Acórdão nº 2701/06.0TBACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Maio de 2010
Data | 04 Maio 2010 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. M (…) propôs a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra Z (…) Companhia de Seguros, S.A., pedindo, na qualidade de companheira de J (…) - falecido a 08.4.2004 e que consigo viveu em união de facto durante cerca de 20 anos -, que a Ré seja condenada a pagar-lhe o montante global de € 143 794,66 acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente de viação ocorrido em 25.3.2004 e que vitimou o seu referido companheiro, sendo a Ré responsável pelo seu pagamento, já que para ela fora transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula PS-79-34, conduzido pelo seu proprietário e que deu causa àquele sinistro.
A Ré contestou, invocando a excepção de caso julgado, por a presente acção consistir numa repetição da causa do processo-crime (n.º 83/04.4TAPMS), tendo o pedido indemnizatório da A. sido julgado por sentença transitada em julgado; quanto aos alegados danos não patrimoniais, afirmou que a A. não é titular de qualquer direito de indemnização, atento o disposto no n.° 2 do art.º 496° do CC.
Concluiu pela sua absolvição do pedido.
Replicando, a A. pronunciou-se no sentido da improcedência da aludida excepção.
Foi proferido despacho saneador, que julgou parcialmente procedente a excepção de caso julgado, absolvendo a Ré da instância quanto ao pedido relativo à pensão atribuída a J (…), no valor de € 68 037,54.
Procedeu-se à selecção dos factos assentes e da materialidade controvertida.
A Ré recorreu do despacho saneador na parte em que julgou apenas parcialmente procedente a excepção de caso julgado, recurso que, por falta de alegação, veio a ser julgado deserto.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, decidiu-se a matéria de facto por despacho de fls. 209.
Na sentença, o tribunal recorrido julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 207,12 (duzentos e sete euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista no art. 559° do Código Civil, vencidos e vincendos sobre tal quantia desde a citação da Ré nestes autos até integral pagamento, e absolveu a Ré do mais que é pedido nestes autos pela Autora e cuja instância prosseguiu após a decisão de fls. 159-163.
Inconformada com esta decisão e pugnando pela procedência da acção quanto à compensação por danos não patrimoniais, a A. apelou, concluindo que o Tribunal “ad quem” deve manter a decisão quanto à indemnização por danos patrimoniais, declarar a inconstitucionalidade do n.° 2 do art.° 496° do Código Civil na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal “a quo” e anular a sentença recorrida, nesta parte, condenando a Ré a pagar a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros).
A Ré contra-alegou sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos e atento o referido acervo conclusivo - não podendo este Tribunal conhecer de matérias aí não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8) - importa apreciar a invocada inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art.º 496º C. Civil, quando interpretada no sentido de excluir o "cônjuge de facto" do direito a ser indemnizado pela morte do companheiro, bem como a questão do ressarcimento de danos de carácter não patrimonial sofridos pelo “cônjuge de facto” em consequência do mesmo facto lesivo, extraindo daí as devidas consequências quanto à reclamada compensação por danos não patrimoniais.
* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: a) No dia 25.3.2004, pelas 7.50 horas, J (…) tripulava o ciclomotor com a matrícula 1-ACB-71-63, ao mesmo pertencente, na Estrada Nacional n.° 242, ao km 8,250, em Montes, concelho de Alcobaça, no sentido de marcha Montes-Alpedriz, na sua mão de trânsito. (A) b) Nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em II. 1. a), S (…) tripulava o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de serviço particular, com a matrícula PS-79-34, proveniente da sua residência, sita na referida estrada, ao km 8,250, n.° 60, com a intenção de entrar na mesma estrada, virar à sua esquerda e nela circular no sentido Alpedriz-Montes. (B) c) J (…) embateu com a parte da frente do ciclomotor identificado em II. 1. a) na parte lateral esquerda do veículo PS, tendo ficado entalado entre este veículo e o referido ciclomotor. (C) d) Em consequência do aludido embate, resultaram para J (…) o lesões traumáticas meningo-encefálicas e tóraco-abdominais, complicadas de broncopneumonia, as quais, assim, como a cifoescoliose e a doença pulmonar obstrutiva crónica de que o mesmo padecia, foram causa adequada, directa e necessária da sua morte. (E)[1] e) A morte de J (…) ocorreu em 08.4.2004, pelas 12.40 horas. (F) f) S (…) transferiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do veículo PS para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.