Acórdão nº 28/16.9PTCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | ORLANDO GONÇALVES |
Data da Resolução | 12 de Setembro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Z, Juízo Local Criminal de Y - Juiz 1, sob acusação do Magistrado do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção de Tribunal singular, o arguido A…, imputando-se-lhe a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, e de uma contraordenação, p. e p. pelos artigos 13.º, n.ºs 1 e 5, 145.º, alínea a) e 147.º, todos do Código da Estrada.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 15 de fevereiro de 2018, decidiu: a) Absolver o arguido da prática, como autor material, de uma contraordenação, p. e sancionada pelos artigos 13.º, n.ºs 1 e 4, 145.º, alínea a) e 147.º, todos do Código da Estrada. b) Condenar o arguido, A, pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
-
Condenar o arguido, A, pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão; d) Em cúmulo jurídico das penas determinadas em b. e c., condenar o arguido na pena única de 14 meses de prisão; e) Suspender a pena de 14 meses de prisão pelo período de um ano.
-
Condenar o arguido nas penas acessórias parcelares de proibição de conduzir veículos com motor de 10 meses cada (cf. artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal).
-
Em cúmulo jurídico, aplicar uma pena acessória única de 12 meses de proibição de conduzir veículos com motor (cf. artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal).
Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. O tribunal a quo, não obstante a constatação de que o arguido possa ter desmaiado e involuntária e inconscientemente tenha invadido a faixa de rodagem contrária àquela em que seguia, acaba por não investigar e apreciar criticamente tais contingências da vida, como se lhe impunha, admitindo essa possibilidade.
-
Tanto mais que o arguido nega que conduzisse em estado de sonolência e, consequentemente se tenha deixado dormir, referindo ao invés, que não sabe o que se passou, que terá desmaiado, sofrido um apagão, que apenas se recorda de se encontrar no hospital onde lhe é referido que tinha sido vítima de um acidente.
-
Esta explicação que não foi apreciada, sento até a mais verosímil de poder ter acontecido, não foi contraposta à do “micro-sono ou de menos vigilância”, porque a ter acontecido o arguido teria acordado ou despertado, dado que não sofreu quaisquer lesões ou traumas na cabeça, extraindo-se assim, as necessárias ilações.
-
Não há uma única prova produzida em audiência de julgamento que permita concluir ou que se revele, intrinsecamente, mais segura por forma a concluir que a causa da invasão foi provocada pelo “micro sono ou de menos vigilância”, é que uma síncope também ocorre quando não há um aporte adequado de sangue para o cérebro, provocando o desmaio.
-
Na verdade, só depois de o discutir e averiguar, é que o tribunal recorrido estaria em condições de poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.
-
Haveria que averiguar se a invasão da faixa de rodagem contrária por banda do arguido ocorreu em consequência de um evento súbito, imprevisível, imediato, inevitável e estranho à vontade do arguido, i.é, de um colapso, de uma quebra de tensão, de um desmaio, que determinou a mudança de trajectória e que chegasse inconsciente ao hospital.
-
A falência de manancial probatório, nos termos que se deixaram alegados, a verificação de um non liquet, de um facto pouco claro que suscite dúvidas deverá, o mesmo, ser valorado probatoriamente da favor do arguido.
-
Devendo o ponto 15. da matéria de facto ser alterado no sentido aqui defendido, dando tal matéria como não provado, tendo necessariamente como consequência a absolvição do arguido.
-
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, também ocorre quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.
-
Foi violada a al. a) do nº 2 do art.º 410.º do CPPenal).
Deve o presente recurso ser considerado procedente, nos termos expressos nas conclusões, devendo ser revogado a sentença recorrida e substituída por douto acórdão que determine absolvição do arguido.
O Ministério Público no Juízo Local Criminal de … respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da douta sentença recorrida.
A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder.
Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1. No dia 10 de Junho de 2016, cerca das 18:52 horas, o arguido A conduzia o veículo ligeiro de mercadorias da marca …, com a matrícula …, próximo do quilómetro KK da Estrada Nacional …, no sentido Norte/Sul, zona onde a estrada tem uma configuração rectilínea, proveniente de … e com destino a …, a velocidade concretamente não apurada.
