Acórdão nº 2764/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelFILIPE MELO
Data da Resolução20 de Outubro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: Nos autos de Processo Comum Colectivo 483/06.5GCBRG, foi proferido acórdão em que a final e além do mais se decidiu: “…Condenar o arguido António como autor de um crime de homicídio na forma tentada, p e p. pelos arts. 22, 23 e 131 do CP na pena de três (3) anos de prisão.

Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e condenar o arguido demandado a pagar à ofendida demandante a quantia de 3.500€, absolvendo-o do restante pedido.” Inconformada, recorre o arguido, concluindo a sua motivação pela seguinte forma, que se transcreve: 1- A pena de 3 anos de prisão efectiva aplicada ao arguido pelo Tribunal "a quo", não foi a melhor opção em termos de politica de aplicação de penas; 2- Foi excessiva e não teve em conta os princípios basilares da prevenção especial ou de socialização que devem acompanhar a medida concreta da pena, devendo por isso ser reduzida; 3- A pena aplicada nada teve de ressocializadora; 4- O Tribunal "a quo" não teve em atenção o disposto no artigo 40.0 do C.P. no que respeita à reinserção do agente na sociedade, pois como é pacificamente aceite, a "cadeia" não é pressuposto de reinserção social e muito menos uma escola de reeducação; 5- A referida pena produz um efeito contrário ao da reintegração do arguido na sociedade: 6- Ao cominar-lhe uma pena tão severa, o Tribunal recorrido mais não faz do que cortar e ceifar qualquer integração do arguido na sociedade; 7- O douto acórdão viola entre outros os nºs 1 e 2 do artigo 410. ° Código de Processo Penal, o artigo 396.0 do Código Civil e o artigo 655.0 do Código de Processo Civil, em virtude de as concretas provas imporem decisão diversa da recorrida.

8- Impugna-se, pelo facto de a prova impor decisão diversa da recorrida, o entendimento do tribunal "a quo" quando considera que o arrependimento do arguido não foi espontâneo, nem interiorizado e que, apesar de ter confessado, não manifestou auto-censura.

9- O arguido confessou os factos, demonstrou o seu arrependimento e tem consciência da gravidade dos factos que cometeu.

10- O arrependimento sincero e espontâneo, bem como a consciência da gravidade da sua conduta, estão bem patentes no depoimento do arguido, que afirmou de forma convicta: "o que eu quero dizer é que estou arrependido" (lado A da cassete, rotações 084 e seguintes); 11- E: "não, não Or.8, prometi que nunca mais acontecia nada" (lado A da cassete, rotações 225 e seguintes); 12- E ainda, "não, não, não … isso aconteceu aquilo o que aconteceu, mas não fazia mais nada (… )" (lado A da cassete, rotações 234 e seguintes).

13- Após o sucedido, o arguido não fugiu nem ocultou os factos que cometeu (vide depoimento do arguido, lado A da cassete, rotações 164 e 167, in pago 9 das motivações), confessou e sempre se demonstrou colaborador e cumpridor das regras que lhe foram impostas.

14- O tribunal recorrido, face à prova produzida, não podia ter apenas considerado como provado que o arguido exerce uma mera actividade profissional, sem atender a que se trata de um empregado exemplar e cumpridor das suas obrigações.

15- O tribunal recorrido deveria ter dado como provado o facto do arguido se encontrar integrado socialmente e ter um trabalho fixo, tal como podemos constatar pelo depoimento da testemunha C, constante da gravação do lado B da cassete, rotações 068 e 069 e seguintes, encarregado do arguido, que o caracterizou como empregado exemplar e cumpridor das suas obrigações e afirmou nunca o ter visto alcoolizado.

16- Não atendeu a que na data dos factos o arguido ingeria bebidas alcoólicas e desde essa data se mantém em abstinência de consumo das mesmas.

17- O tribunal recorrido, atendendo às declarações do arguido (lado A da cassete, rotações 327) que diz que "agora só bebo água (. .. ) agora é só água que bebo, já há bastante tempo, desde aí ( ... )" e do depoimento da testemunha C (lado B da cassete, rotações 069) que afirmou nunca ter visto o arguido embriagado, não podia dar como provado que o arguido, depois da medida de coacção que lhe foi imposta pelo tribunal, "continuou a embriagar-se".

18- O tribunal recorrido deu, ainda, como provado que o arguido "actualmente pretende continuar a viver com a ofendida e continua a manifestar ciúmes dela".

19- Ao considerar tal facto como provado, o tribunal "a quo" decidiu em total desconformidade com a prova produzida em audiência de julgamento, pois, o arguido declarou: "se a mulher está com ideias de separação, estou de acordo em fazer a separação" (lado B da cassete, rotações 228).

