Acórdão nº 2159/13.8TALRA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução20 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA No Juízo Local Criminal de Leiria, da Comarca de Leiria, nos autos de processo comum (singular) que aí correram sob o nº 2159/13.8TALRA, foi pronunciado o arguido AA, sendo-lhe imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas a), d], por referência à alínea a) do artigo 255º, ambos do Código Penal.

A sociedade ASS deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a condenação do mesmo no pagamento da quantia de €8.240,13, de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos.

Levado a efeito o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos: Em face do exposto, julga-se totalmente procedente, por provada, a acusação pública deduzida contra o arguido AA, e, em consequência, decide-se: • CONDENAR o arguido, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea d) do Código Penal, com referência ao artigo 255º, alínea a) do mesmo diploma, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; • SUSPENDER a execução da referida pena pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, sujeita à condição de, nesse período, o arguido proceder ao pagamento de € 200,00 (duzentos euros) mensais à demandante, para amortização do valor em dívida, e disso fazer prova nos autos; • Julgar procedente, por provado, o pedido cível formulado contra o arguido pela sociedade ASS e, em consequência, CONDENAR o arguido a pagar à referida sociedade a quantia de € 6.025,70, acrescida de juros comerciais contados desde a notificação para contestar até integral pagamento, e a quantia de € 502,26, acrescida de juros civil contados desde a notificação para contestar, até integral pagamento; • CONDENAR ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando em 2 UC a taxa de justiça devida (nos termos dos artigos 513º e 514º, do Código de Processo Penal, e artigo Sº, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao referido diploma), nas custas do pedido cível formulado, por força do decaimento, e nas demais custas.

Após a leitura, proceder-se-á ao depósito da presente decisão, nos termos do artigo 372º, nº 5 do CPP.

Após trânsito em julgado da presente decisão, remeta boletim ao registo criminal.

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou concluindo nos seguintes termos: 1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Secção Criminal da Instância Local de Leiria, que condenou o recorrente na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e da sua condenação e em indemnização civil; 2 - Evidencia a decisão desrespeito por regras e princípios fundamentais que informam a lei penal e processual penal, o que conduziu à decisão injusta e, a nosso ver, insustentável, da condenação do arguido pela prática do crime de que vinha pronunciado e à aplicação de pesadíssima pena de um ano e quatro meses de prisão, ainda que tenha sida declarada a sua suspensão; 3 - Assinale-se, em primeiro lugar, que concorreu para o enquadramento da conduta considerada provada como adoptada pelo arguido, o de ter declarado facto inverídico em acta de assembleia geral com vista ao registo da extinção de sociedade, como integradora de crime de falsificação de documento, intenções consistentes no dolo específico de que a sua prática depende, não constantes da acusação; 4 - Ou seja, na decisão recorrida justifica-se ter-se considerado que a conduta do arguido integra a prática do ilícito pela qual vinha acusado, porque, e também: • Sabia que prejudicava a fé pública do registo, ao proceder ao registo de um facto falso; • Sabia que prejudicava terceiros, uma vez que extinguia a sociedade sem proceder ao pagamento de dívidas existentes, retirando assim aos seus credores a possibilidade de executarem a mesma ou de cobrarem o seu crédito; • Ter o arguido actuado com o propósito concretizado de prejudicar o Estado, abalando a fé pública dos actos sujeitos a registo; • Ter o arguido actuado com o propósito concretizado de prejudicar terceiros, através da incobrabilidade dos créditos que detinha sobre a referida empresa.

