Acórdão nº 3247/20.0T8BRG-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelELISABETE COELHO DE MOURA ALVES
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório*Na acção declarativa de condenação emergente de acidente de viação que B. B. intentou contra X Companhia de Seguros, SA, foi proferido despacho datado de 10.12.2020 (ref.ª elect. 170894755), que indeferiu a presença de Assessor Técnico no exame médico legal a realizar nos autos na pessoa da autora, presença que havia sido requerida pela ré seguradora por requerimento de 9.12.2020 (ref.ª electrónica 10856405), ao abrigo do art. 480.º, n.º 3 do C.P.Civil.

Inconformada com esta decisão, a ré seguradora apresentou o presente Recurso de Apelação, cujas conclusões se transcrevem:

  1. Nas perícias médico-legais a lei de processo civil prevê, explicitamente, a possibilidade das partes poderem assistir a realização da perícia e fazer-se assistir por assessor técnico.

  2. Com efeito, o diploma que prevê o modo de realização da perícia médico-legal (Lei n.º45/2004, de 19/08) não tem qualquer norma que afaste o regime geral das perícias previsto no CPC, apenas referindo-se a inaplicabilidade dos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal, mas quanto ao processo civil é totalmente omisso.

  3. Aliás, precisamente por se tratar de perícia singular, e não colegial, a realizar pelo estabelecimento oficial legalmente previsto – INML – é que faz mais sentido a assessoria técnica, já que as partes não podem nomear os seus peritos.

  4. Enquanto o consultor técnico previsto no artigo 155 do CPP pode “propor a efetivação de determinadas diligências e formular observações e objeções, que ficam a constar do auto”, o assessor técnico apenas pode assistir a realização sem interferir na mesma.

  5. Como se nota, a mesma Lei que impede a presença de consultor técnico admite a presença de pessoa de confiança da parte para a acompanhar e para assistir ao exame em processo-crime. Por maioria da razão e por uma questão e de igualdade das partes, mas em processo civil, a lei adjetiva admite que as partes possam assistir a realização da perícia como também fazerem-se assistir por assessor técnico.

  6. Entende-se que a presença de um assessor técnico no caso dos autos não é suscetível de ofender o pudor da A. ou implique quebra de sigilo que o tribunal entenda merecer proteção, uma vez que são profissionais da área de medicina indicados de acordo com a especialidade de cada exame pericial que vai ser realizado e o exame foi requerido pela Recorrida.

  7. Inibir à parte de assistir uma produção de prova como é a realização de um exame pericial, que não venha a merecer oposição da parte que irá ser avaliada, é violar a disposição prevista no artigo 480, nº 3 do CPC e uma errada interpretação da Lei Especial 45/2004 de 19/84, artigo 3º nº 1 o que salvo o devido respeito, põe em causa princípios fundamentais da interpretação das normas jurídicas e ainda o princípio do contraditório (c. Ac. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 1864/17.4T8LRA-A.C1, datado de 28-11-2018).

    *Pela autora foram apresentadas contra-alegações, apresentando as seguintes conclusões: «1.º - O presente recurso não merece provimento, devendo ser integralmente confirmado o douto despacho recorrido, com a referência 170894755.

    1. - Nas suas doutas alegações, o recorrente invoca que, contrariamente à decisão do despacho recorrido, que é admissível a presença de um assessor técnico na perícia médico-legal, em causa no processo comum que corre termos no tribunal a quo.

    2. - Como é evidente e acompanhando a decisão proferida pelo tribunal a quo no despacho, agora, recorrido defende-se a inadmissibilidade da presença de assessor técnico na perícia médico-legal em causa.

      Vejamos: 4.º - No dia 10.12.2020, foram as partes notificados do indeferimento da assessoria por despacho, o qual se pronuncia no seguinte entendimento: “Este tribunal já por diversas vezes se pronunciou sobre a inadmissibilidade de nomeação de assessor técnico, em caso de perícia médico-legal, bem sobre a inadmissibilidade de nomeação de Peritos pelas partes, entendimento que ainda hoje, salvo o devido respeito, continua a manter.” 5.º - De acordo com douto despacho, a perícia médico-legal de avaliação do dano corporal sofrido pela autora tem de ser feita pelo INML e por perito (s) designado (s) pelos dirigentes ou coordenadores dos respetivos serviços.

    3. - Ainda de acordo com o despacho recorrido, neste tipo de perícia, considerando o teor da citada Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto e a norma remissiva do art.467.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, nas perícias médico-legais não há lugar à assistência de consultores técnicos das partes. Trata-se de um regime especial que prevalece sobre a norma geral das perícias contida no n.º 3 do art.480.º do Código de Processo Civil.

    4. - De salientar, ainda, e conforme o disposto no douto despacho, “os nºs 1 e 2 do citado art.21.º definem que pessoas intervêm nos exames e perícias no âmbito da perícia médico-legal e forense, não incluindo aí os consultores técnicos das partes. Acresce que o nº1 do art.3º desse diploma exclui expressamente das perícias médico-legais a assistência de consultores técnicos prevista no 155.º do Código de processo Penal. Por igualdade de razões, também no âmbito civil deve valer essa exclusão”.

    5. - Como vimos, a assistência dos consultores técnicos é expressamente excluída das perícias médico-legais pelo n.º 1 do art.3.º da Lei n. º 45/2004, mas importa perceber se esta exclusão também se aplica ao assessor técnico, mencionado no n.º 3 do Código de Processo Civil, tendo sido a presença desta figura que foi requerida pela recorrente.

      Vejamos as funções do consultor técnico (CPP) e do assessor técnico (CPC).

    6. - O assessor técnico assiste o advogado quando se suscitam questões de natureza técnica para as quais não tenha a necessária preparação, de acordo com o disposto no art.º 50.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Por outro lado, “fundamentalmente o consultor técnico faz assessoria de natureza técnico/científica a quem o indicou” – CPP Comentado, 2014, António Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Pereira Madeira e Henriques da Graça, pg. 662, anotação ao art.º 155.º.

    7. - De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 164/17.4PTAMD-A.L1-5, de 22-09-2020, relatado por Paulo Barreto, posição esta que estamos expressamente de acordo: “Fundamentalmente, as funções do consultor técnico, que são as de coadjuvar o MP, o arguido, o assistente ou as partes cíveis, com conhecimentos técnicos que não são do domínio de um jurista, incluem e esgotam as do assessor técnico.

      Assim, mais do que apreciar se estão em causa as mesmas figuras, importa destacar que, face à respetiva natureza, as funções do assessor técnico no processo civil são desempenhadas pelo consultor técnico no processo penal.

      Concluindo-se, deste modo, que a figura do consultor técnico prevista no art.º 155.º do CPP inclui e esgota as funções que, no âmbito do CPC, estão definidas para o assessor técnico(…)”.

    8. - Sendo assim, e tendo por base o supra mencionado, a exclusão da assistência dos consultores técnicos, prevista no n.º1 do art.3.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, deve ser aplicada também aos assessores técnicos, previstos no n.º 3 do art.480.º do código de processo civil, tendo em conta e tendo por base o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 164/17.4PTAMD-A.L1-5, de 22-09-2020, relatado por Paulo Barreto, que as funções do consultor técnico, que são as de coadjuvar o MP, o arguido, o assistente ou as partes cíveis, com conhecimentos técnicos que não são do domínio de um jurista, incluem e esgotam as do assessor técnico.

    9. - Esta exclusão das assistências do consultor técnico e do assessor técnico faz redondamente sentido, tendo em conta a natureza das perícias do INML - o Instituto Nacional de Medicina Legal é, pois, a Instituição de referência nacional na área científica da medicina legal, desenvolvendo a sua missão pericial em estreita articulação funcional com as autoridades judiciárias e judiciais no âmbito da administração da justiça, na observância das normas e dos princípios legais e éticos que asseguram o devido respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

    10. - O legislador ao introduzir uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica, conforme o disposto nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/2001 e 31/91.

    11. - Como vimos, tendo em conta que os peritos do INML gozam de total autonomia, ao se permitir que um assessor técnico assista à perícia médico-legal, não estaríamos a pôr em causa esta autonomia e imparcialidade que tão bem caracteriza os peritos do INML? 15º - Pois não se deve reconhecer essa passividade que é atribuída pela recorrente à figura do assessor técnico, como demonstram os n.º 4, do art.º 50.º e n.º4, do art.º 480.º, ambos do Código de Processo Civil o assessor técnico, em coadjuvação da parte, pode fazer as observações que entenda.

    12. - Sendo assim, faz total sentido a exclusão da assistência técnica nas perícias médico-legais, por um lado se está expressamente excluída a assistência dos consultores técnicos, também a mesma deve ser excluída aos assessores técnicos tendo em conta que as funções do consultor técnico incluem e esgotam as do assessor técnico, por outro lado esta exclusão irá garantir a manutenção da total autonomia e imparcialidade que tão bem caracterizam os peritos do INML.

    13. - De salientar também a posição do tribunal a quo, no douto despacho quanto à proteção da intimidade e do sigilo médico, posição que também adotamos. Convenhamos devido à idade avançada da recorrida seria zeloso agir de forma a não ofender o seu pudor, e para além disso a recorrida tem o direito a resguardar o seu corpo a estranhos que não os peritos do...

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