Acórdão nº 178/09.8GCAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Outubro de 2010
Magistrado Responsável | PILAR DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 19 de Outubro de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
-
Relatório No âmbito do processo abreviado nº 178/09.8GCAGD da Comarca do Baixo Vouga, Juízo de Instância Criminal de Albergaria-a-Velha, foi imputada ao arguido R..., identificado nos autos, a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida a sentença ora recorrida, em 1.2.2010, condenando o arguido, como autor do citado crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de sessenta e cinco dias de multa à taxa diária de 5,50 €, no montante de 357,50 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e quinze dias.
Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido R...
, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: i) O tipo de crime pelo qual o arguido vem condenado tem como elemento objectivo a condução de viatura automóvel sob efeito de taxa igual ou superior a 1,2gl de álcool no sangue.
ii) A douta sentença recorrida deu como provado que o arguido conduzia viatura automóvel e "2- Fazia-o sob efeito do álcool, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,72 g/l" ..
iii) A prova deste facto assentou única e exclusivamente no relatório de exame químico-toxicológico de fls. 9 a 11 dos autos, aqui não constando autorização do recorrente para sua realização (que não autorizou) ou menção de ter sido explicado ao recorrente o fim da recolha para prova em processo penal ou do seu direito a recusa a tal exame; iv) Ora, a recolha de sangue a cidadão, sem que este tenha expresso o seu consentimento, constitui violação da sua integridade física, pelo que é nula a prova assim obtida nos termos do art. 32°,nº 8 da Constituição da República Portuguesa e 126º, nº 1 do Código de Processo Penal.
-
A recolha de sangue a cidadão, para efeito de valoração do seu resultado em processo criminal contra ele instaurado, sem que lhe seja explicada a faculdade de recusa, ainda que sujeita a sancionamento como crime de desobediência nos termos do art. 152º, nº 3 do Código da Estrada é nula por violar os direitos de defesa do arguido, conforme o previsto no art. 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa; vi) Não resulta do relatório de fls. 9 a 11 que tal explicação tenha sido dada ao recorrente, que não o foi, pelo que é inválido este meio de prova.
vii) Sem conceder, o exame de fls. 9 a 11 foi valorado pela douta sentença ao abrigo da norma do artigo 156°, n° 2 do Código da Estrada.
viii) Sucede que esta norma apenas permite o recurso a exame de sangue para prova da taxa de álcool no sangue se for impossível o exame pelo método de análise ao ar expirado, assim salvaguardando como "última ratio" a violação da integridade física do cidadão para obtenção de tal prova; ix) Do relatório de fls. 9 a 11 não consta que tenha sido impossível a análise da taxa de álcool do sangue pelo método de ar expirado, pelo que é ilegítima e inválida a prova resultante daquele exame, por não ter cobertura legal.
-
Em todo o caso, as normas dos arts. 153°, n° 8 e 156°, nº 2 do Código da Estrada foi introduzida com carácter inovatório pelo Decreto-Lei n° 44/2005, de 23 de Fevereiro, por diploma emanado do Governo, sem prévia autorização legislativa da Assembleia da República, xi) Sendo que a matéria inovatória em questão, por comprimir direitos, liberdades e garantias do cidadão, é da competência relativa deste órgão de soberania, atento o disposto na norma do art. 165º, nº 1, al. c) da Constituição da República Portuguesa; xii) Por isso, o Governo legislou onde não tinha competência para o fazer, sem autorização prévia do órgão de soberania competente, pelo que tais normas dos arts. 153°, n° 8 e 156°, nº 2 do Código da Estrada estão viciadas de inconstitucionalidade orgânica, que expressamente se suscita, com a consequente ilegalidade da prova obtida pelo exame de 11s. 9 a 11 dos autos.
xiii) Deste modo, deve ter-se por ilegal, nulo e inválido o meio de prova resultante do relatório de exame químico-toxicológico de fls. 9 a 11 e, assentando unicamente neste exame a prova do facto julgado como provado sob o número dois do elenco de factos provados, deve o mesmo ser julgado como não provado.
xiv) Na falta de prova daquele facto número dois, não resulta da matéria assente em julgamento o preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime pelo qual o arguido vem condenado, designadamente o da condução de veículo automóvel sob efeito de álcool com taxa igual ou superior a 1,2 g/l de álcool no sangue, não sendo possível descortinar dos demais elementos probatórios valorados qual a taxa ou, sequer, se o arguido conduzia sob taxa que fosse criminalmente relevante, impondo-se, por isso, a sua absolvição Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências deve ser julgado procedente o presente recurso, julgando-se inválido o meio de prova resultante do exame químico-toxicológico de fls. 9 a 11 e, assim, como não provado o facto número dois "Fazia-o sob efeito do álcool, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,72 g/l” do elenco dos factos julgados como provados pela douta sentença recorrida, com a consequente absolvição do recorrente.
