Acórdão nº 02B4467 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Data29 Janeiro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:I - "A", id. a fls. 2, propôs acção declarativa ordinária contra B e mulher C, aí ids., pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe 1.844.736$00, com juros vencidos e vincendos e imposto de selo sobre juros. Alegou em síntese que: Ela, "A", é uma sociedade financeira para aquisições a crédito que tem por objecto o exercício das actividades referidas nos artigos 1º e 2º do DLei nº 206/95 de 14 Agosto; No exercício da sua actividade comercial e com destino à aquisição de um automóvel da marca Fiat, modelo Ducato, com a matrícula PX..., a A., por contrato constante de título particular, concedeu ao R. crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo-lhe assim emprestado a importância de Esc.1.500.000$00; Nos termos desse contrato celebrado entre A. e o R. marido, essa quantia, vencia juros à taxa nominal de 25,66% ao ano, devendo a importância do empréstimo e esses juros, serem pagos, nos termos acordados, em 48 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a 1ª em 20/10/94, e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes; O pagamento de cada uma das prestações efectuar-se-ia por transferência bancária a efectuar aquando do vencimento delas, para conta bancária logo indicada pela A.; Segundo o acordado a falta de pagamento de qualquer das prestações na data do seu vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações; Acordou-se ainda entre A. e o R. que, em caso de mora sobre o montante em débito, como cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juros contratual - 25,66% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 29,66%; O R. marido, das prestações referidas, não pagou a 17ª e seguintes, vencida a primeira em 20 de Fevereiro de 1996, vencendo-se então todas as outras; Esse R. não providenciou pelas ditas transferências bancárias - que não foram feitas - para pagamento das ditas prestações, nem a R., ou quem quer que fosse por ele, as pagou à A.; O valor de cada prestação, que incluía juros, era de 57.648$00; O total das prestações em débito da R. à A. ascende a esc. 1.844.736$00, quantitativo a que acrescem os juros devidos; Os juros já vencidos em 17.01.1997 são no valor de 497.680$50; e O empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos RR., pelo que a R. C é solidariamente responsável com o R. marido pelo pagamento dessas importâncias; Citados, os RR., contestaram, dizendo, em síntese, que: Não são casados entre si e, por isso, a R. é parte ilegítima. A al. c) da cláusula 8ª do contrato celebrado é nula, por consagrar cláusula desproporcionada aos danos a ressarcir; O R. B limitou-se a aderir ao clausulado apresentado, sem que ninguém lhe explicasse as cláusulas do contrato no momento da assinatura; A A. tem registado a seu favor e de forma ilegítima a reserva de propriedade sobre o veículo, com vista à aquisição do qual foi concedido o empréstimo; e O R. denunciou antecipadamente o contrato com a A. e por falta de resposta válida desta, que sempre quis resolver o contrato por falta de pagamento das rendas, teve prejuízos. Assim, em reconvenção, pede que a A. seja condenada a pagar-lhe ao a quantia de 1.500.000$00, correspondente aos prejuízos invocados e aos demais que vierem a liquidar-se em execução de sentença, montante esse acrescido de juros de mora, à taxa de 10% e pede ainda o reconhecimento da denúncia antecipada por si feita do contrato celebrado com a A. e o cancelamento do registo da reserva de propriedade do veículo. A A. replicou pugnando pela condenação do R. e pela improcedência da reconvenção. Por sentença julgou-se a acção em parte procedente e improcedente a reconvenção. Não se conformando com a decisão, dela recorreu o R. para a Relação de Lisboa que, por Acórdão de 27/06/02, julgou a apelação improcedente e, assim, confirmou a dita sentença. Ainda discordante o R. recorreu de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a revogação do decidido, com as legais consequências e alegando o contido a fls. 464 a 487, com as conclusões seguintes: 1. Vem este recurso da decisão sobre a matéria de direito proferida pela Relação de Lisboa; 2. O R. não se conforma com a decisão de mérito, considerando que o Acórdão da