Acórdão nº 708/13.0TACLD.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução20 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Tribunal da Relação de Coimbra Secção Criminal Rua da Sofia - Palácio da Justiça - 3004-501 Coimbra Telef: 239852950 Fax: 239838985 Mail: coimbra.tr@tribunais.org.pt Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, ao abrigo do disposto no art.16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o arguido AA, solteiro, empresário, nascido a --.--.----, filho de ------ e de ----, natural de Angola, residente na Urbanização -------------, imputando-se-lhe a prática: - nos autos principais, de um crime burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e, - nos autos apensos, de um crime de falsificação e documentos, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Código Penal e de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e f), do mesmo Código.

“ASS” deduziu, no processo principal, pedido de indemnização civil contra o arguido AA.

Realizada audiência de julgamento - no decurso da qual foi homologada a desistência de queixa da ofendida relativamente ao crime de burla e do pedido de indemnização civil formulado nos autos, e foi comunicada ao arguido, nos termos do art.358.º, n.º1 e 3 do C.P.P., uma “alteração da qualificação e enquadramento jurídico” dos factos descritos na acusação, imputando, ao arguido, igualmente e nos autos principais, quanto ao crime de falsificação de documentos, o preenchimento da alínea e), n.º1 do art.º 256.º, do Código Penal e, nos autos apensos, ao invés de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.256.º, n.º 1, als. a) e e), do Código Penal, a prática de três crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.256.º, n.º 1, als. a) e e), do Código Penal - o Tribunal Singular, por sentença proferida a 6 de julho de 2017, decidiu julgar parcialmente procedente, por provada, a acusação e, consequentemente: - condenar o arguido AA pela prática de três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.256.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €10,00, por cada crime; - operar o cúmulo jurídico destas penas e condenar o arguido na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de € 10,00€, no total de € 2.000,00€; e - no mais, absolver o arguido.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido AA, apresentando as seguintes conclusões: 1.

a A “Sentença” proferida pelo Tribunal a quo encontra-se ferida, com as legais consequências, da nulidade prevista no art.379.º, n.1, al. b) do C.P.P..

  1. a A “Sentença” proferida pelo Tribunal a quo encontra-se ferida, com as legais consequências, da nulidade prevista no art.379.°, n.º 1, al. c), in fine, do C.P.P..

  2. a Tendo o Tribunal a quo admitido e valorado o depoimento prestado pela testemunha T1, sempre se dirá, que, in casu, resulta violado, com as legais consequências, quer o disposto no art.125.º, do C.P.P, quer o preceituado no art.92.°, n.ºs 1 e 5, do “Estatuto da Ordem dos Advogados”, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09/09, pois que, acaso o Tribunal a quo tivesse interpretado/aplicado, correctamente, como podia e devia, tais comandos legais, certamente que teria chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, como seja a de que, in casu, tendo, tal depoimento, sido prestado em clara violação do segredo profissional a que, tal testemunha, se encontrava adstrita, o mesmo não era admissível nem podia fazer qualquer prova em juízo - o que, de resto, não sucedeu.

    Nestes termos e, nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência: 1. Deve a “sentença” proferida pelo Tribunal a quo ser declarada nula, com as legais consequências; 2. Deve a “sentença” proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, com as legais consequências, desvalorize, por completo, o depoimento prestado pela testemunha T1.

    O Ministério Público no Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que deve ser dado parcial provimento ao recurso do arguido, declarando-se que foi admitida prova proibida, prestada por quem estava sujeita ao dever de sigilo profissional, com as legais consequências.

    Dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., não houve resposta.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: A.

    Factos provados - autos principais (excluindo os factos atinentes ao crime de burla) 1. O arguido AA, em 9 de Abril de 2013, deslocou-se às oficinas da ofendida ASS, sitas na EN --------, a solicitar a reparação do veículo de marca Mercedes, modelo C 200 CDI, com a matrícula -----, propriedade da firma -------- Lda.

  3. A ofendida após proceder à reparação solicitada emitiu uma fatura “pronto pagamento”, no montante de € 1.645,94.

  4. A fatura foi emitida a 12 de Abril de 2013, data em que o arguido compareceu nas oficinas da ofendida para levar a viatura.

  5. Aí, o arguido, intitulando-se o representante da -------- Lda., entregou ao funcionário da ofendida um documento pelo qual visou criar a convicção neste da realização de uma transferência bancária do valor constante da fatura - € 1.645,94 -, neste constando a declaração de “A sua operação foi registada com sucesso” e com crédito na conta da ofendida.

