Acórdão nº 229/20.5GACNF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelROSA PINTO
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

A – Relatório 1.

Pela Comarca de Viseu (Juízo de Competência Genérica de Cinfães), sob acusação do Ministério Público, pelo crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 3º, nºs 1 e 2 do Decreto-lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao disposto nos artigos 105º, 106º, 121º e 123º, todos do Código da Estrada e 69º, nº 1, alínea b), do Código Penal, foi submetida a julgamento, em processo sumário, a arguida MF, (…).

  1. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 7.1.2021, decidindo-se nos seguintes termos: “

    1. Condenar a arguida MF, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artº. 3º., nº.s 1 e 2, do Decreto Lei nº. 2/98, de 03/01, por referência ao artº. 121º., nº.s 1 e 4 do Código da Estrada, na redacção actualmente em vigor, em pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta centimos) o que perfaz o total de 825,00 € ( oitocentos e vinte e cinco) euros.

    2. Decido não aplicar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por falta de fundamento legal, art. 69.º, 1, al. b) a contrario.- C) Custas do processo pela arguida, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça, nos termos do artº. 513º., nº.1 do Código Processo Penal e da tabela III, anexa ao RCP, já reduzida em metade, nos termos do artigo 344º, nº. 2, alínea c) do mesmo diploma legal”.

  2. Inconformado com a douta sentença, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões: “1.

    O Ministério Público deduziu despacho de acusação contra a arguida MF pela prática de um crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao disposto nos artigos 105.º, 106.º, 121.º e 123.º do Código da Estrada e 69.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.

  3. Por sentença datada de 7 de Janeiro de 2021, o Mm.º Juiz do Juízo de Competência Genérica de Cinfães do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, nos autos supra mencionados, condenou MF, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos) o que perfaz o total de 825,00€ (oitocentos e vinte e cinco euros).

  4. Mais foi decidido “Não aplicar a pena acessória p. e p. pelo art. 69.º, 1, al. b) do C. Penal, a contrario”.

  5. Quanto à condenação da arguida MF na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, o Mm.º Juiz do tribunal a quo referiu, em síntese: “No entender do Tribunal e salvo devido respeito por opinião diversa, esta pena acessória não se aplica ao tipo legal vertente, na medida em que não se pode considerar que na condução sem habilitação legal esteja em causa uma facilitação do crime, na medida em que a própria utilização de veículo é um elemento constitutivo do tipo de crime. Ora, ainda que seja um crime com utilização de veículo, a utilização do veículo não o facilita de forma relevante, é condição sine qua non para a incriminação da conduta e nessa medida não se inscreve na alínea b) do 69.º, n.º 1 do Código Penal. Ademais as alíneas a) e c) também não contemplam e arredam a punição mediante pena acessória para este tipo de crime. Não podemos dizer que não deve ser aplicada esta pena acessória a quem não disponha de titulo que o habilite legalmente a conduzir, mas tão só que este tipo legal de crime não conduz à punição através desta pena acessória. Tanto é que após a Lei n.º 77/2001, que veio alterar radicalmente a estrutura artigo 69.º., essa questão ficou ultrapassada e, portanto, se refere o artigo 69.º, n.º 1, alínea b) prende-se com a utilização e veiculo como elemento acidental ainda que com o contributo relevante para a conduta ilícita e não já quando a utilização do veiculo seja elemento essencial da conduta ilícita”.

  6. Contudo, o crime de condução sem habilitação legal no qual a arguida MF foi condenada está abarcado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, na medida em que, se a lei não exige que o uso do veículo tenha sido condição necessária da prática do crime, nos casos em que o uso do veículo é condição necessária da prática do crime, por maioria de razão, deverá ser aplicada a pena acessória.

  7. Daqui resulta que a norma se basta com um mero auxílio relevante, mas logo surge uma questão necessária: se o legislador quis punir o menos, não quis também punir o mais? 7.

    Melhor dizendo, não é compreensível que a lei penal punisse um comportamento pelo facto de ele ser facilitador da prática de um crime e não punisse esse mesmo comportamento pelo facto de ele ser essencial para a prática do crime, o que no caso do cometimento do crime de condução sem habilitação legal, a utilização do veículo é essencial, já que, sem o veículo, o crime não seria cometido.

  8. Por outro lado, a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69.º do Código Penal, como qualquer outra pena acessória legalmente consagrada, tem uma função preventiva e colaboradora da pena principal.

  9. Acresce que as finalidades de prevenção resultam reforçadas pelo facto de, se o agente do crime de condução sem habilitação legal for punido, além da pena principal, com a pena acessória de inibição de conduzir, violando tal proibição pode resultar para o agente, ainda que não seja titular de carta de condução, a responsabilização pela prática, em concurso efectivo, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto - Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo referido artigo 353.º do Código Penal.

  10. Assim sendo, a sentença ora recorrida violou o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal”.

  11. (…) 8. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

    * B - Fundamentação 1.

    O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

    São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2, e 410º, nº 3, do mesmo diploma legal).

    O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª...

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