Acórdão nº 164/09.8GBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução19 de Outubro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I 1. Nos autos de processo comum singular nº 164/09.8GBPBL, do 3º Juízo do Tribunal de Pombal, foi o arguido A..., casado, manobrador de máquinas, natural da freguesia e concelho de Leiria, residente na Rua …………, julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo artigo 292º, nºs 1 e 2 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico de tais penas, foi o arguido A... condenado na pena única de 12 (doze) meses de prisão e na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) anos.

Foi ainda condenado como autor material de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 82º, nºs 3 e 6 do Código da Estrada, na coima de € 120,00 (cento e vinte euros).

Ficou ainda sujeito à obrigação de entregar a carta de condução de que seja titular na secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença, sob pena de, não o fazendo, ser ordenada a sua apreensão e incorrer na prática de um crime de desobediência.

  1. Desta sentença recorre o arguido, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: “(…) 1 - Por sentença proferida nos autos à margem referenciados foi o arguido condenado como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez e sob a influência de substâncias psicotrópicas, p. e p., pelo art. 292.°, n.° s 1 e 2 e 69.°, n.° 1, do C.P., na pena de 10 meses de prisão; como autor material de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p., pelo art. 353.°, do C.P., na pena de 8 meses de prisão. Operando o cúmulo jurídico de tais penas, na pena única de 12 meses de prisão; na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos, e como autor material de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 82.°, n.° s 3 e 6, do Código da Estrada, na coima de € 120,00.

    2 Com efeito, a Mm.ª Juiz a quo, no caso sub iudice, considerou válida a recolha de sangue para a determinação da Taxa de álcool no Sangue ( TAS ) efectuada ao arguido, no Hospital Distrital de Pombal, na sequência do acidente de viação em que o mesmo foi interveniente, por despiste.

    3 Porém, salvo o devido respeito, o arguido discorda em absoluto da douta sentença recorrida, pois que, a recolha de sangue efectuada ao arguido para se apurar o seu grau de alcoolemia, porque efectuada sem possibilitar ao arguido a sua recusa, constitui uma prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo, conforme defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/12/2009, disponível in www.dgsi.pt, e no Acórdão do tribunal Constitucional n.° 275/2009, de 27 de Maio, publicado no DR, 2.a Série, n.° 129, de 7 de Julho de 2009.

  2. No caso em apreço, houve uma recolha de sangue para análise, a condutor/sinistrado/arguido transportado a estabelecimento hospitalar, ao qual foi diagnosticado a impossibilidade de realizar teste de pesquisa de álcool no ar expirado, porque este se encontrava em coma e inconsciente, e que, por isso, não é informado do fim da colheita, nem lhe é solicitado qualquer consentimento para a sua recusa.

  3. Efectivamente, nos actuais artigos 152.°, n.° 3, 153.°, n.° 8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, não está expressamente prevista a possibilidade de recusa aos exames aí previstos, em caso de acidente de viação.

  4. Porém, a actual lei está ferida de inconstitucionalidade orgânica, porquanto o actual regime dos artigos 152.°, n.°3, 153.°, n.°8 e 156.°, n.°2, todos do Código da Estrada, foi alterado/aprovado por Decreto-Lei emanado do Governo, sem a necessária autorização legislativa do órgão competente, a Assembleia da República.

  5. Donde que, a retirada do direito de o arguido poder recusar a recolha de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica.

  6. E, sendo assim, in casu, o arguido poderia ter recusado expressamente a colheita do sangue, sem que o mesmo praticasse qualquer crime de desobediência.

  7. Mas, para que o arguido, no caso concreto, pudesse recusar a colheita de sangue ou para se entender que o mesmo consentiu em tal colheita, forçoso é concluir que o arguido deveria estar, primeiramente consciente, e depois, saber, estar informado do fim a que se destinava a colheita de sangue.

  8. De resto, resulta da normal experiência e práticas hospitalares, que nestas situações de internamento em consequência de acidentes, retirar sangue ao doente para efeitos de diagnóstico, é comum. E, é de presumir um consentimento ainda que tácito do doente para a recolha do sangue, pressupondo que tal colheita se destina a ser usada em seu benefício.

  9. Donde resulta que, destinando-se a colheita do sangue a outro fim que não o benefício clínico do doente, como foi o caso da análise para efeitos de apurar o grau de alcoolemia, deveria o arguido ter sido informado previamente desse fim, dando-lhe a possibilidade de poder recusar ou poder consentir nessa recolha.

