Acórdão nº 72/08.0GTSRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MATINS
Data da Resolução13 de Outubro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

J e L, arguidos já devidamente identificados, foram submetidos a julgamento, porquanto acusados pelo Ministério Público da prática indiciária de factualidade consubstanciadora: - O primeiro, como autor material, em concurso efectivo, de um crime de injúrias agravado, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, l) do Código Penal, na pessoa do ofendido João Fernando Santarém da Silva, e um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal, na pessoa da Guarda Nacional Republicana; - O segundo, como autor material, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.º 1, a) e 69.º, n.º 1, a) e c), ambos do Código Penal, e do artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada.

No decurso da audiência de julgamento procedeu-se à convolação do crime de difamação agravado para o crime de injúria agravado, cometido na pessoa da Guarda Nacional Republicana, tendo-se comunicado a alteração da qualificação jurídica, conforme consta da respectiva acta.

Findo o contraditório, proferiu-se sentença determinando ao ora relevante 1) condenar o primeiro arguido na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o quantitativo global de € 900,00 (novecentos euros) e, subsidiariamente, na pena de 100 (cem) dias de prisão subsidiária, pela comissão do crime de injúria agravada, p. e p. pelos aludidos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, l), na pessoa da Guarda Nacional Republicana, bem como 2) condenar o segundo deles pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos também citados artigo 348.º, n.º 1, al. a), conjugado com o artigo 152.º, n.ºs 1, a) e 3 do Código da Estrada, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz um total de € 540 (quinhentos e quarenta euros), a que correspondem 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária, além de mais o condenar na pena acessória de inibição de conduzir, pelo período de três meses, a contar do trânsito em julgado da decisão emanada.

1.2. Irresignados, ambos os arguidos interpuseram competente recurso, apresentando, após motivação dos requerimentos impugnativos, a seguinte ordem de conclusões: (o arguido J) 1.2.1. O Tribunal a quo fundou a sua convicção, essencialmente, nas declarações das testemunhas de acusação.

1.2.2. Ora, a análise da prova produzida em audiência, mostra que ela se apresentou repleta de imprecisões e de contradições, impondo distinta sentença.

1.2.3. O caso concreto, perante a incerteza absoluta da prática dos factos pelo arguido, impunha a aplicação do princípio do in dúbio pro reo.

1.2.4. Omitindo tal aplicação, preteriu-se o disposto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

(o arguido L) 1.2.5. Perante o teor dos elementos fornecidos pelo processo, especialmente os depoimentos das testemunhas de acusação inquiridas, impunha-se sentença distinta da prolatada, pois que se não logrou fazer prova dos elementos constitutivos do tipo legal em causa.

1.2.6. A decisão recorrida padece do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a condenação do recorrente.

1.2.7. As contradições dos depoimentos das testemunhas de inquirição sobressaem do documento que ora junta emitido pela empresa M…, Lda.

1.2.8. O caso vertente impunha a aplicação do princípio do in dúbio pro reo, integrando a sua desconsideração violação ao artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Terminaram pedindo os dois arguidos o eximir da responsabilidade penal decretada.

1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento de ambos os recursos.

1.4. Proferido despacho da sua admissão, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, com vista dos autos, atento o estatuído pelo artigo 416.º do mesmo diploma adjectivo, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente à manutenção do sentenciado.

1.6. Foi dado acatamento ao disciplinado no subsequente artigo 417.º, n.º 2.

1.7. No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se inexistir fundamento conducente à apreciação sumária dos recursos, e, por outro lado, nada obstar ao seu conhecimento de meritis. Por isso que se ordenou o respectivo prosseguimento, com recolha dos vistos devidos e submissão à presente conferência.

Urge, então, ponderar e decidir.

* II – Fundamentação de facto.

2.1. A decisão recorrida anotou a seguinte matéria de facto como provada: 1. Pelas 00:45 horas do dia 17 de … de 2008, o arguido L conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros, com o número de matrícula …-GQ, pelas Estrada Municipal n.º 539, no sentido Barroca/Entroncamento, área da comarca de Torres Novas, tendo-se despistado.

  1. JF, Major da GNR e 2.º Comandante do Grupo Regional de Trânsito da GNR, em Santarém, circulava à retaguarda, na mesma via e no mesmo sentido de marcha do arguido L.

  2. No momento do despiste, que ocorreu após uma curva, JF não tinha contacto visual com o veículo.

  3. Após o despiste referido em 1), ao retomar o contacto visual com o veículo referido em 1), despistado na via, abeirou-se do arguido L, no sentido de averiguar se precisava de auxílio médico, o que este rejeitou.

