Acórdão nº 3/10.7PACVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução19 de Outubro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo singular n.º 3/10.7PACVL do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, o arguido J…, devidamente identificado nos autos, foi absolvido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º/1 do Código Penal e pelo artigo 69º/1 a) do mesmo diploma, pelo qual havia sido acusado pelo Ministério Público.

2.

Inconformado, o Ministério Público recorreu da sentença absolutória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. No dia 27 de Fevereiro de 2010, pelas 02:27horas, na cidade da Covilhã, o arguido J… conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, na via pública, com uma TAS 2,13 g/l.

  1. O arguido foi submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado e contraprova no aparelho Drager — Alcotest 7110 MK III, aprovado pelo Instituto Português da Qualidade.

  2. O arguido J… foi absolvido pela prática, como autor material, da prática de um crime de condução de veículo cm estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, por o tribunal a quo ter entendido que a contraprova realizada no mesmo aparelho onde o arguido tinha efectuado o exame quantitativo é inválida.

  3. A nossa discordância relativamente à sentença recorrida diz respeito à validade da contraprova efectuada no mesmo aparelho onde o arguido tinha efectuado o primeiro sopro.

  4. A realização do exame de contraprova no mesmo aparelho onde foi efectuado o exame quantitativo, desde que efectuado em aparelho aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, não constitui meio de prova inválido.

  5. Não decorre do artigo 153.°, n°s 3 e 4 do CE qualquer necessidade de que o aparelho onde é efectuado o primeiro sopro, e o aparelho onde é efectuado o sopro da contraprova, tenham de ser diferentes, mas apenas exige que seja aprovado.

  6. Aprovação essa que é efectuada pelo Instituto Português da Qualidade por força do artigo 5.° da portaria 1556/2007, de 10.12.

  7. Constituindo, por isso mesmo, um meio de prova válido a contraprova efectuada no mesmo aparelho do primeiro sopro.

  8. O legislador, ao eliminar a disposição legal presente no artigo 3.°, n.°1 do Decreto-Regulamentar 24/98 de 20.10, que permitia que a contraprova fosse realizada pelo mesmo aparelho, quis deixar aberta a possibilidade da contraprova ser efectuada no mesmo aparelho ou em aparelho diferente consoante as circunstâncias do caso concreto, sendo a prova válida nos dois casos.

  9. E se necessário for, por qualquer razão, que não diz respeito à obrigatoriedade de recorrer a aparelhos diferentes para o exame e a contraprova, mas por exemplo porque o aparelho deixou de funcionar ou não estão reunidas as condições espaciais para a realização da contraprova que existiam no momento do primeiro exame, o examinando pode ser conduzido a um local onde a contraprova possa ser efectuado (153.°, n.° 4 do CE).

  10. As razões que subjazem à realização da contraprova não dizem apenas respeito à falta de fiabilidade do aparelho em que é realizado o primeiro exame, mas também à pessoa do próprio arguido e das suas capacidades para o exame, pelo que o legislador não exige que a contraprova seja em aparelho diferente.

  11. E por outro lado, permite que a contraprova seja efectuada através de análise ao sangue para que o arguido possa dissipar quaisquer dúvidas quanto à fiabilidade do aparelho em que efectuou o primeiro exame.

  12. Competindo sempre ao arguido escolher entre a realização da contraprova através de novo exame em aparelho aprovado ou através de análise ao sangue.

  13. No caso sub judice, não ficou provada qualquer circunstância que pusesse em causa a fiabilidade do aparelho em que o arguido efectuou o primeiro exame.

  14. O arguido é que escolheu efectuar a contraprova no mesmo aparelho em que tinha efectuado o primeiro exame em vez que requerer a análise ao sangue.

  15. Assim, encontrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, deverá o arguido ser condenado pela prática desse crime de que vem acusado e na sanção acessória de inibição de condução.

  16. Tendo o tribunal a quo, considerado que a realização do exame de contraprova no mesmo aparelho onde realizou o exame quantitativo é um meio de prova inválido, o mesmo violou o disposto nos artigos 292.°, n.° 1 e, consequentemente, 69.°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, 125.° do Código de Processo Penal 153.°, n°s 3, alínea a), 4 e 6 do Código da Estrada e artigo 3.° da Lei 18/2007 de 17 de Maio.

  17. Sofrendo, assim, a sentença de que se recorre, de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.°, n.° 2 alínea c) do CPP, ao ignorar que o arguido circulava influenciado pelo álcool como uma taxa de álcool no sangue de 2,13 g/l, ou seja, superior à legalmente permitida nos termos do artigo 292.° do Código Penal.

    Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, considerando o meio de prova nos presentes autos, como válido, por a contraprova poder ser efectuada no mesmo aparelho do exame quantitativo, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida proferida em 1ª instância, sendo: - modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, acrescentando-se os seguintes factos provados: · que o arguido, aquando da realização do 1.° sopro no aparelho quantitativo Drager - Alcotest 7110 MK III, aprovado pelo IPQ, acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,20 g/litro.

    · que o arguido, aquando da realização do 3.° sopro no aparelho quantitativo Drager — Alcotest 7110 MK III, aprovado pelo IPQ, acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,13 g/litro.

    · Que o arguido sabia ser-lhe proibida e punida por lei a sua conduta. - condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez com a TAS de 2,13 g/l, previsto e punido pelo artigo 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, por não haver necessidade de produzir mais prova (artigo 431.°, alínea a) do CPP)».

    3.

    O arguido não respondeu a este recurso.

  18. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento, aderindo à posição do Colega de 1ª instância.

    5.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

    II – Fundamentação 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, atento o teor das conclusões, a questão a decidir consiste em saber se é de manter ou não a ABSOLVIÇÃO do arguido pela prática do crime imputado na acusação dos autos – um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292º e 69º do C.Penal.

    Ou seja, o que se discutirá é se estão ou não perfectibilizados os requisitos objectivos para a subsunção ao citado crime do comportamento do arguido, assente que...

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