Acórdão nº 29/16.7PTCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE FRANÇA
Data da Resolução06 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA No Juízo Local Criminal de Castelo Branco, J-2, da Comarca de Castelo Branco, nos autos de processo comum (singular) que aí correram termos sob o nº 29/16.7PTCTB, o arguido AA foi submetido a julgamento, acusado pela prática, em concurso real, na forma consumada e em autoria material, de: - Um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; e de - Uma contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 103º, n.º 2 e 4 do Código da Estrada.

A viúva, filhos e netos do falecido FF formularam pedido de indeminização civil contra o arguido e a companhia de seguros Vitoria SA, o qual foi objecto de transacção e homologado por sentença conforme decorre da acta de audiência de julgamento.

A fls. 302 o Centro Nacional de Pensões deduziu pedido de indemnização civil contra a seguradora supra identificada peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de 39.460.98€ (trinta e nove mil quatrocentos e sessenta euros e noventa e oito cêntimos), a titulo de sub-rogação da pensão por morte atribuída à viúva do falecido, acrescida das pensões de sobrevivência que se vencerem e forem pagas durante a pendência dos autos e juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento.

Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos: Em face do exposto, julgo improcedente, por não provada, a acusação deduzida pelo Ministério Público e em consequência:

  1. Absolvo o arguido AA da prática de: - Um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; - Uma contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 103º, n.º 2 e 4 do Código da Estrada; Sem custas (art.º 513º nº l ° do Código de Processo Penal) Sem custas cíveis relativamente ao pedido formulado pelo CNP por não se proceder à sua apreciação.

    Inconformado, o Digno Magistrado do MP interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: 1. No presente recurso pretende-se impugnar a sentença proferida nos presentes autos, pela qual foi absolvido o arguido AA pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelos art.º 137°, n.º 1 e 69°, n.º 1, al. a) do Código Penal, em concurso real com uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 103°, n.º 2 e 4 do Código da Estrada, para além de se discordar que não se encontram preenchidos os elementos subjectivos do tipo legal de crime.

    1. Além disso, existe uma manifesta omissão de pronúncia quanto à contra-ordenação estradal.

    2. Assim, e salvo o devido respeito, não podemos concordar com os factos dados como não provados, bem como, parcialmente, com o facto n.º 8, na parte em que refere que o peão procedeu ao "atravessamento da referida passadeira de forma abrupta" dado como provado (sendo que este segmento foi acrescentado aos factos que já constavam da acusação), para além de se discordar que não se encontram preenchidos os elementos subjectivos do tipo de crime de homicídio por negligência.

    3. Temos para nós que da prova testemunhal e das próprias declarações do arguido proferidas em audiência de julgamento, resulta precisamente o contrário.

    4. Como bem se refere na sentença recorrida, o arguido prestou declarações e referiu que (e passa-se a citar): "não se apercebeu de todo que o peão tinha entrado na passadeira, tendo admitido uma ligeira distração, mas afirmando que de todo não o viu", conforme consta da Motivação da Matéria de Facto, primeiro parágrafo de fls. 359 verso.

    5. Mais consta da matéria de facto provada, nomeadamente no ponto 8., (e passa-se a citar): "(…) o arguido, que não se apercebeu que o ofendido o fazia, embateu (…)".

    6. Ora, esta formulação do ponto 8. da matéria de facto provada é exactamente igual ao que consta no artigo 7° da acusação pública (cfr. fls. 163 verso), tendo apenas sido acrescentado o segmento "e após ter iniciado o atravessamento da referida passadeira de forma abrupta", relativo ao comportamento do peão.

    7. Relativamente a este facto, escreveu a Meritíssima Juiz na sentença recorrida, na motivação de facto, e para justificar este comportamento do peão (e passa-se a citar): "A testemunha T1, que afirmou ter visto o acidente da varanda da sua cozinha que fica a cerca de 50 metros do local afirmou que o peão só atravessou após ter visto se não havia autom6veis, porém este seu depoimento é contrariado pelo depoimento da testemunha T2 (que estava a fazer jogging e perto do local e por isso merece maior credibilidade) que afirmou que o peão "aproximou-se rapidamente e depois foi colhido" e "vinha com passo apressado".

    8. Sem ser necessário "atacar" esta parte da fundamentação, e sem querer contrariar o que ficou escrito na fundamentação da matéria de facto, quanto ao depoimento da testemunha T2, a verdade é que, a argumentação da sentença recorrida, ao considerar que a forma alegadamente abrupta com que o peão/ofendido atravessou a passadeira é suficiente para afastar a negligência do arguido, nos parece, com o devido respeito, um raciocínio errado.

