Acórdão nº 158/10.0GAVZL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Maio de 2013
Magistrado Responsável | FERNANDO CHAVES |
Data da Resolução | 08 de Maio de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório 1.
No âmbito do processo comum singular n.º 158/10.0GAVZL, a correr termos no Tribunal Judicial de Vouzela, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos A...e B..., já melhor identificados nos autos, imputando-lhes a prática, ao primeiro, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punido pelo artigo 145.º, nºs 1, a) e 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, a), ambos do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal e, à segunda, de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
* Ao abrigo do disposto nos artigos 71.º, 74.º e 77.º do Código de Processo Penal foi deduzido pedido de indemnização civil por B..., a qual pediu que o arguido A..., em virtude dos factos praticados, fosse condenado a pagar-lhe a importância de 1.500,00 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
* Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos (transcrição): «
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Condena-se o arguido A..., como autor material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5 (cinco) euros, perfazendo o total de 1000 (mil) euros.
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Condena-se o arguido A..., como autor material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 5 (cinco) euros, perfazendo o total de 500 (quinhentos) euros.
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Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco) euros, o que perfaz a quantia total de €1250 (mil duzentos e cinquenta) euros.
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Condena-se a arguida B..., como autora material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de 8 (oito) euros, o que perfaz a quantia total de 400 (quatrocentos) euros.
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Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado a fls. 150 e ss, por B..., condenando o demandado A... a pagar àquela a quantia de €300 (trezentos euros) e absolvendo-se o mesmo quanto ao demais peticionado.
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Condenam-se ambos os arguidos no pagamento das custas do processo (art.º 513.º, n.º1, do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça em 3 unidades de conta para o arguido e 2 unidades de conta para a arguida (art.º 8.º, n.º 5 do R.C.P. e tabela III) g) Sem custas cíveis (art.º 4.º, n.º 1, al. m, do Regulamento das Custas Processuais).» 2.
A arguida B... interpôs recurso da sentença, retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «QUANTO Á MATÉRIA DE FACTO: 1º Atento os factos da acusação dados como provados e não objecto do recurso, da Fundamentação da Sentença, conjugados com os depoimentos das Testemunhas, é de concluir que não deve ser dado como provado o Ponto 8 dos factos dados por provados.
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E neste sentido, deverá dar-se como não provado que a arguida/recorrente se tenha dado uma chapada ao arguido, 3º Sendo irrelevantes e arbitrarias as considerações da sentença na fundamentação da matéria de facto, que ora se concluem, porquanto não infirmadas pelos depoimentos das testemunhas de acusação.
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De tudo resultando, pois, que não são de aceitar a apreciação e o julgamento da Prova feito pelo Douto Tribunal “a quo”, que assim devem ser corrigidos e reformulados nos termos atrás enunciados.
QUANTO Á MATÉRIA DE DIREITO: 5º Sem prescindir, e do que vai dito, terá forçosamente de se concluir que, ao dar-se como provada a matéria de facto constante dos pontos 7 e 8 dos factos provados, nos precisos termos seguintes: “…………. 7. De seguida, o arguido puxou a arguida pelos cabelos, deitando-a ao chão e arrastou-a, pelo menos, cerca de dois metros.
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B... deu ao arguido, no contexto referido em 7), pelo menos, uma chapada na cara.
………….” Não poderia a arguida ser condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, nos precisos termos em que veio a ser 6º Pois que, contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal “a quo”, ao caso concreto poderia, e deveria ser ponderada a submissão à conduta da arguida de causa de exclusão da ilicitude da sua conduta.
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Uma vez que, ao dar-se por provado que a arguida deu uma chapada ao arguido no contexto em que a mesma estava no chão a ser arrastada pelos cabelos, por uma distância de cerca de dois metros, pelo arguido, não poderia a mesma ser condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, pois que, demonstrado fica a verificação de um estado de necessidade objectivo ou direito de necessidade, previsto e determinado nos termos do n.º 1 do artigo 35º do Código Penal Português.
