Acórdão nº 68/10.1PBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução26 de Janeiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

D...

, já com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum colectivo, porquanto acusado pelo Ministério Público da prática indiciária de factualidade consubstanciadora, em autoria material e concurso real de infracções, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 22.º; 23.º; 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas h), i) e j) do Código Penal, e, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea m); 4.º, n.º 1 e 86.º, n.º 1, alínea d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, redacção introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio.

O Hospital W..., E.P.E. deduziu pedido de indemnização civil contra o aludido arguido, peticionando o pagamento das despesas médicas decorrentes da assistência hospitalar prestada ao ofendido P...

, no valor de € 18.114,91, acrescido de juros vincendos até efectivo reembolso.

Ofendido este que, por seu turno, visando obter a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, em consequência da agressão sobre si perpetrada pelo arguido, conforme alegado, formulou igual pedido de indemnização civil peticionando a sua condenação a solver-lhe, a tal título, a quantia de € 38.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo pagamento.

Todavia, ao abrigo do regime consignado no artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, determinou-se a remessa das partes para os tribunais civis no que concerne ao apuramento da responsabilidade civil assim reclamada.

Realizado o contraditório, proferiu-se Acórdão, datado de 20 de Setembro de 2010, decretando, ao ora relevante: - A absolvição do arguido pela prática do assacado crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea m); 4.º, nº 1 e 86.º, n.º 1, alínea d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, redacção decorrente da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio; - A absolvição do arguido pela prática do imputado crime de homicídio qualificado, na forma tentada mas, porém, a sua condenação pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º; 23.º e 131.º do Código Penal, na pena de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão.

1.2. Em 15 de Outubro de 2010, o arguido, pretextando estar impossibilitado de se socorrer do mecanismo facultado pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, uma vez que os depoimentos orais coligidos no decurso da audiência de julgamento [concretamente do próprio; do ofendido P... e das testemunhas T...; J...; S... e M...] se mostravam deficientemente gravados, por parcialmente imperceptíveis, invocou a respectiva nulidade.

Sobre a pretensão recaiu o despacho judicial de fls. 871, proferido nessa mesma data, relegando o seu conhecimento para esta instância, visto o entendimento de que se encontrava já esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo.

1.3. O arguido, notificado, interpôs então o presente recurso, sendo que do requerimento apresentado extraiu a formulação das conclusões seguintes: 1.3.1. A fls. 364-A dos autos encontra-se uma informação da Comissão Nacional de Protecção de Dados [CNPD] no sentido de não ter sido encontrada qualquer notificação de tratamento em nome de BV..., Lda. (proprietária do ZZ...) e, consequentemente, não estar o sistema de vigilância desse estabelecimento comercial (local da ocorrência dos factos em análise) autorizado por tal organismo.

1.3.2. Também não consta dos autos existir no ZZ... qualquer aviso a informar os utentes do estabelecimento de que no mesmo estava instalado um sistema de videovigilância.

1.3.3. Não obstante, o Tribunal a quo inquiriu as testemunhas com recurso à exibição dos fotogramas de fls. 64 a 83, como resulta da própria acta de julgamento, e decidiu, no aresto que prolatou não constituírem tais fotogramas prova proibida.

1.3.4. Ora, fazendo-o, socorrendo-se do DVD constante de fls. 121 e dos fotogramas dele retirados inserta nas mencionadas fls. 64 a 83, incorreu em preterição às disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa; 4.º, n.º 4; 7.º, n.º 2; 8.º, n.º 2 e 28.º, n.º 1, alínea a), todos da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, e, artigos 126.º; 127.º e 167.º, estes todos do Código de Processo Penal.

1.3.5. No presente recurso, o arguido pretendia impugnar amplamente a matéria de facto. Sucede estar impedido de o fazer, pois que parte dos depoimentos produzidos em audiência se mostram imperceptíveis em variadíssimos segmentos, atenta a sua deficiente gravação.

1.3.6. Ocorre tal circunstância, e mormente aos que ora relevam, na perspectiva da sua defesa, com as suas próprias declarações e com os depoimentos do ofendido P... e das testemunhas T...; J...; S... e M....

1.3.6. Conforme artigos 363.º e 364.º, ambos do Código de Processo Penal, verifica-se, pois, uma nulidade porquanto mostra-se vedado ao arguido sindicar a matéria de facto e, forma de suprir tal vício, será a repetição dessa prova e actos posteriores que dela dependam.