  10. É que, ao ser submetido ao teste de pesquisa do álcool no ar expirado, qualquer condutor sabe a que se destina esse teste, o mesmo já não se pode dizer quando se está internado num hospital ou estabelecimento de saúde e um médico faz uma colheita de sangue ao sinistrado.

  11. Aqui, o sinistrado adquire a qualidade e é tratado como doente. E deve ser nessa qualidade que se deve interpretar e presumir qualquer consentimento seu, ainda que tácito, quanto aos actos médicos.

  12. Ora, a colheita de sangue para análise do álcool no sangue do condutor sinistrado embora praticado por um médico, não tem, a natureza de acto médico em sentido estrito, mas sim de um acto ou diligência de prova para efeitos de procedimento criminal.

  13. E tratando-se de um acto que viola a integridade física e tem como objectivo, uma possível incriminação do doente/sinistrado, o mesmo deve ser informado ou estar devidamente esclarecido do fim a que se destina a recolha de sangue.

  14. Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado/arguido poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental de autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c), do n.° 1, do art. 165.°, da CRP.

  15. Assim, a colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152.°, n.° 3, art. 153.°, n.° 8, e art. 156.°, n.° 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL n.° 44/2005-A/2001, de 28 de Setembro - sem possibilitar ao condutor/arguido a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica.

  16. Com efeito, do factualismo dado como provado pela Mm.ª Juiz a quo, não resulta que o arguido in casu tenha sido previamente informado do destino ou fim da colheita de sangue a que foi sujeito no Hospital Distrital de Pombal, até porque o mesmo se encontrava em coma, inconsciente.

  17. Nestes termos, no presente caso, a concreta recolha de sangue ao arguido que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolemia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos.

  18. Pelo que a douta sentença violou o disposto nos artigos 25.° e 32.°, n.° 8, da Constituição da República Portuguesa e art. 126.°, do Código de Processo Penal.

  19. Devendo, em consequência, a douta sentença recorrida ser revogada e, em consequência, substituída por outra que absolva o arguido da prática dos crimes de que vem acusado, pelos fundamentos supra expostos.

  20. Por mera cautela e sem prescindir, sempre se analisará, porém, a medida da pena concretamente aplicada ao arguido relativamente a cada um dos crimes por que foi condenado e, por conseguinte, à pena única resultante do cúmulo jurídico de cada uma daquelas.

  21. Sucede que, balizando-se a moldura penal abstracta para esses tipos legais de crime entre pena de multa e pena de prisão até 1 e 2 anos, respectivamente, afigura-se manifestamente exagerado, desajustado, injusto e, também por isso, ilegal, o quantum concreto das penas recortadas pela Mm.ª Juiz para cada um dos crimes por que condenou o arguido e, consequentemente, o quantum resultante do cúmulo jurídico das mesmas.

  22. Na verdade, para a determinação do tipo de pena a aplicar, estatui o art. 70.°, do Código Penal que, se ao crime em questão forem aplicáveis, em alternativa, a pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

  23. Acrescentando, depois, o art. 71°, do mesmo diploma, que uma vez assim determinada a espécie de pena a aplicar, atender-se-á de seguida à culpa do agente e às exigências de prevenção ( n.º 1 ), bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente ( n. °2 ).

  24. Sendo certo, porém, que há-de ser sempre essa culpa que há-de fixar o limite máximo e inultrapassável da punição, segundo imposição do art. 40. °, desse citado código.

  25. Ora, salvo o devido respeito, a decisão recorrida, no que à medida concreta da pena em particular concerne, viola o disposto nos citados normativos.

  26. E que, de facto, se atentarmos nas razões aduzidas pela Mm.ª Juiz a quo na sua douta sentença para sustentar as penas aplicadas, ressalta, sem sombra de dúvidas, que a lex motiv para a escolha e medida das mesmas foi apenas o passado criminal do arguido.

  27. Ademais, se é certo e correcto que, contra tudo isso, jogam prementes necessidades de prevenção geral e especial, como referiu, e bem, a Mm.ª Juiz a quo, também é verdade que, salvo o devido respeito, a Mmª Juiz a quo parece ter ignorado, para a escolha e medida da pena, todo o circunstancialismo fáctico...

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