° 002993053. (G) g) No processo n.° 83/04.4TAPMS, por sentença transitada em julgado em 14.6.2006, decidiu-se: a) Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a acusação pública e, em consequência, absolver o arguido S (…) pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos art.ºs 69°, n.° 1, al. a) e 291°, n.° 1, al. b) do Código Penal, em concurso aparente com a contra-ordenação grave, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 31º, n.° 1, al. a) e n.° 3, 139°, n.°s 1 a 3 e 146°, al. e), do Código da Estrada; b) Julgar parcialmente procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência, condenar o arguido S (…) pela prática de um homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão; c) Suspender a execução da pena de prisão referida na al. b) pelo período de 18 meses; d) Julgar improcedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, absolver o demandado S (…) do pedido contra si formulado; e e) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar a demandada Z (…) Companhia de Seguros, S.A., a pagar à demandante M (…) a quantia de € 800,00 referente a danos patrimoniais, absolvendo-se no que demais havia sido peticionado - cf. certidão de fls. 117-150, cujo teor se dá por reproduzido. (H) h) Desde 1983 até 08.4.2004, a A. viveu na mesma casa que J (…) (1º) i) Durante o período de tempo referido em II. 1. h), a A. e J (…) partilharam o mesmo leito. (2°) j) Durante o mesmo período de tempo, a A. e J (…) assumiam-se como um casal. (3°) k) Nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em II. 1. a), S (…) não parou o veículo PS e entrou na estrada identificada em II. 1. a), sem se ter assegurado que, do seu lado esquerdo, na semi-faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito indicado em II. 1. a), já circulava o ciclomotor com a matrícula 1-ACB-71-63. (4°) l) Em consequência do referido em II. 1. k), S (…) colocou o veículo PS na perpendicular à estrada identificada em II. 1. a), dentro da hemi-faixa de rodagem que o aludido ciclomotor ocupava. (5°) m) Em consequência do embate descrito em II. 1. c), a A. pagou à Guarda Nacional Republicana, Brigada n.° 2, o montante de € 7,12. (6°) n) Desde a data indicada em II. 1. a), a A. foi visitar J (…)o todos os dias em que este esteve internado no Hospital de Leiria. (7°) o) Para esse efeito, a A. efectuava um trajecto diário de cerca de 50 a 60 quilómetros, algumas vezes de táxi, gastando quantia concretamente não apurada em tais deslocações de táxi. (resposta ao art.º 8°) p) A A. sofreu, com angústia, a agonia de J (…), desde a data indicada em II. 1. a) até à data indicada em II. 1. e). (9°) q) A A. sofreu com a morte do J (…), com intensa dor e desgosto. (10°) r) Em consequência da morte de J (…), a A. vestiu-se de preto. (11º) s) A A. ainda hoje chora e lamenta a morte de J (…), do qual se recorda permanentemente, com saudade. (12°) 2. No presente recurso, não se questiona a responsabilidade pela produção do sinistro, suscitando-se, sobretudo, a apreciação da invocada inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art.º 496º Código Civil[2], quando interpretada no sentido de excluir o "cônjuge de facto" do direito a ser indemnizado pela morte do companheiro, e impetrando-se a compensação por danos não patrimoniais.
A A. pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a importância de € 75 000 a título de compensação pelos danos não patrimoniais invocados nos art.ºs 40º a 45º da petição inicial: danos sofridos pela A. durante o período que decorreu entre o dito acidente e o decesso do J (…) (€5 000), decorrentes da morte e consequente perda do seu companheiro (€ 10 000) e, ainda, pela perda da vida do seu companheiro (€ 60 000).
A Mm.ª Juíza a quo julgou improcedente aquele pedido - com o fundamento de que não se encontra abrangido na previsão do n.º 2 do citado artigo 496º -, razão pela qual a A. agora se insurge, invocando, principalmente, dois arestos, o primeiro, proferido pelo Tribunal Constitucional (acórdão n.º 275/2002, publicado no DR, II Série, de 24.7.2002 e no “site” da dgsi) e, o segundo, pelo Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão de 12.5.2004-processo 1163/2004.3, publicado no “site” da dgsi)[3].
Salvo o devido respeito por opinião em contrário e embora se reconheça que a matéria em questão não é isenta de dificuldades, pensamos que, face à lei estabelecida e à evolução da doutrina e da jurisprudência nacionais, não será (ainda) possível divergir da solução encontrada pelo tribunal recorrido, embora, de iure condendo, a orientação sufragada pela recorrente tenha inteira razão de ser (quiçá, a mais conforme à justiça e à equidade no contexto da realidade social hodierna).
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