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Com efeito, entendendo-se por provado tal facto, a arguida ao dar uma chapada ao arguido no preciso momento em que este a puxava pelos cabelos arrastando-a pelo chão, terá forçosamente de se considerar que tal chapada visou unicamente afastar um perigo, uma ameaça que se encontrava em curso contra a sua integridade física, honra e liberdade perpetrada pelo arguido A....
9º Tendo o Tribunal “a quo” desconsiderado tal previsão legal, pelo que omitiu a previsão legal que ao caso importaria aplicar.
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A exclusão da culpa no designado estado de necessidade desculpante, previsto no artº 35º, nº 1 do Código Penal Português, para se ter por preenchida, exige que o agente tenha a intenção de afastar um perigo actual, não removível de outro modo, e que este (perigo actual) ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, ou, em qualquer dos casos, quando não seja razoável exigir do agente, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.
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Sendo que, dado por provados tais factos, nenhum outro comportamento seria de exigir da arguida que não o uso dos comportamentos necessários e adequados que visassem afastar as agressões de que estava a ser vítima, exactamente no momento em que as mesmas decorriam contra a sua pessoa. 12º Tal circunstância, agressão actual de que estava a ser objecto por parte do arguido, porque provada e presente exclui a ilicitude do facto praticado, ou justifica o facto típico praticado pela arguida, a também dada por provada chapada que a arguida infligiu ao arguido.
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Perante tal circunstância provada, teria o Tribunal “a quo” de considerar e dar por assente que a arguida actuou no exercício do direito de necessidade, e até, em legitima defesa, adoptando, no caso em concreto, uma reacção a uma agressão actual e ilícita que ameaça interesses juridicamente protegidos dela própria, e que essa reacção – chapada - foi adequada e necessária a afastar ou repelir a agressão actual e ilícita de que estava a ser vítima por parte do arguido A....
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Não existindo no caso em concreto, qualquer situação de excesso de legitima defesa, porquanto, a reacção adoptada pela arguida em momento algum ultrapassou o necessário à repressão das agressões de que era vítima.
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Tal entendimento, de causa de exclusão da ilicitude por intermédio de estado de necessidade e/ou de legítima defesa, era o único admissível à ponderação, decisão e aplicação ao caso em apreço, e em benefício da arguida, pelo Tribunal “a quo”, o que não fez.
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Assim, Entende a Recorrente que, de acordo com os factos dados como provados, resultará, necessariamente, que a arguida agiu a coberto de uma causa de justificação – legítima defesa – pelo que a sua conduta não podia ter sido considerada ilícita.
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A conduta do arguido A..., consistente no agarrar dos cabelos da recorrente, deita-la ao chão e arrasta-la pelo menos dois metros pelo chão, consubstancia agressão da integridade física da arguida.
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Agressão essa que deverá ser considerada actual, uma vez que a actualidade da agressão perdurará até que o bem jurídico susceptível de defesa seja efectivamente lesado ou até que o agressor desista da concreta agressão/lesão.
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A situação de legítima defesa implica que a acção de defesa se apresente como necessária para repelir a agressão, exigindo-se que o defendente só utilize o meio considerado necessário, no momento e segundo as circunstâncias concretas, suficiente, adequado e eficaz para suster a agressão.
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Esta apreciação deverá ser feita pelo julgador de acordo com critérios rigorosos, atendendo nomeadamente à capacidade físico-atlética do agressor, da agredida (capacidade de defesa), ao momento da agressão, à globalidade das circunstâncias concretas em que a agredida se encontra, bem como as capacidades e os meios de defesa de que a agredida se pode socorrer no preciso momento da agressão.
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Da sentença recorrida resulta, pois, que estes critérios foram obliterados pelo Tribunal a quo, ao não dar relevância: a) Às diferenças de idade e de compleição física da recorrente e do arguido (a recorrente é mais baixa e fisicamente menos forte que o arguido); b) À intenção do arguido em persistir e continuar com as agressões á recorrente; c) Ao facto de a arguida, conforme provado, ter dado uma chapada ao arguido no contexto de estar a ser puxada pelos cabelos e arrastada pelo chão; 22º Resulta pois que a conduta da arguida se apresenta como necessária para repelir a agressão, uma vez que utilizou o meio considerado necessário, no...
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