Relação de Lisboa violou a lei substantiva por erro de interpretação e aplicação de normas jurídicas; 3. Desde logo, a Relação de Lisboa violou por erro de interpretação o disposto no art. 811º, nº 3, do CCivil e ainda o art. 12º e a al. c) do art. 19º do DLei nº 446/85, de 25/10, em virtude de a al. c) da cláusula 8ª do contrato em causa nos autos ser nula; 4. De acordo com a al. c) da cláusula 8ª do contrato em causa nos autos "Em caso de mora e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais"; 5. A Relação de Lisboa considerou que "a cláusula penal moratória contida na cláusula 8ª das Condições Gerais do contrato de mútuo referido nos autos é inteiramente válida, nos termos e de harmonia com o disposto nos arts. 810º e 811º, nº 1 do CCivil e 7º, nº 2 do DLei nº 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 2º do DLei nº 83/86, de 6 de Maio" concluindo que "tal cláusula não configura desproporção e muito menos desproporção sensível, entre a pretensa pena nela estabelecida e os prejuízos a ressarcir". 6. Por seu turno, dispõe a al. c) do art. 19º do DLei nº 446/85, de 25/10 que são proibidas as cláusulas contratuais gerais que "consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir". 7. Ora, a cláusula penal é o acordo pelo qual as partes estipulam certas regras destinadas a terem aplicação na eventualidade do incumprimento das suas obrigações e em substituição do regime normal da responsabilidade civil; 8. A figura jurídica da indemnização é de interesse negativo, isto é, pretende abranger o prejuízo que a A. recorrida não teria no caso de não ter celebrado o contrato nas condições específicas do mesmo; 9. No valor de cada uma das prestações estipuladas, está incluído o que em termos financeiros se chama o "risco de crédito", ou seja, em cada uma das prestações inclui-se não o capital mutuado mas sim o preço do capital mutuado, incluindo-se no diferencial os custos da operação e o risco do crédito concedido; 10. Admitir acrescentar uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais por meio de uma cláusula contratual geral, é ferir o juízo de adequação e proporcionalidade de qualquer cláusula indemnizatória, mesmo com a natureza de cláusula penal; 11. Pretender receber para além do valor de cada uma das prestações vencidas que, como foi explicado assegura já os danos/prejuízos decorrentes de um eventual incumprimento, os juros de mora à taxa anual de 29,66%, é pretender ganhar mais com o incumprimento do que com o cumprimento; 12. Postula o art. 811º, nº 3, do CCivil (do qual, quer o Tribunal de 1ª Instância quer a Relação de Lisboa, parecem esquecer-se) que "em caso algum o credor pode exigir indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal"; 13. A cláusula em apreço (cláusula 8ª, alínea c) do contrato de mútuo dos autos) vai nitidamente contra este princípio; 14. E, por isso, tal desproporção indemnizatória extravasa o limite aceitável de que a indemnização deverá abranger apenas e exactamente o prejuízo causado, de modo a reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido incumprimento; 15. É que, in casu, pouco importa que o art. 811º, nº 1, permita que o credor obtenha cumulativamente o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da pena. Igualmente pouco importa que o art. 7º, nº 2, do DLei nº 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 2º do DLei nº 83/86, de 6 de Maio, permita que as instituições de crédito para-bancárias cobrem uma sobretaxa até 4% das taxas de juro compensatórias, pois há sempre que apurar o caso concreto; 16. E, neste caso, se o risco de crédito é computado no valor global a receber, salvaguardando já os eventuais danos provocados pelo incumprimento, elaborar de antemão uma cláusula como a que está em análise, é permitir que a Recorrida exceda, manifestamente o limite imposto pelo fim económico do seu direito o que representa um claro e grave abuso de direito; 17. E assim a cláusula 8ª, al. c) do contrato de mútuo em causa neste processo assume natureza coerciva e desproporcionada ao dano a ressarcir, pelo que é proibida, enfermando, em consequência de nulidade nos termos dos arts. 12º e 19º, al. c), do DLei nº 446/85, de 25/10, devendo o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue...

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