  6. Sucede porém que nunca foi transferida para a conta bancária da ofendida da Caixa Geral de Depósitos, agência de ---, qualquer valor.

  7. Nem até 18.06.2014 foi transferido qualquer valor por conta daquela fatura.

  8. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente.

    Autos apensos 8. A sociedade por quotas “--------, Lda.” foi constituída em 27 de Fevereiro de 2013, sendo desde então: a) suas únicas sócias: MLF e a sociedade por quotas “DCV, Lda.”, e, b) sua única gerente de direito a referida MLF; 9. Por sua vez a sociedade “DCV, Lda.” foi constituída em 06 de Setembro de 2011, sendo desde então seu único sócio e seu único gerente de direito o ora arguido AA.

  9. O arguido e a mencionada MLF viveram em união de facto cerca de dezoito anos, tendo tal relação findado em meados de 2014, e, têm dois filhos menores em comum, respetivamente nascidos em 2007 e em 2011.

  10. No ano de 2013, a sociedade “GL, Lda.” intentou uma Ação Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias (AECOP) contra a sociedade “--------, Lda.”, tendo dado origem à AECOP n.º 88746/13.3YIPRT.

  11. Em virtude de alguém que se intitulou representante da sociedade “--------, Lda.” ter deduzido oposição, a sociedade foi notificada para proceder ao pagamento da taxa devida.

  12. Em 03 de Setembro de 2013, pessoa cuja identificação não se logrou apurar arrogando agir em representação da sociedade “--------, Lda.” -, deu entrada de um requerimento de junção de um Documento Único de Cobrança (DUC) e do correspondente “comprovativo” de pagamento da taxa de justiça, no valor de 91,80 € (juntos a fls. 10-12), o qual havia sido gerado pelo arguido.

  13. De tal “comprovativo” do pagamento da taxa de justiça de 91,80 €, alegadamente efetuado através do serviço homebanking do Millennium BCP, consta: a) o timbre do Millennium BCP; b) que a operação é para “Pagamento de impostos” – “Depósitos Autónomos”; c) como valor: a quantia de 91,80 euros; d) como conta a debitar: a conta à ordem n.º -----; e) como referência de pagamento: o n.º “701 480 013 103 237” (idêntica à que consta do DUC); f) como data da impressão do “comprovativo”: 03 de Setembro de 2013.

  14. Contudo, quando a Oficial de Justiça Maria Orlanda Lourenço pretendeu registar o pagamento da taxa de justiça em questão, verificou que o mesmo não se encontrava disponível para registo no Sistema das Custas, e, deu conhecimento à Mma. Juiz titular do processo, a qual considerou não efetuado o pagamento da taxa de justiça e determinou que, decorrido o prazo do n.º 3 do art.570.º do C.P.C. e caso se verificasse que não se encontravam pagas a taxa de justiça e as multas devidas, a referida sociedade deveria ser notificada para em 10 dias juntar aos autos “o pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5UC, sob cominação de desentranhamento da contestação/oposição apresentada” (fls. 13- 14).

  15. Na sequência de tal despacho de 19/02/2014, foi remetida à sociedade “--------, Lda.” uma notificação, datada de 21/02/2014, para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça devida, acrescida de uma multa de igual montante, acompanhada de uma Guia Cível pagável até 06/03/2014 (fls. 15-16).

  16. Em 06 de Março de 2014, pessoa cuja identificação se não conseguiu apurar arrogando agir em representação da sociedade “--------, Lda.” -, deu entrada de dois “comprovativos” de pagamento, um da Guia Cível no valor de 102 € e outro de taxa de justiça no valor de 102 € (juntos a fls. 17-19), os quais foram gerados pelo arguido.

  17. Do “comprovativo” do pagamento da Guia Cível, alegadamente efetuado através do serviço homebanking do Millennium BCP, consta: a) o timbre do Millennium BCP; b) que a operação é para "Pagamento de impostos" - "Guias"; c) como valor: a quantia de 102 euros; d) como conta a debitar: a conta à ordem n.º --------; e) como referência de pagamento: o n.º “703 180040601463” (idêntica à que consta da Guia Cível); f) como data da impressão do “comprovativo”: 06 de Março de 2014.

  18. Do “comprovativo” do pagamento da taxa de justiça, alegadamente efetuado através do serviço homebanking do Millennium...

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