-
No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, circulava no sentido de trânsito Sul/Norte e na sua mão de trânsito, B que conduzia o veículo ligeiro de passageiros da marca …, modelo …, de sua propriedade, com a matrícula …, transportando como acompanhante a esposa C.
-
Quando chegava ao quilómetro KK da EN …, em …, o arguido A iniciou um desvio continuado para o lado esquerdo, saindo da hemifaixa de rodagem em que circulava e transpondo a marca M2 (linha descontínua) e passando a circular na hemifaixa de rodagem contrária.
-
Ao quilómetro KK o arguido circulava na hemifaixa de rodagem contrária local onde embateu com a parte frontal central do seu veículo na parte frontal esquerda do veículo ligeiro de passageiros conduzido por B que circulava na sua mão de trânsito.
-
B não efectuou qualquer travagem, não logrando evitar ser embatido na hemifaixa de rodagem em que circulava por ter sido surpreendido com a presença do veículo conduzido pelo arguido.
-
Como consequência directa de tal colisão, o veículo conduzido pelo arguido ficou imobilizado na perpendicular da hemifaixa de rodagem direita, sentido Norte/Sul, ficando a ocupar toda a referida faixa de rodagem com a retaguarda junto da marca M2 e a frente sobre a guia.
-
E o veículo conduzido por B ficou imobilizado na perpendicular da hemifaixa em que circulava (sentido Sul/Norte), ficando com o pára-choques da retaguarda sobre o rail e a frente ocupando parcialmente a sua via de trânsito.
-
Em consequência do referido embate e atenta a gravidade dos ferimentos B veio a falecer, nesse mesmo dia, no Hospital ….
-
B sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia junto a fls. 155 e 156 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente lesões traumáticas cranianas, torácico abdominais e cardiovasculares, as quais foram causa directa e necessária da sua morte.
-
C sofreu as lesões descritas junto a fls. 198 a 209, 210 e 211 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente politraumatismo com trauma craniano, torácico, abdómen e membro superior esquerdo, tendo recebido assistência no Hospital … onde ficou internada, tendo sido transferida para o Centro Hospitalar do … no dia 11 de Junho de 2016 onde ficou internada até ao dia 22 de Julho de 2016.
-
Efectuado ao arguido A exame toxicológico de quantificação de álcool no sangue o mesmo deu resultado negativo, tendo sido detectada uma presença de medicamentos em doses consideradas terapêuticas, bem assim THC-COOH, canabinóides o qual embora presente no sangue não deve ser associado a alterações da aptidão física ou psíquica que perturbem a capacidade para a condução e ao falecido B o resultado dos exames de quantificação de álcool no sangue foi negativa.
-
O tempo apresentava-se limpo e seco.
-
No local de embate a estrada é composta por uma recta com boa visibilidade com dois sentidos de trânsito e linha descontínua separadora dos sentidos de trânsito, com pavimento betuminoso em bom estado de conservação.
-
A distância entre a saída da curva, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido, e o local do embate é uma recta com 480 metros.
-
Ao actuar da forma descrita o arguido A procedeu de forma livre, conduzindo o veículo de forma desatenta e descuidada e não logrando controlar o veículo que conduzia, deixando que o mesmo transpusesse a linha longitudinal descontínua e invadisse a faixa de rodagem contrária e embatesse no veículo conduzido por B, agindo sem o cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, que era capaz de adoptar e que devia ter adoptado para evitar um resultado que podia e devia prever mas que não previu, dando, assim, causa àquelas lesões para as vítimas, que foram causa adequada das ofensas no corpo e da sua morte.
-
Agiu, ainda, o arguido, com desrespeito pelas leis estradais.
-
Sabia o arguido que tais condutas que se tornaram condição do acidente, lhe eram proibidas e punidas pela lei penal.
Mais se provou, com relevância para os presentes, que: 18. O arguido: - Trabalha como agricultor numa propriedade que era dos seus pais, auferindo mensalmente cerca de € 500,00 (quinhentos euros) a € 600,00 (seiscentos euros).
- Paga mensalmente a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros) a título de renda da casa...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO