por outro lado “a norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de...
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