Acórdão nº 426/06.GAALB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução06 de Outubro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

E e S então menor de idade (porquanto nascida no dia 7 de Dezembro de 1991), e, por isso, devidamente representada (in casu, por sua mãe AU), após participar criminalmente contra A factualidade alegadamente consubstanciadora da prática pelo mesmo, em autoria material e sob a forma negligente, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.ºs 1 e 2; 15.º, alínea b) e 148.º, n.º 1, todos do Código Penal, deduziu, com data de 25 de Junho de 2009, ao abrigo do estatuído pelo artigo 71.º e segs., do Código de Processo Penal, e contra A… – Companhia de Seguros, S.A., com sede no Porto, pedido de indemnização civil, isto no intuito de obter a condenação da demandada a solver-lhe, nomeadamente para reparação dos danos não patrimoniais sobrevindos em virtude de conduta delitiva daquele A e cuja responsabilidade ela assumira, a quantia de € 45.000,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde a data de notificação à mesma desse pedido, e vincendos, até integral pagamento, todos calculados à taxa legal.

Introduzido o feito em juízo, após normal tramitação, veio a ser proferida sentença que, além do mais por ora irrelevante, determinou a condenação da mencionada seguradora a solver à demandante, entretanto perfazendo já a maioridade, como reparação pelos apontados danos, a quantia de € 19.000,00, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal estabelecida pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data da notificação do pedido cível (25 de Setembro de 2009) e até integral pagamento, sem prejuízo da franquia de 10% contratada entre a seguradora e o indicado A.

1.2. Desavinda tão-somente com o segmento da decisão que ponderou a aludida responsabilidade civil, interpõe recurso a dita seguradora, extraindo da motivação apresentada a seguinte ordem de conclusões: 1.2.1. Impõe-se aditar à factualidade dada como provada pela decisão recorrida, que a demandante E não tem qualquer deformação na pálpebra esquerda, sendo que do evento em causa não lhe sobrevieram quaisquer consequências permanentes.

1.2.2. Tudo considerando-se o que consta dos exames médico-legais a que foi submetida e cujos resultados constam de fls. 140/141.

1.2.3. Aliás, apenas com tal alteração da decisão sobre a matéria de facto se esclarece o vertido e descrito em (infra) 6. dos factos provados.

1.2.4. A compensação arbitrada pelo Tribunal a quo em € 19.000,00 teve em consideração o facto de as cicatrizes serem na face e uma delas na pálpebra esquerda.

1.2.5. Todavia, sem atentar à circunstância de tais cicatrizes já não serem visíveis.

1.2.6. Acresce que o montante assim arbitrado para ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pela demandante não corresponde àquele que é alcançado pela jurisprudência mais recente.

Com efeito, 1.2.7. Para ressarcir o dano não patrimonial sofrido pela perda de um jovem, filho único, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de Julho de 2009, adequado o valor de € 20.000, para cada um dos progenitores.

1.2.8. Em situação muito mais grave do que a presente, em 1 de Abril de 2008, o Tribunal da Relação do Porto, fixou uma compensação por danos não patrimoniais de € 20.000.

1.2.9. Nesta perspectiva, a sentença recorrida não interpretou nem aplicou devidamente o consignado pelo artigo 496.º do Código Civil.

1.2.10. Acresce que o valor do dano não patrimonial é calculado tomando o Tribunal em consideração a data de encerramento da audiência.

1.2.11. Fazer incidir sobre o montante fixado juros de mora desde a citação será fazer vencer juros uma dívida que, naquele momento, nunca corresponderia ao montante que a sentença veio a fixar.

1.2.12. Sensível a esta argumentação, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu o acórdão para fixação de jurisprudência n.º 4/2002, sustentando: não é defensável a cumulatividade de juros de mora desde a citação, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil com a actualização da indemnização, na medida em que ambas as providências influenciadoras do cálculo da indemnização devida obedecem à mesma finalidade, que consiste em fazer face à erosão do valor moeda no período compreendido entre a localização no tempo do evento danoso e o da satisfação da obrigação indemnizatória.

1.2.13. Em consequência, e com fundamento nesta argumentação, fixou até a seguinte norma interpretativa: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto no artigo 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, ambos do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.» Terminou pedindo que no respectivo provimento seja diminuído o montante indemnizatório arbitrado, e, ademais, apenas sobre ele se façam incidir juros moratórios contabilizados a partir da data de prolação da sentença em 1.ª instância.

1.3. Cumprido o disposto no artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, nenhuma resposta apresentou a recorrida.

1.4. Proferido despacho admitindo a impugnação, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral adjunto ao qual foram continuados, limitou-se a apor visto, pois que em causa apenas está matéria respeitante à parte civil do processo, mostrando-se ainda as partes arredias a qualquer patrocínio seu.

1.6. No exame preliminar a que alude o n.º 6 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, consignou-se não ocorrer fundamento conducente à rejeição ou apreciação sumária do recurso, donde que colhidos os vistos devidos, devessem os autos ser continuados com submissão à presente conferência.

Urge, então, ponderar e decidir.

* II – Fundamentação de facto.

2.1. A matéria de facto considerada como provada na decisão recorrida foi, no que concerne, a seguinte: 1. O arguido A em 14 de … de 2006, era dono de um cão de raça Rottweiler, de cor preta afogueado, nascido a 27 de Novembro de 2003, do sexo masculino, o qual se encontrava em condições não concretamente apuradas, num quintal, sito nos anexos do estabelecimento comercial denominado “K.., sito na Rua… da localidade de A… área da comarca do Baixo Vouga, Albergaria-a-Velha, da propriedade do arguido e por este explorado e sua esposa.

  1. Entretanto, tal como já vinha sucedendo vezes anteriores, A, nesse dia, pelas 18h00, juntamente com a sua filha E, então menor de 16 anos de idade (nascida a 07/12/1991), deslocaram-se ao mencionado estabelecimento, o qual se encontrava aberto ao público.

  2. Sendo que o arguido nesse mesmo instante se encontrava no quintal contíguo ao mencionado café, local onde também se encontrava o seu cão.

  3. Sucede que no acto em que a ofendida E e sua mãe penetraram no interior, encontrando-se aí a esposa do arguido, aí surgiu o referido cão, vindo de um espaço anexo ao café, que circulava livremente, sem estar atrelado ou açaimado, sendo que a ofendida E ao aperceber-se da presença deste no interior do café, tal como já o vinha fazendo há cerca de 2 anos a essa parte, agachou-se de cócoras e começou a fazer-lhe festas.

  4. Nesse acto, subitamente, e pese embora a presença da esposa do arguido, o cão atacou a ofendida E, desferindo-lhe diversas dentadas na face, mordendo-a junto ao olho esquerdo e cabeça, até que a esposa do arguido, M, conseguiu verbalmente que aquele se afastaste da ofendida, após o que aí compareceu o arguido, alertado por esta.

  5. Em consequência, directa e necessária da descrita conduta do arguido, designadamente das mordeduras efectuadas pelo seu cão, sofreu E, dores e careceu de receber tratamento...

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