Acórdão nº 117/16.0GAVZL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução16 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo comum singular 117/16.0GAVZL da Comarca de Viseu, Juizo de Competência Genérica de Oliveira de Frades, após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: 1 – Julgo procedente, por provada, a acusação deduzida pelo MP, contra o arguido AA, pelo que o condeno, como autor material, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.ºs 153º, e 155º, nº1º, alínea a) do Código Penal na pena de 150 dias de multa, à razão diária de 8.50 € (oito euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia global de 1.275.00€, pela prática de um crime de ameaça agravada. 2- Vai ainda o arguido condenado no pagamento ao demandante da quantia de 1.000.00€ (mil euros) e título de pedido de indemnização civil; 3- Custas Criminais que se fixam 2 Ucs nos termos do nº5º do art.º 8º do Regulamento das Custas Processuais. 4-Sem custas cíveis nos termos do art.º 4º, nº1º, alínea n) do Regulamento das custas processuais. Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido AA, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões: 1ª- A sentença proferida pelo Tribunal a quo é, atento o disposto na al. a) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, nula, por violadora do vertido no n.º 2 do artigo 374º do mesmo diploma legal, 2ª- Na medida em que, o Tribunal a quo ao declarar, sem qualquer fundamentação, ainda que sintética, no elenco da matéria de facto não provada, que a mesma “Inexiste com relevo para a decisão da causa,” 3ª- Incumpriu o dever de enumerar, como provados ou não provados, os factos resultantes da discussão da causa, relevantes para a estratégia da defesa e para a boa decisão da causa, como lhe ordena o normativo do nº 2 do artº 374º do C.P.Penal, 4ª- Desprimorando, por completo, a transparência e a clarividência que a Lei exige. 5ª- Para além disso, resulta ainda do texto da sentença do Tribunal a quo que não se mostra feita a indicação completa das provas, nem de forma absoluta, se mostra efectuado o exame crítico das mesmas que formaram a convicção do tribunal, 6ª- Tanto mais que, como supra melhor se demonstrou, e para além do mais, o Tribunal a quo dá como provados, nomeadamente no que aos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada respeita, factos que não foram sequer alegados, pois que nem constam do pedido de indemnização cível apresentado nem de qualquer outra peça, 7ª- Sem que indique, como deveria, se os mesmos resultaram da discussão da causa ou as concretas provas que permitiram e que levaram o Tribunal a quo a considerá-los como tal. 8ª- Acresce ainda que, e na parte do enquadramento jurídico-penal, o Tribunal a quo acaba por, de forma absolutamente incompreensível, fazer subsumir às características essenciais do tipo legal de crime, factualidade completamente distinta daquela que resulta dos autos, sobretudo daquela que considerou como provada, 9ª- Pois que pode ler-se na sentença recorrida, nomeadamente, que, “no caso ao ameaçar que dava um tiro o mal é de natureza pessoal” ou que, “nos autos, verifica-se que a ameaça era de facto um mal futuro, ao dizer que um dia o matava”, 10ª- Sem que tais expressões – “que dava um tiro” ou “que um dia o matava” – resultem, como se demonstrou, por qualquer forma dos autos, tanto mais que nem constam sequer da matéria de facto provada. 11ª- Ora, dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, no que aos requisitos da sentença respeita, que “ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, 12ª- Norma essa que, nada mais é que o reflexo da exigência do dever de fundamentação consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 13ª- Que se reporta quer à fundamentação da matéria de facto (provada e não provada), quer à fundamentação da matéria de direito, por forma a, nas palavras de Germano Marques da Silva, “lograr obter uma maior confiança do cidadão na Justiça, no autocontrolo das autoridades judiciárias e no direito de defesa a exercer através dos recursos”, 14ª- Que se concretiza, nas suas palavras, “através de uma fundamentação reforçada, que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a actividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa - artigo 32º, n.