Acórdão nº 69/12.5GTGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.

No encerramento do inquérito n.º 69/12.5GTGRD que correu termos pelos Serviços do Ministério Público da comarca de Almeida, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A...

, com os sinais dos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de falsificação de notação técnica previsto e punido pelo artigo 258.º, nºs 1, c) e 2 ex-vi do disposto no artigo 255.º, b), ambos do Código Penal e no Regulamento (CE) n.º 516/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, de um crime de uso de documento de identificação alheio previsto e punido pelo artigo 261.º, n.º 1 ex-vi do disposto nos artigos 255.º, c), ambos do Código Penal e no artigo 7.º, n.º 3, d) do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31/7, ainda punível com a sanção acessória de inibição de conduzir prevista nos artigos 134.º e 147.º, nºs 1 e 2 do Código da Estrada e de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 7.º, n.º 3, d) do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31/7, ainda punível com a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no artigo 147.º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada.

No início do despacho final consignou-se o seguinte: «Apesar de o arguido ter aceitado a proposta do Ministério Público para a suspensão provisória do processo, é do nosso conhecimento funcional que o Tribunal não aceitaria a mesma, nem mesmo uma condenação sob a forma de processo sumaríssimo, pelo que segue despacho final».

  1. O arguido requereu a abertura de instrução pugnando pela suspensão provisória do processo nos termos do artigo 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

    Declarada aberta a instrução e realizado o debate instrutório([i]) foi proferido despacho que decidiu «não suspender provisoriamente o processo, bem como não pronunciar o arguido A..., melhor identificado a fls. 167 dos autos, pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258º nº 1 alínea c) e 2 ex vi 255º alínea b) do Código Penal e no Regulamento (CE) nº 516/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março e de um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artigo 261º nº 1 ex vi artigo 255º alínea c) e no artigo 7º nº 3 alínea d) do Decreto-lei nº 169/2009 de 31/07 , o qual ainda é punível com a sanção acessória de iniciação de conduzir, p. e p. pelos artigos 134º e 147º nºs 1 e 2 do C. Estrada.» e determinou que «após trânsito deste despacho, se extraía certidão da acusação pública de fls. 166 a 171, do auto de notícia de fls. 4 e 5, bem como de toda a prova documental referida na acusação e deste despacho e se remeta ao I.M.T.T., I.P. para apreciação da responsabilidade contra-ordenacional do arguido, arquivando-se posteriormente os autos.».

  2. Inconformado com a decisão instrutória, dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação nos termos seguintes (transcrição): «1º. O Tribunal a quo, na douta decisão instrutória, s.m.o., incorreu em erro de direito por incorrecta aplicação do direito aplicável aos factos constantes da acusação.

    1. Ao ter decidido que a conduta do arguido descrita na acusação não integra o crime de falsificação de notação técnica, por o arguido não manipular ou influenciar o normal funcionamento da máquina, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 258º, n.º 1, al. c) e 2 e ainda o art.º 255º, al. b), do Código Penal.

    2. Na verdade, ao contrário do que se considerou na decisão instrutória, para a troca de cartões, o arguido teve de manipular fisicamente a máquina para extrair o seu cartão que estava em funcionamento e inserido na respectiva ranhura e, depois de inserir o do seu patrão, de fazer as operações necessárias, através da inserção de dados/pressão de botões, para que a máquina pudesse passar a fazer o registo da condução.

    3. Além de que, esta perturbação da máquina abrange ainda a actuação sobre o cartão, o qual inclui um chip onde ficam armazenados os dados e que, não fora o acto voluntário do arguido aquando da troca de cartões, nunca seriam alterados, passando a constar dos mesmos factos inverídicos.

    4. O Ministério Público entende assim que a utilização de cartão tacográfico alheio integra a previsão de um crime de falsificação de notação técnica p. e p. pelo art.º 258º, nºs 1, al. b) e 2 por referência ao art.º 255º, al. c), ambos do CP [cfr. aliás os fundamentos expostos no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23.3.2011 (relator: Desembargador Paulo Guerra)].

    5. Deste modo, deve a decisão ser substituída por uma outra que julgue verificados todos os elementos objectivos e subjectivos deste crime.

    6. Ao ter decidido que esta sua conduta não integra também o crime de uso de documento de identificação alheio, por entender que o cartão tacográfico não está expressamente previsto no art.º 255º, al. c), do Código Penal, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 261º, e ainda o art.º 255º, al. c), do Código Penal.

    7. Ao actuar como actuou, utilizando um cartão de motorista que não lhe pertencia, o arguido praticou ainda o crime de uso de identificação alheio.

