Acórdão nº 448/12.8PBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelLUÍS COIMBRA
Data da Resolução15 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO: No âmbito do Processo Sumário nº 448/12.8PBCVL do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, o arguido A...

foi submetido a julgamento tendo, a final, em 27/12/2012, sido proferida sentença que decidiu condená-lo “como autor material de um crime de desobediência p. e p. pelo artºs 22/1/2 do DL 54/75 de 24/2 e 348º nº 2 do Código Penal, na pena de 135 dias de multa à taxa diária de 7 euros.” Inconformado, o arguido interpôs recurso retirando da correspondente motivação as seguintes (transcritas): “Conclusões: 1 - O Tribunal não deveria ter julgado provado que “1. No dia 21 de Dezembro de 2012, pelas 13:30 horas A..., que o recebeu como fiel depositário e advertido da sua obrigação de o não utilizar ou alienar por qualquer forma e de o entregar quando lhe fosse exigido, e, ainda, advertido de que a referida utilização ou alienação o faria incorrer no crime de desobediência” e ‘fazia de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não o podia fazer, por tal veículo estar apreendido, ser dele fiel depositário e que nessas circunstâncias lhe estava vedada a condução de tal veículo”.

2 - O auto de apreensão junto nos autos, a fls. 4, é um impresso tipo, previamente elaborado, com várias quadrículas e espaços em branco destinados a ser preenchidos de acordo com o caso concreto.

3 - O espaço reservado à identificação do fiel depositário está em branco.

4 - Nos termos do artigo 839°/1 do CPC, é constituído depositário dos bens o agente de execução, ou nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça a pessoa por este designada, não tendo sido o arguido a pessoa designada para o efeito.

5 - Da prova produzida, maxime auto de apreensão junto nos autos, a fls. 4, não se pode concluir que o arguido foi constituído fiel depositário e foi informado, no momento da apreensão (13:30 horas) de que incorria na prática do crime de desobediência.

6 - O auto de apreensão está assinado pelo arguido na qualidade de proprietário do veículo e não como fiel depositário.

7- De acordo com a normal dinâmica dos acontecimentos, tendo sido advertido de que incorria na prática de um crime de desobediência e de que não poderia conduzir o veículo, decerto que o arguido não se atreveria a regressar às instalações da PSP, como fez, a conduzir o veículo.

8 - A penhora de veículo automóvel - bem móvel sujeito a registo - inicia-se com comunicação electrónica a que alude o artigo 838°, nº 1, ex vi do artigo 851º, n ° 1 do Código de Processo Civil, seguida de imobilização através de imposição de selos ou de imobilizadores e da apreensão do documento de identificação do veículo, nos termos dos nº 3 a 8 do artigo 164° e do artigo 161° do DL no 114/94, de 03 de Maio, como impõe o nº 2 do artigo 851º do Código de Processo Civil.

9 - Não existindo registo da penhora, como in casu não existe, - veja-se certidão emitida pelo 1° juízo (só agora junta uma vez que o Tribunal a quo indeferiu a realização de tal diligencia probatória) não pode haver apreensão do veículo uma vez que a apreensão do documento de identificação do veículo é um ato posterior ao registo da penhora, sendo esta seguida de imobilização do veículo através de imposição de selos ou de imobilizadores, o que não foi feito.

10 - A apreensão do veículo não obedece ao formalismo prescrito na lei - artigos 838°, nº 1 e 851°, nº 1 do Código de Processo Civil - pelo que não pode a ordem de apreensão reputar-se de legítima.

11 - In casu não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência, pelo que o arguido deverá ser absolvido.

12 - Sem conceder quanto à alegada falta de verificação dos elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência qualificada - o que por mera cautela de patrocínio se equaciona -, a título subsidiário, sempre a pena concretamente aplicada ao arguido é exagerada quer na determinação da medida concretamente aplicada quer na determinação da taxa diária.

