Acórdão nº 44/18.6GASEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução12 de Setembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*I – Relatório.

1.1. No âmbito dos autos supra epigrafados, o arguido A, entretanto já mais identificado, foi presente em juízo para julgamento, sob a aludida forma de processo sumário, porquanto alegadamente incurso na prática de factos susceptíveis de o instituírem enquanto autor material, na forma consumada, e em concurso real de infracções, de um crime de desobediência, p.p. através das disposições conjugadas dos art.ºs 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal Diploma de que serão doravante os precitos a citar, quando sem menção expressa da origem.

, e 152.º, n.º 3, do Código da Estrada, bem como de dois crimes de injúria agravada, estes p.p.p. disposições conjugadas dos art.ºs 181.º e 184.º, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) [fls. 38/9].

Na subsequente tramitação processual, na sessão de julgamento realizada no dia 2018.02.15, foi pelo Ministério Público apresentado um requerimento, cujo teor é como segue [Resulta da prova produzida em audiência de julgamento a prática pelo arguido de um outro crime de desobediência, por ter conduzido o seu veículo automóvel antes de decorridas 12 horas sobre a advertência para o não fazer, impondo-se investigar a prática de tais factos.- Nestes termos, promovo que se extraia certidão do auto de notícia e do expediente que o acompanha, da presente ata e das declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas militares da GNR., a entregar através de suporte digital a fim de ser instaurado o competente procedimento criminal.-], e sobre o qual recaiu despacho judicial, que igualmente se transcreve [No que concerne à extração da certidão nos termos promovidos tomaremos oportunamente posição.-] [fls. 46 v.º/47].

Prosseguindo os autos seus termos, na sessão seguinte, realizada a 2018.02.16, ponderando a questão assim suscitada, o Mmo. Juiz que presidia à mesma, despachou com o teor que idênticamente reproduzimos [Da prova produzida e/ou examinada em audiência de julgamento, designadamente das declarações do próprio arguido e das testemunhas militares da Guarda Nacional Republicana, a saber, …, pondera o Tribunal considerar provados, além de outros, os seguintes factos: a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no auto de notícia, para o qual remete a acusação foi o arguido devidamente notificado pelos militares da GNR de que estava impedido de conduzir durante as 12 horas seguintes, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada, do que ficou ciente; b) Não obstante, o arguido não se absteve de conduzir o aludido veículo na via pública naquele período, ciente de que desrespeitava uma ordem que lhe foi pessoal e regularmente transmitida e que sabia ser legítima e provinda de autoridade com competência para a emitir.

  1. Em todas as circunstâncias o arguido agiu de modo voluntário e consciente bem sabendo que as relatadas actuações o faziam incorrer em responsabilidade criminal.

A prova dos referidos factos constitui no nosso entendimento uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, sendo que deles decorrerá também uma alteração da qualificação jurídica, na medida em que será também imputada ao arguido a prática de um crime de desobediência p.p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal.- Pelo exposto notifique o arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 359.º, n.º 3 e n.º 4 do Código Processo Penal.-], sucedendo que ante tal despacho o arguido declarou não prescindir do prazo para organizar a defesa, o que lhe foi efectivamente facultado [fls. 48/49].

Concluído finalmente o contraditório, veio a ser proferida sentença que, para além do mais por ora irrelevante, determinou a condenação do visado arguido pelo prática dos ilícitos seguintes: . De um crime de desobediência p. p.p. art.º 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1, al. c), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante de € 960,00 (novecentos e sessenta euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 15 (quinze) meses.

. De um crime desobediência qualificada p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, al. a) e 2 (com referência ao art.º 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada), na pena de 220 (duzentos e vinte dias) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante total de € 1.760,00 (mil setecentos e sessenta euros); . De dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.ºs 181.º e 184.º, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária € 8,00 (oito euros) euros, o que perfaz o montante de € 960,00 (novecentos e sessenta euros) por cada um dos crimes; . Em cúmulo jurídico imediatamente realizado sobre tais penas parcelares, viu-se o arguido condenado na pena única de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros), ou seja, na pena de € de 2.720,00 (dois mil setecentos e vinte euros), e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 15 (quinze) meses.

1.2. Porque discordando do veredicto emitido, interpôs recurso o arguido, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões (transcrição parcial): « (...) 3. Para a condenação pelo primeiro dos crimes, (...) julgou o Tribunal a quo considerar provados os pontos 3, 4, 5, 6, 7, 5 (sic), 10 e 11, como constam da fundamentação (II.A. FACTOS PROVADOS).

