Acórdão nº 24/06.4IDGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

No processo Comum n.º 24/06.4IDGRD.C1, após acusação e pronúncia, foram julgados os arguidos So… S.A., R. F e A.

pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punível pelo artigo 105º nº 1, 2, 4 e 7 do RGIT.

O Ministério Público deduziu pedido de indemnização contra os arguidos pedindo a sua condenação no pagamento ao Estado Português do montante global de 243 021,16€ acrescido dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.

Realizado o julgamento, o Tribunal decidiu a) condenar a arguida So — S.A., como autora material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 7° e 105°/1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30°/2 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), o que perfaz o montante de 750,00€; b) condenar o arguido R, como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 6°I1, 7°/3 e 105°I1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30º/2 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), o que perfaz o montante de 630,00€; c) condenar o arguido F como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 6°/1, 70/3 e 105°/1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30°/2 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), o que perfaz o montante de 630,00€; d) condenar o arguido A, como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 6°/1, 7°/3 e 105°/1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30°/2 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), o que perfaz o montante de 630,00€; e) condenar os arguidos nas custas do processo na parte criminal, incluindo o valor dos encargos a que individualmente deram causa, fixando-se a taxa de justiça individual em 5 (cinco) UC (cfr. artigos 513°l1, 2 e 3, 514°I1, 524° e 344°12-c) do Código Processo Penal e artigos 1 , 3°I1, 50, 8°15, 16° e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais); f) condenar os demandados a pagarem, solidariamente, ao Estado Português (Fazenda Nacional), com referência ao valor de IRS retido no mês de Novembro de 2004 e não entregue, a quantia de 8 537,00€ (oito mil quinhentos e trinta e sete euros), acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado; g) condenar o demandante (Estado Português) e os demandados nas custas do pedido de indemnização civil deduzido e na proporção do decaimento, Não se conformando com a decisão, o Ministério Público e o arguido R vieram interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: (i) Ministério Público 1 A douta decisão recorrida deu como provado que a sociedade arguida, nas transacções comercias efectuadas e facturadas, com referência a cada um dos períodos tributários em causa, não recebeu a totalidade do IVA liquidado nas facturas, tendo recebido quantias cujo montante não foi possível quantificar — ponto 130, dos factos provados.

2 Na parte da fundamentação da convicção do tribunal, designadamente quando faz referência ao depoimento da testemunha M G, o tribunal considerou que se encontra documentado o recebimento de importâncias de IVA e, por outro lado, que a testemunha não logrou apurar quais os valores de IVA efectivamente recebidos.

3 a Ora, estando documentado o recebimento pela sociedade de valores de IVA liquidado, como efectivamente está nos anexos juntos ao auto de notícia, a determinação do montante que se encontra comprovado depende apenas da análise dos documentos comprovativos desse pagamento e da correspondente operação matemática.

4 a Conforme resulta da reprodução do depoimento da testemunha MG, inspectora tributária, gravado no sistema de gravação digital disponível no tribunal, na sessão de 01.03.2010, em audiência de julgamento não foi pedido à testemunha para quantificar quais os concretos valores de IVA recebido pela sociedade, relativamente aos quais havia recolhido o comprovativo do pagamento pelos clientes da So 5ª A testemunha M G, em momento algum do seu depoimento verbalizou alguma impossibilidade de quantificação dos valores de IVA recebidos em cada um dos períodos tributários, relativamente aos quais recolheu e juntou aos autos documento comprovativo do pagamento, que permita ao tribunal concluir que a testemunha não logrou quantificar os montantes de IVA recebidos.

6a A referida testemunha limitou-se a responder às perguntas que lhe foram formuladas e, por comodidade de exposição, a remeter para os documentos (anexos) que juntou ao auto de notícia, que comprovam recebimento de valores de IVA.

7a Assim, quando o tribunal conclui que a testemunha (M G) não logrou apurar quais os montantes efectivamente recebidos e, em sede de factos provados faz constar que a sociedade recebeu quantias de IVA cujo montante não foi possível quantificar, existe, em nosso entender, erro notório na apreciação da prova.