  4. Como o veículo referido em 1) se encontrava parado na via, após uma curva, causando perigo para quem nela circulava, e que não se conseguia deslocá-lo para fora da via, JF sugeriu que se chamasse a assistência em viagem, o que o arguido L logo rejeitou, por antever a possibilidade da autoridade policial comparecer no local e ter de ser sujeito a exame para pesquisa de álcool no sangue.

  5. Entretanto, havia chegado ao local o arguido J, pai de L, e ambos insistiam com JF para que fosse embora, dado que o assunto não lhes dizia respeito.

  6. Nessa ocasião, JF, apercebendo-se que o arguido L exalava um hálito a álcool, revelou aos arguidos a sua qualidade de militar e as funções que exercia no Grupo Regional de Trânsito da GNR, em Santarém, de segundo Comandante, solicitando, nesse momento, a comparência do carro patrulha da GNR/BT ao local.

  7. O arguido J, ao tomar conhecimento das funções exercidas por JF aproximou-se do mesmo e proferiu as seguintes expressões, num tom de voz audível para quem ali se encontrava “Eu vou ao cu aos geninhos” “A GNR é uma merda, eu quero que esses filhos da puta se fodam todos.” 9. Entretanto, a patrulha da GNR/BT, cujos agentes se encontravam devidamente uniformizados e no exercício das funções de fiscalização rodoviária, compareceu no local e, ao tomar conhecimento da ocorrência do despiste, solicitou ao arguido L que fizesse o exame para pesquisa de álcool no sangue, através do ar expirado.

  8. Todavia, o arguido L recusou sujeitar-se ao aludido exame, referindo não ter sido ele o condutor, facto que sabia não corresponder à verdade.

  9. Os elementos da patrulha da GNR insistiram com o arguido L no sentido de o mesmo realizar o exame para pesquisa de álcool no sangue e advertiram-no de que, se fosse ele o condutor, incorria na prática do crime de desobediência se mantivesse a recusa em sujeitar-se às provas legalmente estabelecidas para a detecção de álcool no sangue, mas o arguido manteve-se irredutível na sua recusa.

  10. Durante a abordagem dos elementos da GNR, o arguido L exalava um hálito a álcool.

  11. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.

  12. Ao actuar da forma descrita, o arguido L previu e quis desacatar a ordem para efectuar o teste de pesquisa de álcool no sangue que lhe era regularmente transmitida pelos agentes de autoridade policial, que se encontravam uniformizados e no exercício das suas funções de fiscalização rodoviária, como o arguido bem sabia.

  13. O arguido J sabia que JF era oficial da GNR e exercia funções de 2.º Comandante do Grupo Regional de Trânsito da GNR, em Santarém.

  14. Ao proferir as expressões supra descritas, que dirigiu à Guarda Nacional Republicana e a todos os seus efectivos, por causa das funções por eles exercidas, previu e quis o arguido J afrontar e ofender o bom nome e o prestígio daquela corporação e a honra e consideração pessoal e profissional dos que a integram, estando igualmente ciente de que à GNR e aos seus efectivos estão cometidas, por Lei, funções de autoridade pública.

  15. Sabia o arguido J que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

  16. O arguido J trabalha por conta de outrem, auferindo mensalmente a quantia de € 700,00.

  17. O arguido J reside com a mulher, a filha e a sogra.

  18. O agregado familiar do arguido J reside em casa arrendada, pagando cerca de € 130,00 mensais de renda.

  19. O arguido J despende mensalmente, a título de prestação para aquisição de veículo, a quantia de € 400,00.

  20. A esposa do arguido J não exerce qualquer profissão remunerada, sendo que a filha do mesmo, de 25 anos, trabalha.

  21. O arguido L e trabalha na firma E…, Lda., na Zona Industrial do Entroncamento, auferindo mensalmente cerca de € 500,00.

  22. O arguido L necessita da carta de condução para efectuar as suas deslocações em veículo a motor.

  23. O arguido reside com a namorada, em casa arrendada, sendo que pagam a título de renda a quantia de € 250,00 mensais.

  24. A namorada no arguido trabalha por conta de outrem.

  25. Ao arguido J não são conhecidos antecedentes criminais.

  26. Ao arguido L não são conhecidos antecedentes criminais.

  27. O arguido L negou ser o condutor do veículo referido em 1), nas referidas circunstâncias de tempo e lugar.

    2.2. Já no que concerne a factos não provados, consignaram-se como tais na dita decisão que: 30. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), o arguido J se tivesse aproximado de JF e dirigido seguintes expressões “Mas o que é que...

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