5 - Nenhum desses factos, que constituem elementos subjectivos do crime de que vinha pronunciado, constavam da acusação e sabe-se que esta delimita o âmbito e conteúdo do objecto do processo, estabelecendo os limites dos poderes cognitivos do tribunal; 6 - Esses factos, ou melhor, essas intenções, também não foram introduzidas na acusação aquando da prolação do despacho de pronúncia, ou no decurso do julgamento, nos termos previstos nos artigos 303.º, nº 1 e 358.º do Código de Processo Penal, a ser possível fazê-lo, considerando o teor do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015; 6 - Não podia, assim, o tribunal recorrido ter tomado em consideração, para efeitos do enquadramento jurídico-criminal da conduta do arguido, elementos específicos do dolo não constantes da acusação, ou nela posteriormente introduzidos, nem dados, consequentemente, como provados; 7 - Ao fazê-lo violou o disposto no art.º 379.º, nº 1, al. b) do CPP, sendo nula a sentença, na parte em que dá por verificadas intenções de que o arguido não vinha pronunciado e as considerou relevantes para considerar ter ele praticado o crime de que foi condenado; 8 - Quer isto dizer que a condenação do arguido apenas pode ser entendida como justificada pelo facto de, com a sua conduta, ter tido a intenção de causar prejuízo a outra pessoa, no caso a ASS, e de ter tido a intenção de obter para si e para a sociedade que representava, benefício ilegítimo, constante no não pagamento à ofendida do que lhe era devido; 9 - São estes, e tão só estes, os elementos subjectivos do crime que foram considerados na acusação para imputar ao arguido a prática do ilícito pelo qual foi submetido a julgamento e por eles condenado; 10 - Foram considerados provados os factos constantes da acusação, atinentes à intenção com que o recorrente agiu, e elencados sob os n.ºs 11, 12 e 13, da decisão da matéria de facto; 11 - Para fundamentar essa decisão, limita-se a sentença recorrida a referir que "a fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e a livre convicção que o tribunal granjeou obter sobre a mesma." 12 - Na apreciação da imputação de culpa ao recorrente vai-se um pouco mais longe, ao adiantar-se que, quanto à avaliação da culpa, "nesta parte as suas declarações, não foram merecedoras de credibilidade, porque atentatórias do modo de prática dos factos pelo arguido e da conjugação do mesmo com as mais elementares regras da normalidade e experiência comum." 13 - O recurso à justificação com base na livre convicção do tribunal e da globalidade da prova produzida, mesmo acolhendo para essa fundamentação, as invocadas regras da normalidade e da experiência comum, que são juízos de valor meramente conclusivos, sem se explicar a razão pela qual é as declarações do arguido são a elas contrárias, impedem que se controle o iter percorrido até à decisão tomada; 14 - A motivação é, pois, claramente insuficiente e incompleta, não explicitando a convicção do julgador de modo objectivado e perceptível e, como tal, susceptível do indispensável escrutínio.

15 - Impunha-se que nele se explicitasse detalhadamente as razões pelas quais se descredibilizaram as declarações do arguido, a única prova considerada para a decisão da matéria de facto, pois só assim se preencheria o requisito do exame crítico das provas que serviram para formar a decisão, a que alude o art.º 374.º, nº 2 do Cód. Proc. Penal; 16 - Enferma, assim, a sentença de nulidade, por falta de fundamentação da matéria de facto, com o que se mostra violado o disposto no art.º 379.º, nº 1, al. a) do CPP; 17 - Independentemente da nulidade cometida, há manifesto erro na apreciação da prova, vício previsto no art.º 410.º, nº 2, al. c), do Cod. Proc. Penal, e que resulta do próprio texto da decisão recorrida; 18 - Efectivamente, utilizando as mesmas regras de experiência comum a que fez uso na decisão, não poderiam dar-se como provado os factos 11, 12 e 13; 19 - Na verdade, o tribunal recorrido aceitou que o arguido se tivesse aconselhado com amigos advogados, um empresário e com o seu contabilista; 20 - Tendo assim sucedido, é legítimo concluir-se terem-no eles aconselhado a agir como agiu, ou seja que lhe tivessem dito não existirem consequências criminais da dissolução da sociedade e da declaração de inexistência de passivo, facto falso não punível, bem como no registo do cancelamento da sua matrícula, nem que daí resultava a extinção das dívidas que estavam por satisfazer; 21 - Conselho esse, aliás, apoiado, em vasta jurisprudência que considera não ser a declaração inverídica susceptível de constituir crime de falsificação de documento; 22 - Consequentemente, tendo o recorrente levado em conta o que lhe foi referido, o que seria razoável que se esperasse da sua conduta, era que agisse em conformidade conselho dado, ainda por cima por pessoas com formação jurídica, pelo que não se poderia ter considerado ter ele agido com intenção de obter vantagem indevida e de causar prejuízo à sociedade ofendida e ter consciência de que praticava um crime; 23 - Por outro lado, a prova dos factos 11, 12 e 13, é contraditória com o que se também se provou em 22, porque não tendo a sociedade activo quando foi deliberada a dissolução e encerrada a liquidação, não poderia ele ter agido com intenção de prejudicar a ofendida, nem de obter benefício para si próprio e para a sociedade que representava, consistentes, segundo a acusação, no não pagamento do que era devido à ASS, em consequência de fornecimentos que lhe fizera; 24 - Não tendo a sociedade devedora bens com que pudesse ser satisfeito, ainda que coercivamente, esse direito de crédito, não...

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