20- Não atendeu ao facto de o arguido demonstrar e dizer, de forma livre, sincera e espontânea, que se encontra disposto a aceitar as decisões da esposa; 21- Salvo devido respeito, o Ilustre colectivo violou o disposto no artigo 71.° do C.P., porquanto na determinação da pena não atendeu a todas as circunstâncias que devem concorrer para a fixação concreta da pena; 22- O arguido não tem antecedentes criminais e, mesmo a aceitarmos que a pena aplicada deveria ser a pena de prisão, deveria a respectiva execução ter ficado suspensa, termos em que o Ilustre Tribunal Colectivo violou o artigo 50.° n.º1 e 2 do C.P.

23- O juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, o sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, deve reportar-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime e deve ter-se esperança de que o arguido, em liberdade, adira, sem quaisquer reservas, a um processo de socialização.

24- Pelo próprio depoimento do arguido, lado A da cassete, rotações 057 a 062, onde refere e repete" ( .•. ) eu faço tudo que vocês quiserem (m)", tendo inclusive o tribunal recorrido considerado como facto provado que o arguido consentiu em submeter-se a tratamento no alcoolismo caso fosse essa a decisão do tribunal, demonstra que o "agente tem clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva da condenação".

25- Perante os factos que se considera deverem ter-se por provados, e demais circunstâncias resultantes dos autos relativamente à prática do crime, as circunstâncias da sua prática. a pessoa do arguido e a sua postura de completo arrependimento, justifica..se a aplicação de uma pena mais benevolente, suspensa na sua execução.

26- O tribunal recorrido, no que concerne ao pedido de indemnização cível, não tem em consideração o principio da equidade, violando o disposto no artigo 496.°, nº 1 e 3, em especial na sua remissão para o disposto no artigo 494.°, todos do Código Civil, ex vi artigo 129.° do Código Penal, bem como desconsidera os critérios de prudência, razoabilidade, condições pessoais e socio-económicas do lesante, aquando a aplicação do quantum indemnizatório 27- O arguido aufere 435€ mensais com os quais tem de fazer face a todas as despesas de subsistência e ainda pagar a pensão de alimentos ao seu filho menor.

28- Da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, das circunstâncias em que praticou o facto e da conduta que manteve após o mesmo, resulta que a censura do facto e a ameaça de prisão são idóneos a permitir a formulação de um juízo de confiança na capacidade do arguido, devendo por isso a pena a aplicar-se ser suspensa na sua execução.

29- Ao decidir de modo diferente, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 40.°, 70.°, 71.0 e 72.0 do Código Penal, 127.° e 410.0 do Código de Processo Penal, 396.° e 655.0 do Código Civil, 496.° e 494.0 do Código Civil.

Na 1ª instância o Ministério Público respondeu, concluindo pela manutenção da decisão recorrida e nesta Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual conclui pela procedência parcial do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no artº417º nº2 do C.P.P.

* Decisão fáctica constante da sentença recorrida: (transcrição): O arguido e a ofendida Maria são casados há cerca de 24 anos.

Desse casamento existem três filhos, com 23, 18 e 10 anos de idade.

Desde há, pelo menos, 10 anos que eram frequentes as discussões entre o casal, motivadas pelos ciúmes do arguido e que ocorriam, sobretudo, quando este se encontrava embriagado, estado frequente e praticamente diário.

O arguido fez tratamentos médicos em virtude do alcoolismo, no decurso dos quais muitas vezes abandonava a medicação e reiniciava o consumo excessivo de álcool.

Actualmente frequenta consultas de rotina, de 6 em 6 meses.

Desde Dezembro de 2005 que o arguido e a ofendida viviam em casas separadas, habitando o arguido, desde essa data até ao dia 25 de Abril de 2006, o rés-do-chão da casa onde habitavam a ofendida e os filhos de ambos, embora a ofendida continuasse a confeccionar as suas refeições e a lavar-lhe a roupa.

Nesse período o arguido encontrava-se desempregado e passava os dias nos cafés, ingerindo bebidas alcoólicas em excesso e apresentando-se quase sempre embriagado.

Apesar de dormir no rés-do-chão, nesse período, o arguido continuou a procurar a ofendida, provocando discussões entre ambos, em virtude de ele lhe dirigir insultos, dizendo que ela conviva com outros homens, fazendo referência às horas tardias a que chegava a casa.

Essas discussões eram diárias, motivadas pelos ciúmes do arguido e pelo seu estado de alcoolismo.

Em virtude dessas discussões e agressões à ofendida e do estado quase permanente de embriaguês do arguido as suas filhas maiores cortaram relações com ele.

No dia 25 de Abril de 2006, cerca da 1 hora e 30 minutos, quando a Maria se encontrava a chegar à sua residência sita na x, n.1 em Braga, foi abordada na via pública pelo arguido que a esperava há cerca de 1,30 horas, sentado junto ao passeio.

Ao vê-la chegar, o arguido dirigiu-se a ela empunhando uma faca e dizendo que a ia matar.

A ofendida gritou, dizendo que vinha de trabalhar, receando o arguido, dada a hora tardia, e o arguido, de imediato, espetou-lhe a faca na região toráxica lateral direita e esquerda, ombro esquerdo.

A ofendida...

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