13 - As condições pessoais e de vida do arguido, que está inserido familiar, profissional e socialmente, bem como as suas condições sócio económicas, que não foram sequer apuradas, e por maioria de razão não foram ponderadas, na sentença recorrida, enquanto factores que militam a favor deste.

14 - Ao condenar o recorrente pela prática do crime de desobediência p. e p. pelo art. 22°, n° 2 do DL 54/75 de 12.02 e 348°/2 do Código Penal, viola a douta sentença recorrida o disposto nas citadas disposições legais.

Termos em que, deverão Vossas Excelências julgar procedente o presente recurso e revogar a sentença recorrida absolvendo o arguido da prática do crime de que vem acusado assim, fazendo a habitual JUSTIÇA.” * O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, concluindo que não merece provimento.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se igualmente pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417º, n.º 2 do Código Penal, o recorrente nada disse.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO: Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

No caso vertente, e vistas as conclusões do recurso, as questões suscitadas são as seguintes: 1 - Impugnação da matéria de facto; 2. Qualificação jurídica dos factos; 3. Medida da pena.

* Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos (transcrição): “1.- No dia 21 de Dezembro de 2012, pelas 13, 30 horas foi apreendido pela PSP, Covilhã, a solicitação do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, no âmbito dos autos de execução n.º 296/11.2TACVL ( custas/multa/coima) em que é exequente o Ministério Público e executada a sociedade B... L.da, o veículo de matrícula x..., marca Nissan, modelo CVLULEFD22UQN35, conduzido por A..., que o recebeu como fiel depositário e advertido da sua obrigação de o não utilizar ou alienar por qualquer forma e de o entregar quando lhe fosse exigido, e, ainda, advertido de que a referida utilização ou alienação o faria incorre no crime desobediência.

2) No dia 21/12/2012, pelas 16, 15 horas, o arguido conduzia na via pública o referido veículo, o que fazia de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o não podia fazer, por tal veículo estar aprendido, ser dele fiel depositário e que nessas circunstâncias lhe estava vedada a condução de tal veículo.

3- Sabia, além disso, que a sua conduta era proibida e punida por lei.

4– O arguido tem antecedentes criminais que constam do CRC dos autos, entre os quais a prática de crimes de idêntica natureza.

* A convicção do tribunal recorrido para a fixação da matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos (transcrição): “A decisão da matéria de facto teve por base os documentos de fls. 4 (oficio do 1.º Juízo do Tribunal da Covilhã solicitando a apreensão do veículo), fls. 5 (auto de apreensão do veículo) e depoimentos do sr. agente da PSP C...

, que procedeu à apreensão do veículo, tendo ele, de forma clara e objectiva, descrito o seu procedimento, nomeadamente ter advertido e explicado ao arguido de que não poderia utilizar, conduzindo, o veículo sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência; tal depoimento foi corroborado pelo prestado pelo sr. Agente D...; Face ao teor de tais documentos e depoimentos não se valoraram as declarações do arguido no sentido de ter conduzido com autorização dos sr.s agentes da PSP.

Mais se valorou o certificado de registo criminal.” * Não vislumbrando na sentença recorrida quaisquer dos vícios a que alude o artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal, entremos então na apreciação das questões suscitadas no recurso, * 1. Começaremos por abordar a impugnação da matéria de facto.

Dispõe o artigo 428º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportarão os demais normativos citados sem menção de origem) que as relações conhecem de facto e de direito. E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da “revista alargada” dos vícios do artigo 410º nº 2 e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artigo 412º.

Na revista alargada está em causa a apreciação dos vícios da decisão, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos à decisão, como os dados existentes nos autos ou resultantes da audiência de julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 17ª ed. pag. 948; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol III, Editorial Verbo, 3ª Edição 2009, pags. 333 e 334, e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., pag. 77).

Na segunda situação – impugnação ampla – a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é estabelecido: “3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido...

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