8a Salvo o devido respeito por melhor entendimento, o tribunal não pode confundir a falta de prova do facto com a ausência de contabilização dos valores apurados como recebidos pela sociedade em cada um dos períodos tributários em causa, quando os documentos que permitem a determinação dos montantes se encontram juntos aos autos e foram objecto da prova examinada em audiência de julgamento.

9a Ora, encontrando-se documentado o recebimento de alguns valores de IVA é possível/exigível ao tribunal determinar/quantificar quais os valores que se encontram documentados ou solicitar apoio técnico para realização da correspondente operação de determinação dos valores recebidos em cada um dos períodos tributários em causa.

1 0 Realizada uma análise aos elementos de prova documental juntos aos autos, designadamente aos anexos indicados na parte III do presente motivação de recurso, verifica-se que se encontra documentalmente demonstrado que a sociedade Sotave das mercadorias facturadas no mês de Julho de 2004 recebeu 18.279,38 Euros de IVA; dos bens vendidos em Agosto de 2004 recebeu 8.011,27 € de IVA; de Setembro 10.195,46 € de IVA e de Outubro recebeu a quantia de 14.774,58 € de IVA, até 90 dias após a data limite de pagamento relativamente a cada um dos referidos períodos tributários.

11a A decisão recorrida ao dar como provado que a sociedade recebeu quantias de IVA em montantes não apurado, ao não quantificar os valores de IVA recebidos pela sociedade, fornecendo os autos elementos para o efeito, incorreu em erro notório na apreciação da prova na medida em que desconsiderou os elementos de prova documental e não deu a devida relevância ao depoimento da testemunha M G.

1 2 A decisão recorrida enferma do vício de contradição insanável na fundamentação e entre esta e a decisão, na medida em que dá como assente que se encontra demonstrado o recebimento de importâncias de IVA e que não foi possível quantificar o montante recebido.

1 3 Ora, se está demonstrado o recebimento de valores de IVA, com base em recibos emitidos pela So, na cópia dos meios de pagamentos pelos seus clientes, como seja o desconto e reforma de letras, pagamento por cheques, etc, basta contabilizar os montantes recebidos que se encontram comprovados nos autos para determinar um valor de imposto que foi seguramente recebido pela sociedade.

1 4 A decisão recorrida não fundamenta a razão de não ter sido possível determinar as quantias de IVA recebido pela sociedade So, em cada um dos períodos tributários, pelo contrário, limita-se a afirmar, de forma inverosímil, que a testemunha MG não logrou apurar os montantes efectivamente recebidos e que não foi possível quantificar as quantias recebidas.

150 Afigura-se-nos que existe, nesta parte, contradição entre a fundamentação e a decisão, pois que apesar de ter considerado comprovado nos documentos juntos aos autos o recebimento de IVA - postergando a necessária operação de quantificação dos concretos valores recebidos que se encontram demonstrados — conclui que não foi possível quantificar os montantes de IVA recebido.

16° A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que leve aos factos provados que a sociedade So, que nos períodos tributários de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2004, recebeu IVA em montante superior a 7.500,00 Euros, até ao limite do prazo de 90 dias após a data limite de pagamento, e inclua na condenação dos arguidos pela prática do crime de crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, a falta de entrega de IVA nos referidos períodos tributários.

1 7 Em sede de pedido de indemnização civil, deverá a decisão ser alterada de modo a incluir na condenação as prestações de IVA que os arguidos estavam obrigados a entregar ao Estado.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue provada a falta de entrega de IVA liquidado e recebido em montante superior a 7.500,00 euros m cada um dos períodos tributários supra referidos e inclua esta factualidade na condenação dos arguidos pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, e condene ainda os arguidos no pagamento dos valores de IVA que os mesmos estavam obrigados a entregar ao Estado.

(ii) Arguido R 1. O presente recurso circunscreve-se à condenação a que foi sujeito o Arguido, ora Recorrente, pela prática, como autor material, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 6.°, n.° 1, 7•0, n.° 3 e 105.°, n.° 1 do RGIT e 30.°...

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