    9. Salvo o devido respeito, que é muito, da prova produzida resulta precisamente o contrário. Senão vejamos.

    10. O arguido admitiu, expressamente, que, nos instantes que antecederam o acidente, estava distraído, tendo ficado exarado na sentença, conforme supra referido que: "não se apercebeu de todo que o peão tinha entrado na passadeira, tendo admitido uma ligeira distração, mas afirmando que de todo não o viu." 12. Por outro lado, resulta da matéria de facto provada, ponto 8. O seguinte: "(…) o arguido, que não se apercebeu que o ofendido o fazia, embateu (…)".

    11. Por fim, é necessário atentar na descrição da via que é feita na matéria de facto provada, e na circunstância de ser de dia, existir boa visibilidade, e o peão não ter efectuado o atravessamento da passadeira do lado onde se encontravam viaturas estacionadas em segunda fila (conforme ficou assente na matéria de facto provada), mas do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veiculo conduzido pelo arguido, sendo que nem existe a "desculpa" de o arguido não ter visto o peão porque este surgiu, de forma inopinada, da sua direita, do meio de viaturas que ali se encontravam estacionadas.

    12. Nada disso aconteceu.

    13. O peão apresenta-se no lado esquerdo do sentido de marcha do arguido, numa avenida que tem duas vias de trânsito, com separador central de vias, e com uma largura de sete metros cada via, sendo que o peão já havia atravessado, desde o inicio da passadeira até ao ponto de contacto, 10,90 metros, o que demonstra que o peão, na altura do embate, já se encontrava bem dentro da passadeira (cfr. croqui do acidente a fls. 79).

    14. Aliás, isso mesmo resulta da matéria de facto provada, nomeadamente do ponto 8. onde se refere, expressamente: "Quando o ofendido se encontrava, sensivelmente, a atravessar a segunda marca da passadeira e após ter iniciado o atravessamento".

    15. Portanto, em nosso entender, fazendo um juízo global de toda a matéria de facto dada como provada, das declarações do arguido e do local do acidente, deveria ter o Tribunal "a quo", obrigatoriamente, concluido que o arguido agiu de forma imprudente, temerária, sem o devido cuidado, e sem abrandar a marcha ao aproximar-se da passadeira, a qual estava devidamente sinalizada (conforme também consta do ponto 5. da matéria de facto provada (e passa-se a citar): "No sentido de marcha do veículo, existia sinalização vertical a informar a aproximação da passadeira (sinal vertical H7)".), e sabendo que naquele local existe a referida passadeira e que é provável que existam peões a atravessar, tendo actuado, por isso, de forma descuidada e com evidente imperícia.

    16. Por outro lado, a sentença recorrida, estriba-se no facto de o peão/sinistrado ter atravessado de forma abrupta e com uma taxa de álcool no sangue de 0,50 g/l para afastar a negligência do arguido.

    17. Ora, este raciocínio não nos parece correto e acertado, uma vez, o peão, quando foi "colhido" pela viatura conduzida pelo arguido já havia iniciado a travessia da passadeira há 10,90 metros atrás, sendo que já se encontrava na segunda marca da referida passadeira depois do separador central, peta que é de todo irrelevante se o peão ia em passo apressado ou se iniciou a travessia de forma abrupta ou não, porque isso não afasta o comportamento imprudente e descuidado do arguido.

    18. O mesmo se diga em relação à circunstância apurada na autópsia de que o sinistrado ia com uma taxa de 0,50 g/l de álcool no sangue.

    19. O resultado morte do peão não seria diferente pelo facto de ele ir sóbrio ou ir em passo lento.

    20. O resultado morte é consequência directa e necessária da condução descuidada e imprudente do arguido.

    21. Além disso, existe a contra-ordenação estradal, que reflecte isso mesmo, a falta de cuidado e o comportamento negligente que o arguido imprimia à viatura por si conduzida, sendo que, quanto a esta matéria, a sentença é completamente omissa.

    22. Assim, afigura-se-nos que os factos em causa, que consubstanciam o elemento subjectivo do tipo legal de crime de que o arguido vinha acusado - homicídio negligente - não poderão deixar de se considerar como provados, pelo que deve a sentença recorrida ser substituída por outra que dê como provados os factos constantes das alíneas a), b), c) e d) da matéria de facto dada como não provada.

    23. Por outro lado, de acordo com o teor da sentença recorrida, o arguido foi absolvido da prática deste crime porquanto não foi dada como provada a verificação dos elementos subjectivos do tipo legal em causa.

    24. Ou seja, entende a Meritíssima Juiz "a quo" que resulta claro, da factualidade provada, a verificação dos elementos objectivos do crime, mas não os elementos subjectivos.

    25. Não podemos discordar mais de tal posição, sendo certo que, se bem vemos, a Meritíssima Juiz "a quo" se contradiz na sentença recorrida.

    26. Tal como se afirma na sentença recorrida, de acordo com o disposto no...

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