Acórdão nº 12/08.6TAMLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução28 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

M, e M arguidos nos autos, recorrem da sentença na qual o tribunal recorrido decidiu: - Condenar os arguidos, pela prática, em co-autoria material, de um crime de desobediência qualificado previsto e punido pelos artigos 348.º n.º 1 e 2 do Código Penal por referência ao 391.º do Código de Processo Civil, numa pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa e 100 (cem) dias de multa, respectivamente, à taxa diária de € 10,00 (dez euros).

- Absolver os arguidos do pedido de indemnização cível formulado pelos ofendidos J e M.

Na motivação são formuladas as seguintes CONCLUSÕES: I - Nulidade do julgamento 1- O registo dos depoimentos prestados na audiência de julgamento foi realizado de uma forma deficiente, não permitindo perceber tudo quanto as testemunhas dizem, nem as perguntas que lhes são formuladas.

2- De acordo com o artigo 363º do Código de Processo Penal as declarações prestadas oralmente na audiência de discussão são sempre documentadas sob pena de nulidade.

3- Deste modo, deve ser declarada a nulidade do julgamento, bem como de todos os actos que se seguiram.

4- Para o caso de ser julgado improcedente este pedido, mas sem conceder, impugna-se a decisão proferida.

II - Decisão sobre a matéria de facto 5- A pequena parte dos depoimentos que se consegue perceber dos registos gravados são suficientes para determinar uma alteração da decisão sobre a matéria de facto.

6- Nomeadamente, deve ser alterado o ponto 4 dos factos apurados, retirando-se da matéria dada como provada a expressão “construindo um novo cercado e cobertura”.

7- O ponto 5, primeira parte, deve ser alterado por forma a consignar-se, apenas que os Recorrentes, “ao procederem desta forma (os Arguidos) sabiam que uma parte da parcela de terreno que deram de arrendamento era uma parte integrante do prédio reivindicado”.

8- Quanto ao ponto 5, segunda parte, porque não resulta da decisão proferida na providência cautelar qualquer determinação concreta em relação ao cercado, deve dar-se como provado, apenas, que os Recorrentes “estavam proibidos de entrar e permanecer, por si ou por intermédio de terceiras pessoas, nos referidos terrenos, com excepção do cercado”.

9- Assim, relativamente ao ponto 6 deve dar-se como provado que os Recorrentes sabiam que estavam proibidos de entrar e permanecer no terreno, com excepção do cercado, isto como corolário e pelas mesmas razões aduzidas relativamente ao ponto anterior.

10- Relativamente ao ponto 7 da decisão de facto, porque a ocupação do cercado se manteve inalterada depois da decisão da providência cautelar, sem que os Ofendidos a tivessem questionado, deve dar-se como não provado que os Recorrentes, ao darem de arrendamento em 2007, agiram conscientes de que estavam a violar a ordem judicial proferida na providência cautelar.

11- Também não são as reparações realizadas no cercado pelo arrendatário que alteraram a forma e a dimensão da ocupação do terreno reivindicado pelos Ofendidos.

12- Não constituindo lesão grave ou de difícil reparação aos direitos reclamados pelos Ofendidos.

III — Do Direito - existência do crime 13- Ao darem de arrendamento o cercado em 2007, depois de este continuar ocupado por mais três anos após a decisão da providência, os Recorrentes agiram na convicção de que não desobedeciam a esta ordem, portanto sem consciência da sua ilicitude da sua conduta.

14- Os Recorrentes não representaram o facto constitutivo do crime de desobediência, nem actuaram com a intenção de realizar, logo não há dolo — artigo 14º do Código Penal.

15- Não existindo dolo não existe crime — artigo 13º do Código Penal.

16- Por outro lado sempre temos de admitir em relação aos Recorrentes o erro sobre a ilicitude da sua conduta, uma vez que o erro cometido na interpretação da decisão judicial, (entendida esta como proibição de permanecer a ocupar o cercado) é perfeitamente desculpável, atento o facto de terem permanecido a ocupá-lo, sem qualquer oposição por parte dos interessados, por cerca de 3 anos e pelas demais circunstâncias já antes referidas.

17- Deste modo deve ser revogada a douta sentença recorrida, absolvendo-se os Recorrentes do crime de que vêm acusados.

Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, sustentado, em resumo, que as deficiências da gravação não impossibilitam a audição dos depoimentos e que a decisão da matéria de facto assenta no critério da livre apreciação da prova, motivada. Conclui no sentido da total improcedência do recurso.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Corridos os vistos e realizado o julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no despacho liminar, cumpre decidir II.

  1. Sintetizando as questões sumariadas nas conclusões, que definem o objecto do recurso, temos as seguintes questões para apreciar: - nulidade do julgamento por deficiência da gravação; - modificação da decisão de facto com base na valoração da prova produzida; - falta de consciência da ilicitude; - erro sobre a ilicitude da conduta.

    Ainda que a questão da nulidade do julgamento pudesse ser apreciada como questão prévia, vejamos primeiro a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto, com a motivação que a suporta, que permitem contextualizar melhor a questão.

    * 2. O tribunal recorrido procedeu à apreciação da prova e decidiu a matéria de facto da seguinte forma: A) Factos provados.

    J e M intentaram no Tribunal Judicial da Mealhada uma acção declarativa condenatória de reivindicação da propriedade que corre termos sob o n.º …/03.0TBMLD, contra M. e M, onde pretendem ver reconhecido o seu direito de propriedade do prédio sito na Quinta …, freguesia da …, a confrontar a norte, sul, nascente e poente com ML e de poente com a Estrada Nacional n.º 1, inscrita na matriz predial sob o art.4… e com uma área de 4960 m2.

    Por apenso à referida acção, cuja sentença aí proferida ainda não se encontra transitada em julgado, os autores intentaram um procedimento cautelar a que coube o n.º …/03.0TMLD-A no qual veio a ser proferida a seguinte decisão: “1. Que os requeridos deixem o prédio dos requerentes, nomeadamente a parcela A, definida no documento junto sob o n.º 5 com a petição inicial, desde o ponto B até ao posto de abastecimento de combustível e desde o ponto C até ao mesmo ponto de abastecimento de combustível, delimitando essa área a sul pelo posto de combustível e a norte pela referida linha BC; 2. Que os requeridos não entram ou permaneçam, até que seja proferida decisão nos autos principais, no prédio dos requerentes descrito como «prédio a mato, sito na Quinta da…., com a área de 4.960 m2, freguesia da Pampilhosa, desta comarca, a confrontar de norte, sul, nascente e poente com ML e do poente com estrada nacional n.º 1” inscrita na matriz rústica da referida freguesia da… sob o artigo n.º 4..; 3. Que os requeridos não procedam a corte de quaisquer árvores ou ao levantamento do que resta das já cortadas; 4. Caso os requeridos violem ou impeçam o cumprimento do referido supra, incorrem na pena de um crime de desobediência qualificada, nos termos do art.391.º do Cod. Processo Civil. Determino a notificação pessoal dos mesmos neste termos.” (cit.) Os arguidos foram notificados por carta registada, com aviso de recepção, da decisão proferida nos autos de providência cautelar que transitou em julgado em 25 de Outubro de 2004 e cujo dispositivo foi supra transcrito.

    No entanto os arguidos em data não concretamente apurada, mas no Verão de 2007, deram de arrendamento a parte mais a sul do terreno supra descrito a um indivíduo que nele instalou um stand de venda de automóveis usados, pintando, remendando o chão, construindo um novo cercado e cobertura.

    Ao procederem desta forma os arguidos sabiam que a parcela de terreno que deram de arrendamento era uma parte integrante do prédio reivindicado mais a sul por J e a sua esposa M, fazendo parte da descrição da decisão antecipatório proferida na providência cautelar de restituição provisória da posse; que a acção principal ainda não se encontrava finda e que estavam proibidos de entrar e permanecer, por si ou por intermédio de terceiras pessoas, nos referidos terreno por decisão judicial transitada em julgado.

    Sabiam ainda que a ordem de abstenção de entrada e permanência no terreno com a configuração referida em 2) era legitima e provinha de entidade legalmente competente para a emitir.

    Ao não fazê-lo incumpriram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente a obrigação de abstenção de entrada e permanência naquele prédio, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    (mais se provou ainda que:) Os arguidos são casados entre si e vivem numa vivenda.

    Têm uma filha com 44 anos de idade que vai assumir em breve a administração da firma “C…Lda.”.

    O capital social daquela firma encontra-se distribuído por uma quota de 60%, que é titulada pelo arguido, e outra de 40% dividida pela arguida e sua filha em partes iguais.

    O arguido é ainda sócio gerente da firma “M. …Construtora …, Lda.” O arguido deixou de trabalhar activamente na empresa há cerca de 2 anos e a sua esposa nunca exerceu qualquer ocupação laboral.

    Usufruem de dois jipes, um automóvel da marca BMW e uma carrinha de 7 lugares mas que se encontram inscritos em favor da firma referida em 10).

    São proprietários do terreno onde se encontra implantada a firma referida em 10).

    O arguido trabalha por conta própria desde 1963 e tirou a 3.º classe numa turma para adultos e a 4.º já na tropa.

    Não têm antecedentes criminais conhecidos nos autos.

    A firma arrendatária da parcela de terreno referida em 4) é a “V.., Lda.” (Da contestação:) Existia na parcela de terreno mais a sul à data do decretamento da providência cautelar umas instalações pavimentadas e devidamente cercadas onde funcionara um depósito e abastecimento de gás.

    (do pedido de indemnização civil:) Os participantes não puderam entrar ou permanecer em todo o terreno cuja restituição provisória da posse havia sido decretada por este Tribunal Judicial em...

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