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte: 1 - A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, nem padece de qualquer vício legal, designadamente por violação do disposto nos artigos 32° n° 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa e artigo 126° n° 1 do Código de Processo Penal.
2 - Não consta da decisão recorrida qualquer facto que nos permita concluir que a recolha de sangue efectuada ao arguido foi realizada sem o seu consentimento ou que tenham sido omitidos os procedimentos essenciais para o esclarecimento do arguido quanto ao fim a que se destinava o acto de recolha do sangue.
3 - O arguido foi interveniente num acidente de viação e o método de obtenção da prova através da recolha de sangue é legalmente admissível nesse circunstancialismo fáctico. Acresce que não consta dos autos que o arguido estivesse em condições de efectuar o teste pelo método do ar expirado, tanto mais que o mesmo, atento o seu estado, necessitou de ser transportado para um estabelecimento hospitalar.
4 - A Meritíssima Juíza a quo deu como provada a factualidade do ponto dois com base no relatório de exame químico-toxicológico, do qual se retira que o arguido apresentava etanol no sangue de 2,72 g/l e valorou tal elemento de prova para determinação da taxa de álcool no sangue por ter sido realizado de harmonia com o disposto no artigo 156.°, n.º2 do Código da Estrada.
5 - O Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma eventual nulidade da prova obtida, mencionando a jurisprudência do douto acórdão n.º 275/2009 proferido pelo Tribunal Constitucional, entendendo que a jurisprudência de tal acórdão aplica-se tão somente às normas dos artigos 152.°, n.º 3 e 153.°, n.º 8, ambas do Código da Estrada.
6 - Acresce o facto de tal inconstitucionalidade não ter sido declarada com força obrigatória geral.
Não existem quaisquer dos vícios invocados pelo recorrente, razão pela qual deve improceder o recurso.
Termos em que, confirmando-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso, far-se-á Justiça.
Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que conclui dever ser negado provimento ao recurso.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido usado do direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*** II. Fundamentos da Decisão Recorrida A sentença recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos (transcrição): Os Factos Provados Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1- O arguido no dia 9 de Maio de 2009, pelas19h10m, conduzia o motociclo de matrícula …, na Estrada Municipal, 572-2, área desta comarca do Baixo Vouga de Albergaria-a-Velha, da sua propriedade, sendo que, por motivos que se desconhecem, sofreu um despiste.
2- Fazia-o sob o efeito do álcool, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,72 gramas/litro.
3- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabia que se encontrava alcoolizado e que era proibido conduzir veículos automóveis em via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2g/1.
4- O arguido sabia que aquela conduta era proibida e punida por lei. Mais se provou que: 5- O arguido exerce a profissão de electricista e aufere €860,00 de salário.
6- É casado, a mulher é doméstica. Têm 2 filhos menores a cargo.
7- Vivem em casa arrendada. Pagam €150,00 de renda.
8- O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.
9- Depois do despiste foi conduzido ao Hospital Infante D. Pedro em Aveiro.
10-Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
Factos não provados Inexistem factos que a considerarem-se não provados assumam relevância para a boa decisão da causa.
Motivação A convicção do tribunal filiou-se nas declarações do arguido, que admitiu a factualidade descrita em 1) dos factos provados. Mais esclareceu que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, tendo-o feito de forma livre e consciente.
Demos como provada a factualidade do ponto 2) com base na análise do teor de folhas 9 a 11, mormente o relatório de exame químico-toxicológico, do qual se retira que o arguido apresentava etanol no sangue de 2,72 g/l.
De mencionar que valoramos tal elemento de prova para determinação da taxa de álcool no sangue por ter sido realizada de harmonia com o disposto no artigo 156º, n.º 2 do Código da Estrada que prevê tal exame em caso de acidente, que foi o que se verificou no caso em apreço.
Por outro lado, conhecemos a jurisprudência do douto acórdão n.º 275/2009 proferido pelo Tribunal Constitucional no sentido da...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO