Acórdão nº 277/05.05TASCD.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução03 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

F, foi submetido a julgamento porquanto indiciariamente incurso, segundo acusação deduzida pelo Ministério Público, na prática de factos consubstanciadores da autoria material, sob a forma consumada, de um crime de coacção, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, alínea a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal.

H, tal como ele já mais identificado nos autos, deduziu pedido cível tendente a obter a condenação do arguido a solver-lhe a quantia de € 2.630,00, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sobrevindos em virtude de tal conduta delitiva.

1.2. Na subsequente e normal tramitação processual, no decurso de uma das sessões da audiência de julgamento, concretamente a 3 de Novembro de 2009 (ut fls. 587/588), solicitou entretanto o arguido que se procedesse à leitura das declarações prestadas em anterior audiência pelo ofendido (o processo fora, efectivamente, reenviado para novo julgamento).

Desiderato não logrado pois que viu denegada tal pretensão conforme despacho exarado em acta, a 11 de Novembro de 2009 (fls. 592/595).

Irresignado, expressou o arguido, sem mais, a menção de pretender impugnar o assim decidido (fls. 597).

1.3. Prosseguindo os autos seus regulares termos, foi proferida sentença por cujo intermédio, e ao ora relevante, se decidiu, no dia 17 de Novembro do dito mês e ano: - Condenar o arguido pela prática do ilícito mencionado, na pena (por aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus) de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, contudo suspensa na sua execução por igual período.

- Mais o condenar a solver ressarcitóriamente ao demandante a quantia global de € 2.000,00.

1.4. Com data de 15 de Dezembro de 2009, simultâneamente com a apresentação da motivação respeitante ao recurso que interpusera em acta (supra 1.2.), ofertou o mandatário do arguido o requerimento que é fls. 625/626, alegando fundamentos conducentes à verificação de justo impedimento e, logo, da prática tempestiva desse acto (o prazo normal, desconsiderado daquele outro facultado pelo regime instituído no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º, do Código de Processo Penal, findara a 2 de Dezembro).

Sobre a pretensão recaiu, então, despacho judicial cujo teor (fls. 721/723) se transcreve: “A fls. 645 e ss. veio o I. Mandatário do arguido – Dr. R – invocar justo impedimento para a apresentação das alegações de recurso do despacho proferido em 11.11.09 e cujo prazo terminava a 2.12.09.

Tal requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 15.12.09 (cfr. fls. 625).

Para tanto e, em síntese, invocou ter estado, no dia 2.12.09 num julgamento no T.J. de Nelas na parte da manhã e, quando chegou ao escritório pela hora de almoço, ter sido informado da ida do seu pai, de urgência, para o Hospital São Teotónio, em Viseu, com uma paragem cardio-respiratória. Por tal motivo, foi, de imediato para o Hospital, onde o seu progenitor viria a falecer no dia 3.12.09, tendo o funeral ocorrido no dia 4.12.09. Dado o abalo psicológico sofrido, apenas pôde regressar ao trabalho no dia 14.12.09, motivo pelo qual apenas lhe foi possível apresentar a peça processual em causa no dia 15.12.09.

Notificados os demais intervenientes processuais, apenas o Digno Magistrado do M.P. se pronunciou no sentido de não ser considerado justo impedimento porquanto e pese embora compreenda o circunstancialismo fáctico, certo é que o momento da apresentação das alegações de recurso é demasiado longo para, em relação ao termo do prazo, se poder invocar tal instituto.

* Cumpre apreciar e decidir: Dispõe o art.º 146.º, do CPC (ex vi do art.º 4.º, do CPP) que: “1- Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.

2- A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.” É entendimento unânime na doutrina e jurisprudência que a invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva.

O Tribunal não põe em causa os factos relatados pelo I. Mandatário na parte respeitante à hospitalização do seu progenitor no dia 2, ao decesso no dia 3 (aliás, comprovado documentalmente pela respectiva certidão de óbito) nem ao enterro no dia 4.

Perante tal circunstancialismo, afigura-se-nos que, nesses dias, efectivamente, o I. Mandatário se encontrou impedido de apresentar as alegações de recurso cujo prazo havia terminado no dia 2.12.09.

No entanto, estava obrigado a, assim que cessou tal causa, diligenciar pela prática do acto – por si ou por outro colega (ademais, não se pode deixar de mencionar que pelo I. Mandatário é afirmado ter uma colega de escritório – a quem poderia socorrer-se). E se não descuramos, rectius, bem compreendemos o abalo emocional sentido, certo é que o mesmo, do nosso ponto de vista, não preenche os requisitos de que lei faz depender para integrar o conceito de justo impedimento:

  1. Que o evento seja normalmente imprevisto; b) Que seja estranho à vontade da parte; c) Que seja determinador da impossibilidade do acto ser praticado pela parte ou mandatário.

Na verdade, o sofrimento psicológico decorrente da morte do progenitor não é, com o devido respeito, impeditivo de diligenciar no sentido de o acto ser praticado, nomeadamente pela colega de escritório, motivo pelo qual o Tribunal entende então que o I. Mandatário não actuou com a diligência exigível e, assim, indefere o requerido.

(…).

* Na sequência do despacho vindo de proferir, não admito o recurso apresentado por F despacho proferido em 11.11.09 por não apresentação atempada das alegações de recurso, nos termos do disposto no art.º 411.º, n.º 3, in fine, do CPP.

(…).” 1.5. Desavindo com a consideração desta inadmissibilidade, recorreu o arguido, apresentando, após motivação, as conclusões seguintes: 1.5.1. Devem considerar-se por provados os factos seguintes:

  1. O Pai do defensor do arguido foi internado de urgência no dia 2/12/2009, dia em que este pretendia concluir a motivação de recurso, tendo falecido no dia 3/12/2009 e sido sepultado no dia 4/12/2009.

  2. Em consequência do abalo psicológico de que consequentemente padeceu, o mandatário requerente esteve ausente do trabalho desde o dia 2/12/2009 até ao dia 14/12/2009.

  3. O prazo para apresentação das alegações de recurso terminava no dia 7/12/2009.

  4. No dia 15/12/2009 o mandatário subscritor remeteu ao Tribunal as alegações de recurso que havia concluído nessa madrugada, invocando, para a sua apresentação tardia, justo impedimento.

  5. O internamento, falecimento, enterro e o correspectivo abalo psíquico não decorrem de culpa do mandatário e, bem assim, não lhe é censurável o período em que esteve ausente da sua actividade profissional, atento o contexto invocado.

    1.5.2. Por mera cautela, e para a hipótese de se considerar que o facto referido em B), nomeadamente quanto à ausência do mandatário, e que o facto referido em D), nomeadamente quanto à conclusão da motivação de recurso, se encontram desprovidos do necessário suporte probatório, deve ser ordenada a baixa do processo para a produção da prova testemunhal (que indica), uma vez que o Tribunal a quo optou, sem a anuência prévia do recorrente, por não a produzir.

    1.5.3. Os factos alegados e provados constituem justo impedimento, tempestivamente invocado, pelo que o Tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, violou as disposições dos artigos 146.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 107.º, do Código de Processo Penal.

    Terminou pedindo que na revogação do despacho mencionado, seja proferido um outro admitindo a impugnação apresentada, uma vez que tempestiva.

    1.6. Por outro lado, igualmente inconformado com o teor da sentença final exarada, recorreu também o arguido, apresentando, a propósito, esta síntese de conclusões: 1.6.1. No dia 3/11/2009, data designada para a realização do julgamento, a M.ma Juiz do 1.º Juízo proferiu despacho, o qual não foi notificado ao arguido ou ao seu mandatário, só tendo este tido dele conhecimento após a realização do julgamento, julgando-se incompetente para os ulteriores termos do processo.

    1.6.2. Do respectivo conteúdo consta: “Compulsados os autos, verifico que, na sequência do último Movimento Judicial Ordinário, se mostra removido o impedimento que, nos termos dos artigos 40.º e 426.º A, CPP, impedia o Magistrado então colocado no 2.º Juízo deste Tribunal de proceder ao julgamento no âmbito do presente processo.

    Consequentemente, ao abrigo do disposto no aludido artigo 426.º A, 1.ª parte, CPP, julgando-me incompetente para os ulteriores termos processuais, determino a remessa dos autos à M.ma Juiz do 2.º Juízo deste Tribunal.” 1.6.3. O artigo 426.º A do CPP define a competência para o novo julgamento no caso de reenvio do processo e, não obstante se encontrar mitigado pela intervenção do regime dos impedimentos, o mesmo não deixa de conter a regra relativa à competência do Tribunal reenviado.

    1.6.4. Tal regra, de acordo com a redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, ao caso aplicável ex vi n.º 1, artigo 5.º do CPP, “será a da competência do mesmo Tribunal para o julgamento do processo após o reenvio, com composição diversa.” - vide Ac. da RP, de 26/11/2008, proc. n.º 0845184, in www.dgsi.pt.

    1.6.5. Assim, porque condicionada pela impossibilidade de intervenção do mesmo julgador, o recurso ao regime dos impedimentos na determinação da composição do Tribunal, guia-se, exclusivamente, pelas regrais legais que pré-determinam o modo de proceder à respectiva substituição.

    1.6.6. De acordo com este entendimento, o Juiz impedido remeteu os autos à Magistrada que legalmente o substitui (artigos 426 A n.º 1...

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