    8. O cartão de motorista insere-se expressamente na definição de documento de identificação prevista no art.º 255º, al. c), do Código Penal, sem que para tal seja necessário recorrer à analogia ou interpretações extensivas.

    9. De facto, este cartão serve para identificar o arguido perante as autoridades e demonstrar a sua aptidão e habilitação para poder conduzir aquele tipo de viaturas, sendo este documento importante para conferir direitos e vantagens ao arguido, nomeadamente a nível da prova do número de horas de condução e da contagem dos períodos de trabalho, folgas e férias.

    10. Este cartão é um certificado/atestado (em formato digital por força do modo como é feito o registo dos dados relativos à condução) da qualidade profissional do seu titular, pois somente com tal documento é que o seu titular pode conduzir camiões equipados com tacógrafos digitais.

    11. Deve também aqui a decisão ser substituída por uma outra que julgue verificados todos os elementos objectivos e subjectivos deste crime.

    12. Não imputando estes crimes ao arguido por conta dos factos descritos na acusação, a douta decisão não aplicou como devia aquelas normas, mostrando-se assim as mesmas violadas por incorrecta interpretação e subsunção jurídica dos factos constantes da acusação, além das presentes nos art.ºs 410º, n.ºs 1 e 2, al. c) e 127º do Código de Processo Penal.

    13. Em consequência, o Tribunal a quo deverá considerar verificados todos os pressupostos legalmente previstos para se poder utilizar a suspensão provisória do processo, devendo pronunciar-se quanto à mesma, decretando-a ou, não a decretando, pronunciando o arguido de acordo com a factualidade e qualificação jurídica descrita na acusação.

    Termos em que, pelos fundamentos e nos termos expostos, com o douto suprimento de Vossas Excelências, se requer seja revogada a douta decisão instrutória recorrida e ser substituída por uma decisão que tenha em conta toda a factualidade e qualificação jurídica descrita na acusação e se pronuncie sobre a suspensão provisória do processo requerida e aceite pelo arguido, relativamente à qual o Ministério Público concorda com a sua aplicação.

    V. Ex.as, porém, e como sempre, farão Justiça !» 4.

    O arguido não respondeu ao recurso.

  3. Nesta instância, a Exma. Procuradora – Geral Adjunta, na intervenção a que alude o n.º 1 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, subscrevendo a posição do Ministério Público em 1ª instância, expressa na motivação de recurso, emitiu parecer no sentido da procedência do interposto recurso.

  4. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal([ii]), não houve resposta.

  5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

    * II - Fundamentação 1.

    A decisão instrutória objecto de recurso (transcrição): «I. RELATÓRIO A fls. 166 a 171, o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu despacho de acusação em relação ao arguido A...

    , pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real de: - um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258º nº 1 alínea c) e 2 ex vi 255º alínea b) do Código Penal e no Regulamento (CE) nº 516/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março; - um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artigo 261º nº 1 ex vi artigo 255º alínea c) e no artigo 7º nº 3 alínea d) do Decreto-lei nº 169/2009 de 31/07 , o qual ainda é punível com a sanção acessória de iniciação de conduzir, p. e p. pelos artigos 134º e 147º nºs 1 e 2 do C. Estrada, e - uma contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 7º nº 3 alínea d) do Decreto-lei nº 169/2009 de 31/07, o qual ainda é punível com a sanção acessória de iniciação de conduzir, p. e p. pelo artigo 147º nºs 1 e 2 do C. Estrada.

    Mais consignou o Magistrado do Ministério Público no início do seu despacho, a fls. 166, que “Apesar de o arguido ter aceitado a proposta do Ministério Público para a suspensão provisória do processo, é do nosso conhecimento funcional que o Tribunal não aceitaria a mesma, nem mesmo uma condenação sob a forma de processo sumaríssimo, pelo que segue despacho final”. Não se conformando com o teor daquela acusação, veio então o arguido, a fls. 230 e ss.

    requerer a abertura da instrução, apenas e unicamente com o fim de obter a suspensão provisória do processo na fase da instrução. Sustenta, em síntese, que em fase de inquérito já o Ministério Público tinha manifestado a sua opção pela utilização do instituto da suspensão provisória do processo, tendo proposto ao arguido a referida suspensão pelo período de 5 meses mediante a entrega de € 400,00 a uma IPSS, o que arguido aceitou. Entende pois o arguido que, nada mais restava ao Ministério Público que não fosse remeter os autos ao juiz de instrução a fim de recolher a sua concordância ou não concordância, não podendo deduzir despacho de acusação, consignando ser...

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