Acórdão nº 385/19.5T8AVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARGARIDA PINTO GOMES
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: AA e BB, instauraram ação declarativa de condenação com processo comum contra CC, pedindo que: a) se declare a resolução do contrato de arrendamento urbano celebrado entre os Autores e o Réu, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção resultante da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto; b) se condene o Réu a proceder à desocupação do imóvel locado, devendo o mesmo ser entregue aos Autores, livre de pessoas e bens; c) se condene o Réu no pagamento do valor das rendas vencidas no montante de €2.655,00, bem como ao pagamento das rendas vincendas até à efectiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora; d) se condene o Réu nas custas processuais.

Alegam os autores serem donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., União das Freguesias ... (...), ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...59 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art.º n.º ...50, sendo que, quando os Autores adquiriram o prédio supra identificado, no ano de 1976, o mesmo já se encontrava arrendado aos pais do Réu, não tendo sido reduzido a escrito.

Após o falecimento dos pais do Réu, o que ocorreu há, pelo menos, mais de dez anos, assumiu aquele a posição de arrendatário daquele imóvel.

O montante da renda mensal, inicialmente paga pelos pais do Réu e depois por este, nunca foi actualizado, sendo que o Réu estava obrigado a efectuar, assim, o pagamento de uma renda mensal no valor de 15 euros.

Sucede que não obstante o Réu estar obrigado ao pagamento mensal do valor da renda no montante de 15 euros, há 15 anos que tal pagamento não é efectuado, apesar de, por diversas vezes, o mesmo ter sido interpelado para efectuar o pagamento das rendas em atraso, encontrando-se em dívida, até à presente data, o montante de € 2.655,00 (177 meses x €15,00).

Para além de não efectuar o pagamento do valor da renda convencionado, o Réu vive e convive no imóvel arrendado com dezenas e dezenas de gatos que passeiam livremente quer pelo exterior, quer pelo interior do imóvel, fazendo as suas necessidades fisiológicas no interior da habitação, onde quer que seja, contribuindo para a grave deterioração do imóvel arrendado, gerando ainda graves problemas de higiene e possíveis problemas de saúde (incluindo pública) que, para além de afectarem o próprio Réu, afectam também os moradores dos prédios vizinhos.

Os Autores já tentaram por inúmeras vezes contactar o Réu sensibilizando-o para os graves problemas de higiene causados pela utilização imprudente e descuidada que aquele faz do imóvel arrendado, não tendo até à presente data tais avisos surtido quaisquer efeitos.

Os Autores procederam, inclusive, à interpelação formal do Réu, mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, datada de 11 de Dezembro de 2018, solicitando que este procedesse à entrega do bem imóvel em causa devoluto de pessoas e bens.

Foram inclusive tomadas diversas diligências, nomeadamente junto do Instituto da Segurança Social, I.P., para que pudesse ser providenciada a ajuda social de que o Réu manifestamente necessita, sendo que, não obstante terem sido tomadas diversas iniciativas com vista à promoção de soluções adequadas a proporcionar ao Réu adequadas condições de habitabilidade junto dos diversos organismos públicos competentes, o mesmo recusa terminantemente quaisquer alternativas ao abandono do imóvel arrendado.

Apesar de os Autores reconhecerem a situação de carência económica e social em que o Réu vive, o facto é que os mesmos não podem mais tolerar que um prédio urbano que é sua propriedade se mantenha ocupado por um arrendatário que não paga qualquer montante, por mais irrisório que seja, a título de renda mensal e que, para agravar toda a situação, leva a cabo uma conduta que contribuí para a sua grave deterioração e perda de utilidade económica, sendo que o estado de deterioração em que o prédio se encontra impede que imóvel venha a ser objecto de futuros novos contratos de arrendamento, sem que previamente seja levada a cabo uma profunda operação de limpeza e reabilitação.

Citado veio o Réu apresentar contestação alegando que reside há mais de 20, 30 e 35 anos que reside no imóvel propriedade dos Autores de que é arrendatário.

Pagava a respetiva renda e os senhorios emitiam o respetivo recibo. Sucede que, pelo menos desde fevereiro de 2002, os senhorios não mais emitiram os recibos de quitação e isto apesar das diversas interpelações do Réu e de terceiros, que por si entregavam as quantias em dinheiro, aos senhorios.

O valor devido pela renda era pago, contudo não era emitido o recibo.

Alega ainda ser absolutamente falso que o Réu dê um uso imprudente ao imóvel sendo que, quase diariamente, o Réu tem auxílio de pessoas amigas para as tarefas de higienização da habitação e rossios; O Réu tem 61 anos de idade, padece de graves problemas de saúde, nomeadamente de locomoção, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente de 70%, Vem o Réu alegar que os Autores devem ser responsabilizados pelos danos não patrimoniais causados ao Réu, na medida em que, o Réu confrontado com a possibilidade de ser despejado daquela que sempre foi a sua casa de morada, desde que deixou de ser emigrante, ficou angustiado, triste e desgostoso e bastante ansioso, danos morais que merecem a tutela do direito e que devem ser fixados em quantia não inferior a €2.000,00 (dois mil euros).

Saneado o processo foi designada data para a audiência de discussão e julgamento.

A 3 de fevereiro de 2022 as partes juntaram aos autos a seguinte transação: I.

Autores e Réu acordam na imediata cessação, por acordo, do contrato de arrendamento referido nos autos.

II.

Os Autores consentem, contudo, que o Réu, a título de comodato, permaneça gratuitamente no referido prédio até 31/05/2022, data em que o terá que entregar aos Autores devoluto de pessoas e bens.

III.

O Réu reconhece expressamente que não liquidou aos Autores, em número que não consegue esclarecer, mas sempre superior a 36 meses, as mensalidades respeitantes à renda acordada.

IV.

As partes renunciam ao prazo do recurso.

V.

Custas a cargo do Réu.

A 4 de fevereiro de 2022 foi proferida a seguinte sentença: “Nos presentes autos de Ação de Processo Comum nº 385/19.... que AA e BB move contra CC, por se mostrar válida, quer pela qualidade dos intervenientes, quer pela natureza disponível do objeto, homologo pela presente sentença a transação que antecede, condenando e absolvendo nos seus precisos termos, ao abrigo do disposto nos artigos 1248.º a 1250.º do Código Civil e artigos 277.º, al. d), 283.º, 284.º, 287.º, 288.º, 289.º, 290.º, 291.º, todos do Código de Processo Civil.

Custas conforme o acordado - cf. artigos 527.º e 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e artigos 1.º, 3.º e 6.º, do Regulamento das Custas Processuais e tabela I anexa.

Registe e notifique.

Foram os presentes logo notificados da sentença que antecede, do que disseram ficar cientes.

Inconformado com a sentença veio o Réu CC recorrer da mesma apresentando as seguintes conclusões: 1- O recorrente não se pode...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT