Acórdão nº 537/20.5T8LMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | JORGE MANUEL LOUREIRO |
Data da Resolução | 29 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório A autora propôs contra a ré a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, mediante apresentação do correspondente formulário legal, peticionando a declaração da irregularidade ou ilicitude do despedimento que lhe foi imposto pela ré, com as legais consequências.
A ré apresentou articulado motivador do despedimento, sustentando que despediu a autora, com justa causa subjectiva para o efeito, no termo de um procedimento disciplinar válido e regular, por consequência do que deveria improceder a acção.
A autora contestou e reconveio, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização substitutiva da reintegração no valor de 1.905,00€, as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento e que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença e, ainda, o valor de 384,30€ relativo ao crédito por formação contínua não proporcionada.
Alegou, muito em síntese, que é nulo o procedimento disciplinar no termo do qual a ré decidiu despedir a autora, pois não foi respeitado o prazo para a autora responder à nota de culpa, prazo esse que esteve suspenso até 3/6/2020, por força do art. 7.º da Lei 1-A/2020, de 19/3, relativo à suspensão dos prazos, tendo a decisão de despedimento sido comunicada à autora em carta que recebeu em 28/5/2020.
Respondeu a ré, sustentando que a suspensão de prazos invocada pela autora não se aplica ao procedimento disciplinar no âmbito do qual foi proferida a decisão de despedimento, razão pela qual não ocorreu a violação do contraditório em que a autora funda a ilicitude do despedimento.
Prosseguiu a acção os seus regulares termos, tendo sido proferido despacho saneador em que se conheceu do mérito da acção, constando do segmento decisório, designadamente, o seguinte: “Atento o exposto, julgo a oposição ao despedimento totalmente improcedente e, bem assim, improcedentes os demais pedidos formulados por M... contra a S...
Custas da acção a cargo da Autora (artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho), tendo-se em conta que as custas relativas ao crédito por formação no valor de 384,30€ (objecto de transacção homologada por sentença) são a suportar por Autora e Ré em partes iguais.
”.
Não se conformando com o assim decidido, apelou a autora, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: “I. A douta sentença, que julgou improcedente a invalidade do procedimento disciplinar, não pode manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e dos princípios jurídicos competentes. Bem pelo contrário, a douta decisão recorrida, não pode deixar de considerar-se atentatória dos elementares princípios de justiça e legalidade.
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No caso dos presentes autos interessa saber se os prazos do procedimento disciplinar e de prescrição contidos no artigo 329.º, nºs 1, 2, e 3, aplicáveis aos procedimentos sancionatórios disciplinares do empregador privado, também ficaram suspensos.
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Na perspectiva do tribunal a quo, os prazos de procedimento sancionatório disciplinar do empregador privado não estão contemplados no dito normativo legal. Entende o Tribunal a quo que “claramente” os procedimentos disciplinares de particulares não foram abrangidos pela Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, pois que ali expressamente se referem apenas procedimentos sancionatórios e disciplinares que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas (nessa conformidade, e porque a aqui Recorrida é uma instituição privada de solidariedade social, é de afastar a suspensão do prazo para resposta da Autora à Nota de Culpa) IV. Não é de acolher a tese (e respectiva fundamentação) desenvolvida pelo Tribunal a quo.
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No dia 18/03/2020, para vigorar desde as 00h00 do dia 19 seguinte, o Exm.º Senhor Presidente da República declarou o Estado de Emergência, com fundamento na verificação da situação de calamidade pública (cfr. Decreto n.º 14-A/2020, de 18 de Março), pelo período de 15 (quinze) dias.
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No dia 20/03/2020, mas com efeitos a retroagir a 09/03/2020, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março procedeu à ratificação dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, e à aprovação de medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19 (cfr. art.ºs 1.º, alíneas a) e b), 10.º e 11.º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março; art.º 37.º, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março; e art.º 5.º, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril).
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Por efeito do Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de Abril, foi renovada a declaração do estado de emergência, pelo período de 15 (quinze) dias, tendo ocorrido nova renovação, por força do Decreto do Presidente da República n.º 20- A/2020, de 17 de Abril, por idêntico período.
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Que tendo cessado a declaração do estado de emergência, mas ainda na sequência da situação epidemiológica da Covid-19, por Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de Abril de 2020, foi declarada a situação de calamidade em todo o território nacional até às 23h59 do dia 17 de Maio de 2020, prorrogável ou alterável mediante a evolução da dita situação epidemiológica, a qual foi efectivamente prorrogada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2020, até às 23h59 do dia 31 de Maio de 2020, que revogou a anterior Resolução.
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Veio, ainda, a Lei n.º 14/2020, de 9 de Maio, alterar a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, mas sem que tenha modificado o regime nela instituído no tocante aos prazos e diligências processuais, mantendo-se a suspensão dos prazos.
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Entretanto, a Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que altera as medidas excepcionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, introduziu um inovador regime processual transitório e excepcional, no seu art.º 6.º-A, o qual iniciou a sua vigência em 03/06/2020 (cfr. seu art.º 10.º), tendo revogado o art.º 7.º, daquela Lei n.º 1-A, de 19 de Março, que vinha regulando os prazos e diligências processuais (cfr. art.º 8.º, da dita Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio).
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Só a partir de 3 de Junho de 2020 os prazos deixaram de estar suspensos.
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Interessa apurar se as referidas normas, mormente as relacionadas com a suspensão dos prazos, se aplicam ao procedimento disciplinar instaurado contra a trabalhadora/Autora.
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A resposta a essa questão resulta de forma clara do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, prevendo -se no seu n.º 6.º, alínea a) que: “O disposto no presente artigo aplica-se, ainda, com as necessárias adaptações, a: (…) b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares (…)” XIV. Salvo o devido respeito, todas as justificações/causas que levaram à suspensão dos prazos judiciais, têm aplicabilidade no procedimento disciplinar.
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Existiam diversas restrições, nomeadamente, quanto à circulação das pessoas em geral e, bem assim, quanto ao distanciamento social.
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O medo de circular pelas ruas e até a simples ida ao supermercado foram (e ainda são) em Março, abril e Maio encaradas com medo e pânico.
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Nesse sentido, a procura de advogado por parte da A. estava também limitada, não tendo, com o devido respeito, o Tribunal a quo fundamento para concluir que o advogado da Autora era de Lamego e, alem disso, que estivesse a trabalhar nesse período de pandemia (no caso do advogado signatário, por exemplo, nos meses de março, abril e Maio permaneceu em casa e não fez qualquer tipo de atendimento presencial no escritório) XVIII. Como também se nos afigura exagerada e completamente desvirtuada a referência que o tribunal a quo faz ao referir que os tribunais (de Março a Maio) continuaram a trabalhar e a realizar diligências.
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Entende a A. que o prazo de resposta à nota de culpa remetida pela entidade empregadora/R. ainda não tinha terminado quando lhe foi comunicado o despedimento (porquanto os prazos estavam suspensos).
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A suspensão dos prazos em sede de procedimento disciplinar foi objecto de análise e discussão, dando origem à realização de conferências e emissão de pareceres.
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No âmbito de um outro procedimento disciplinar (iniciado em Abril), movido contra uma trabalhadora, o aqui signatário solicitou à Ordem dos Advogados, o esclarecimento sobre a aplicação da suspensão dos prazos, questionando se a suspensão dos prazos era, ou não, aplicável ao procedimento disciplinar.
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Em resposta, a Ordem dos Advogados, por intermédio do senhor Bastonário Professor Doutor Luís Menezes Leitão, solicitou um parecer urgente à Comissão de Legislação.
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O Senhor Presidente da Comissão de Legislação, Dr. António Raposo Subtil, emitiu o seguinte parecer (que se encontra junto ao articulado apresentado pela A. e sobre o qual não recaiu qualquer referencia ou apreciação por parte da Juiz a quo) : - «O artigo 7.º tem a epígrafe (Prazos e diligências) e o número 6, deste artigo, consigna o seguinte: “O disposto no presente artigo aplica-se, ainda, com as necessárias adaptações, a: a) procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias; b) procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares …”» - «Ora...
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