º1, da Constituição da República. Assim, de acordo com o artigo 374º, a sentença, para além dos requisitos formais ali expressamente previstos, deve incluir a fundamentação, que consiste claramente na enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e os não provados, devendo assim sem qualquer dúvida enumerá-los com toda a transparência e visibilidade, mas também que explicite expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, impondo, ainda, obviamente, o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos mesmos ao direito aplicável, sendo que em caso de condenação está o tribunal obrigado, como não podia deixar de ser, à determinação motivada da pena ou sanção a cominar, posto o que deve proceder à indicação expressa da decisão final, com indicação das normas que lhe subjazem.” 15ª- A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, traduz-se, no fundo e em concreto, na tomada de posição do Tribunal sobre todos os factos submetidos à sua apreciação, um a um, 16ª- Constituídos por concretos factos alegados e contidos na acusação, na contestação, no pedido cível e naqueles que, não constando de tais peças, resultem da discussão da causa e tenham interesse para a decisão, 17ª- Por forma a que se possa efectivamente determinar quais os factos que foram, em concreto, tidos em conta e valorados pelo Tribunal, quer na positiva, quer na negativa, com o indispensável cuidado e ponderação – vide, neste sentido, A. A. Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª ed., pg. 954. 18ª- Não sendo, por isso, suficiente, nem tal basta para assegurar as garantias de defesa do arguido, uma declaração genérica dos factos provados e não provados, como sucedeu no caso dos autos, 19ª- Razão pela qual, a sentença de que ora se recorre padece do vício previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, 20ª- Sendo, por isso, impreterivelmente, nula. 21ª- Pelo que, e ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 379º do Código de Processo Penal, deve ser determinada a prolação de nova decisão. 22ª- Ou, caso assim não se entenda, deve tal decisão ser substituída por outra que absolva o recorrente, 23ª- Tanto mais que, entende o recorrente, o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, ao dar como provados os pontos 1 a 7 da matéria de facto considerada como provada, 24ª- Designadamente e para além do mais que “a assistente AS trabalhou para o ora arguido há cerca de dois anos”, que o arguido, ora recorrente, “… proferiu ameaças de morte dirigidas à AS” e que, “com efeito, o arguido, após uma troca de palavras disse à AS“… eu mato-a, … não sabe com quem se está a meter…”; o que repetiu várias vezes.” 25ª- O Tribunal a quo alicerçou a motivação da condenação quase em exclusivo, nas declarações da assistente, 26ª- Desvalorizando, por completo, as declarações prestadas pelo recorrente e bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas presenciais T1 e T2, indicadas pela própria assistente e acusação, que as sustentam, 27ª- O que bastou para o Tribunal a quo concluir o que concluiu nos pontos 4 a 7 da matéria de facto dada como provada. 28ª- Sucede que, da prova produzida, entende o recorrente, que não resultou provado que, pese embora a discussão ocorrida entre arguido e assistente no dia em apreço nos autos, o mesmo tenha proferido e dirigido àquela uma qualquer expressão ameaçadora. 29ª- Pelo que, os factos extraídos pelo Tribunal a quo, que, diga-se, tão pouco derivam da factualidade discutida nos autos, e que levaram à condenação do recorrente, revelam-se, para além do mais, genéricos e conclusivos. 30ª- Tanto mais que, da prova produzida resulta, desde logo, que a assistente trabalhou para a sociedade comercial ---., sua entidade empregadora, de Outubro de 2016 a Agosto de 2016, 31ª- Pelo que, não poderia, sem mais, o Tribunal a quo ter considerado como provado no ponto 1 da matéria de facto provada, que “A queixosa e Assistente AS trabalhou para o ora arguido há cerca de dois anos, exercendo a função de engenheira civil na firma “---.”, impondo nessa parte, decisão diversa da recorrida, a análise conjugada do contrato de trabalho da assistente constante a fls. 160 dos autos e da carta de despedimento que a mesma juntou em sede audiência de discussão e julgamento, 32ª- Entende também o recorrente que, contrariamente ao que o Tribunal a quo pretendeu fazer crer que, da prova produzida resulta, sem margem para dúvidas que, que não obstante o recorrente ter negado os factos de que vinha acusado, o mesmo não apresenta uma...

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