1.3.7. Concedendo o não conhecimento nesta instância das conclusões antecedentes ou, quiçá, da sua improcedência, relativamente à intenção de matar acolhida no aresto sob censura nos itens tidos por provados n.ºs 3, 9 e 19, sempre urgirá dizer-se que se verifica, no que concerne, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, tal como definidos pelo artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, já que, 1.3.8. Se mencionou nessa peça processual, em B) de fls. 16, ter o Tribunal a quo alicerçado essa convicção após análise e apreciação crítica das declarações do arguido no confronto com as das testemunhas inquiridas, cotejando-as com os documentos juntos aos autos.

1.3.9. Sucede não ter sido atingido nenhum órgão vital da vítima e nem sequer se haver logrado apurar que o comprimento da lâmina da faca utilizada se mostrasse adequado e suficiente para alcançar algum desses órgãos.

1.3.10. Igualmente foi a decisão recorrida prolatada ao arrepio do relatório pericial de fls. 316 a 318, já que aí apenas se afirma conclusivamente que o ofendido esteve em perigo de vida (última conclusão).

1.3.11. Pese embora tivesse considerado como assentes os factos elencados sob os itens n.ºs 12, 13, 21 e 23, certo é não ter o Tribunal recorrido concluído que os mesmos integravam uma desistência tal como configurada no artigo 24.º, do Código Penal.

1.3.12. Sucede que ao pedir de imediato a chamada de uma ambulância o recorrente impediu a consumação do hipotético homicídio esforçando-se seriamente para o evitar.

1.3.13. Existindo desistência relevante, a tentativa não é punível, como resulta do disposto no citado artigo 24.º, n.ºs 1 e 2, normativo que, assim, se mostra violado pela dita decisão.

1.3.14. A fls. 19 [por lapso manifesto, refere-se “16”, nas conclusões], § 2.º do aresto impugnado, mencionou-se que o ofendido não corroborou a entrega pelo arguido, através de cheque bancário, da quantia ressarcitória de € 2.500,00.

1.3.15. Sendo correcto que á data em que decorreu a audiência de julgamento (10 de Setembro de 2010) o mesmo se não encontrava cobrado, mas apenas emitido pelo mandatário do recorrente (com data de 3 de Setembro de 2010), certo é que ocorreu tal cobrança no dia 16 de Setembro de 2010, e, logo, à data da prolação do aresto impugnado (20 de Setembro de 2010), já o recorrido se mostrava ressarcido ao menos nesse montante.

1.3.16. Donde que a junção do documento quirógrafo desse pagamento apenas nesta fase processual (fls. 933) não deva considerar-se como extemporânea, sob pena de preterição aos artigos 32.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e 6.º, § 1 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 1.3.17. Comprovada a reparação parcial do ofendido, impunha-se a atenuação especial da pena devida ao arguido, atento o estatuído pelo artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código Penal.

1.3.18. Acaso se não entenda ser devida essa atenuação, sempre a pena cominada é excessiva, pois como se sufragou no aresto em causa, a fls. 46, in fine, e início de fls. 47, “No entanto, ponderou-se em benefício do arguido; O arrependimento demonstrado; O facto do arguido, após, ter pedido para chamarem uma ambulância; As condições sociais que se provaram, donde decorre que o arguido se encontra socialmente integrado, sendo pessoa considerada no meio em que trabalhava e vivia.” 1.3.19. O que antes justificava a aplicação apenas de uma pena entre o mínimo de um ano e sete meses de prisão e o máximo de dois anos de prisão. Terminou pedindo que seja decidido em conformidade com todo o expendido.

1.4. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, seguiu-se resposta do Ministério Público pugnando pela manutenção do decidido e, logo, pelo improvimento do recurso.

1.5. Proferido despacho admitindo-o, foram os autos remetidos a esta instância.

1.6. Aqui, com vista respectiva, nos termos do artigo 416.º, do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntica manutenção do veredicto da 1.ª instância.

Deu-se cumprimento ao estatuído no n.º 2 do subsequente artigo 417.º.

1.7. Por sua vez, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se não ocorrerem pressupostos determinantes á apreciação sumária do recurso, além de nada obstar ao seu conhecimento de meritis.

Daí que fosse ordenado o respectivo prosseguimento, com recolha de vistos e submissão à presente conferência.

Urge, pois, ponderar e decidir.

* II – Fundamentação de facto.

2.1. A decisão recorrida teve por provada a seguinte matéria de facto: 1. No dia 26 de Janeiro de 2010, o arguido D... dirigiu-se ao estabelecimento comercial de discoteca denominado «ZZ...», na...

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