  1. A prova produzida em audiência de discussão e julgamento, à luz das regras da sua apreciação, impunha que tais pontos da matéria de facto antes se tivessem dado como não provados.

  2. Em especial no que concerne às declarações do arguido, onde de início não deixou de destacar “É a palavra dos senhores Agentes contra a minha palavra (…) eu estou aqui só a dizer o que se passou na realidade. Mais do que isso não posso fazer”, repetindo-o a instâncias do seu defensor “É a minha palavra contra a de dois agentes”.

  3. Revelador da sua personalidade e do comprometimento com a verdade material dos factos.

  4. O arguido de forma firme referiu que manteve sempre “uma condução normal para uma pessoa que não tinha ingerido bebidas alcoólicas ou consumido estupefaciente”, ao contrário da imagem feita passar no auto de notícia.

  5. Não correspondendo à realidade que tivesse obstado à sua identificação ou dos dados do veículo que conduzira.

  6. Na verdade, após tal ter decorrido sem qualquer aspecto ou facto anormal, o Agente …, dirigiu-se ao arguido, como este frisou ao Tribunal, com a seguinte expressão: “Salta mas é lá daí, vem mas é soprar ao balão e vais ver como isto vai contar”.

  7. Tal incutiu no arguido um sentimento de forte atropelo aos seus direitos, enquanto pessoa e administrado.

  8. Tal como narrado perante o Meritíssimo Juiz: “Senti a minha honra ofendida”; “Senti-me com receio”; “Abordagem delegante e agressiva”.

  9. Após a ordem de detenção e encaminhamento para o Posto da Guarda, o arguido aí se disponibilizou a efectuar o teste de alcoolemia, pedindo como garantia dos seus direitos que fosse levada a efeito a despistagem, posterior, por análise sanguínea.

  10. No entanto, como o arguido bem expressou os agentes retorquiram “(…) isso era o que mais faltava”.

  11. Já os depoimentos dos militares da GNR revelam-se parciais, dirigidos unicamente com o propósito de “salvação” do respectivo auto de notícia, por si elaborado, sem correspondência com a verdade dos factos e como falsa cobertura da excessiva e injustificada, quiçá adrenalina e descontrole evidenciados.

  12. Antes se impunha que o douto Tribunal, ponderando toda a factualidade à luz das regras da lógica e da experiência comum, concluísse perentoriamente que ordem de paragem, e actos posteriores, tomados pelos agentes infringiram o princípio da legalidade, o princípio da proibição do excesso, o princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o princípio da boa-fé, o princípio da oportunidade na actuação policial.

  13. Dando-se assim necessariamente provado que com a expressão proferida ao arguido, rectius “Salta mas é lá daí, vem mas é soprar ao balão e vais ver como isto vai contar”, pelo agente participante, causou no arguido uma ofensa da sua honra, bem como hesitação e absoluta desconfiança quanto ao eventual resultado do teste.

  14. Mais se devendo julgar provado que o arguido requereu a realização do teste de despistagem de álcool no sangue, através do método do ar expirado, com a garantia de contra-análise ao sangue, sendo tal intenção recusada pelos militares.

  15. Daí a segurança que imprimiu no arguido, o facto de só com um controlo sanguíneo de despistagem, feito em estabelecimento hospitalar, garantir a sua posição em face da concreta actuação dos militares.

  16. A conduta do arguido – de recusa de despistagem de álcool no sangue, através do método do ar expirado – assumiu-se como a única forma de zelar pela sua situação e interesses jurídicos.

  17. Agiu no caso concreto, em legítima defesa.

  18. Em consonância com o plasmado nas normas dos arts. 31.º, n.º 1, n.º 2, alínea a) e 32.º do C.P.

  19. Assim se devendo excluir a ilicitude de tal facto, e com isso absolver-se o arguido da pena principal que o condenou, bem como da pena acessória de quinze meses de proibição de condução de veículos motorizados.

  20. Sob pena de violação do princípio da culpa.

  21. De todo o modo, mesmo se assim se não entender, sempre observe a condenação por tal crime o disposto no art.º 72.º, do C.P. Designadamente, atento tudo quanto se disse, opere aplicação a alínea b), do n.º 2 do referido artigo, “Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida”.

  22. É que, mesmo a considerar provada a factualidade impugnada, sempre a determinação da medida concreta da pena excede os cânones previstos nos arts. 40.º e 71.º do C.P.

  23. Em especial...

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