Acórdão nº 19/21.8PEBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO FREITAS PINTO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório Decisão recorrida No âmbito do Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 19/21.8PEBGC do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Central Cível e Criminal de Bragança, foi proferido no dia 2 de março de 2022, o seguinte acórdão, cuja parte decisória se transcreve: “Pelo exposto, decide o tribunal julgar a acusação pública procedente e, em consequência: - condenar os arguidos R. J. e F. M., em co-autoria material, cada um na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a), do Dec. Lei n.º15/93, de 22 de janeiro, as quais são suspensas na sua execução, sendo que quanto ao arguido R. J. a suspensão fica ainda sujeita a regime de prova com a obrigação de realizar durante o período de suspensão acompanhamento médico e terapêutica adequada às suas necessidades de adição pelo mesmo período, nos termos dos arts. 53º e 54º do Código Penal; - declarar perdido a favor do Estado Português o produto estupefaciente apreendido nos autos e ordenar a sua destruição; - declarar perdidos a favor do Estado Português os valores, telemóveis, cartões apreendidos aos arguidos condenados e ordena-se a sua destruição, à exceção do dinheiro; O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 36.º n.ºs 2, 4 e 5 do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro e do artigo 110.º, n.º 1 al. b) e 4 do Código Penal requereu ainda que se declare a perda das vantagens obtidas pelos arguidos F. M. e R. J. com a prática dos factos.

Contudo não se pode dar como provados o ganho na quantia de €7.075,00 (sete mil e setenta e cinco euros), razão pela qual improcede nesta parte o requerido.

*- condenar os arguidos supra condenados no pagamento das custas criminais do processo (artigo 514º, n.º1, do Código de Proc. Penal), fixando a taxa de justiça em 3UC´s para cada um deles (artigo 513º, n.º1, do Código de Processo Penal, e 8º, n.º9, do Regulamento das Custas Processuais)”.

*Recurso apresentado Inconformado com a decisão, na parte relativa à improcedência do pedido de declaração de perda das vantagens obtidas pelos arguidos F. M. e R. J. com a prática dos factos, o Ministério Público veio interpor o presente recurso e após o motivar, apresentou as seguintes conclusões e petitório, que se reproduzem: “1.ª O Ministério Público, na acusação pública deduzida, ao abrigo do disposto no artigo 36.º, n.º 2, 4 e 5 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro e do artigo 110.º, n.º1, alínea b) e 4 do Código Penal, requereu que fosse declarada a perda das vantagens obtidas pelos arguidos com a prática dos factos que, em abstracto, consubstanciava a comissão por acção de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com o fundamento de que no âmbito da actividade de compra e venda de produto estupefaciente aqueles conseguiram obter benefícios patrimoniais traduzidos na diferença entre o preço a que adquiriam as respectivas doses de heroína/cocaína e o preço a que as revendiam a terceiros consumidores, para, no ponto 3 concluir que com a referida actividade criminosa, os arguidos obtiveram uma vantagem patrimonial de, pelo menos, de € 7 075,00 (sete mil e setenta e cinco euros).

  1. O Tribunal a quo deu como único facto não provado que “1. Os arguidos obtiveram a quantia de € 7. 075,00 (sete mil e setenta e cinco euros)”, referindo, tautologicamente, que a sua falta de prova, resulta da ausência de prova nesse sentido, ou seja, não foi possível provar que arguidos obtiveram a quantia de € 7 075,00 (sete mil e setenta e cinco euros).

  2. Fica-se sem saber por que motivo/razão não foi possível provar tal facto? Porquê? É necessário saber quais as razões que levaram o Tribunal a quo concluir naquele sentido probatório e conhecer o percurso lógico e racional conducente à convicção formada.

  3. A omissão assim detectada é causa de nulidade do acórdão de que se recorre, conforme determina o artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, em resultado do que se impõe que seja suprida através da reformulação da decisão, de modo a que nela constem as razões que relevaram para a impossibilidade do apuramento da apontada matéria de facto e qual o percurso lógico e racional que o Tribunal a quo seguiu na sua ponderação e valoração até chegar a tal resultado.

  4. Pelo exposto, deve o acórdão recorrido ser declarado nulo por falta de fundamentação quanto ao aspecto acima indicado e, em consequência, ser determinada a sua substituição por outro que supra a apontada nulidade, nos termos enunciados.

  5. Dispõe o artigo 344.º do Código de Processo Penal que: “1. No caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o presidente, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas.

    1. A confissão integral e sem reservas implica: a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados; b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, a determinação da sanção aplicável; e c) Redução da taxa de justiça em metade.

    2. Exceptuam-se do disposto do número anterior os casos em que: a) Houver co-arguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles; b) O tribunal, em sua convicção, suspeitar do carácter livre da confissão, nomeadamente por dúvidas sobre a imputabilidade plena do arguido ou da veracidade dos factos confessados; ou c) O crime for punível com pena de prisão superior a 5 anos.

    3. Verificando-se a confissão integral e sem reservas nos casos do número anterior ou a confissão parcial ou com reservas, o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova.

    Neste artigo estabelecem-se, assim, dois regimes distintos (n.º s 2 e 3).

  6. Da análise do texto do acórdão recorrido, verificamos que, na motivação da decisão de facto se refere terem sido ponderadas, para além do conteúdo de vários documentos juntos aos autos, bem como o relatório da perícia efectuada aos produtos estupefacientes apreendidos, as declarações dos co-arguidos que assumiram de forma sentida, sincera e espontânea os factos que lhes estavam imputados e constavam na acusação pública. Porém, deu-se como não provado que os arguidos obtiveram a quantia de € 7.075,00 (sete mil e setenta e cinco euros).

  7. Inexistindo dúvidas de que o facto que foi considerado como não provado estava dentro do alcance cognitivo dos arguidos, podendo perfeitamente ser por eles confessado ou negado, e que tal facto era um dos que lhe vinham imputados, logo uma perplexidade nos assalta: mas então os arguidos fizeram ou não fizeram uma confissão integral e sem reservas, como consta da acta da única sessão da audiência de julgamento.

  8. O tribunal alude a uma confissão dessa natureza, mas depois considera como não provado um dos factos com relevância criminal (a vantagem/proveito decorrente da prática de um facto típico, ilícito e culposo).

  9. Há uma notória contradição na fundamentação da decisão de facto. Ou bem que os arguidos fizeram uma confissão integral e sem reservas e então não podia ser considerado como não provado aquele facto, ou então não houve confissão com a amplitude que foi referida na motivação da decisão de facto.

  10. Não se percebe como é que se dão como provados que “3. Para o transporte da Heroína e Cocaína, os arguidos utilizavam o veículo com a matrícula FV, pertencente à arguida” e que “12. O veículo com a matrícula FV era utilizado pelos arguidos para transportarem Heroína e Cocaína que, posteriormente, iriam ceder a terceiros consumidores” para na motivação de facto se fazer constar “que o veículo apenas foi utilizado uma única vez na deslocação efectuada, sendo um episódio único no tempo”.

  11. Mas em que é que ficamos?: o veículo em causa era utilizado nas deslocações ao Porto, no período assinalado em 1. dos factos provados, para aquisição das ditas substâncias ou só foi utilizado a 24.04.2021, dia em que os arguidos foram detidos. É que importa que isto fique esclarecido para efeitos fundamentação de declaração de perda ou não a favor do Estado do referido veículo.

  12. Não se percebe igualmente como é que se dão como provados: - que os arguidos adquiriam cada dose de heroína e cocaína pelo preço de € 5,00 (cinco euros); - e que nos períodos temporais e ocasiões vertidos no ponto 4. entregaram as referidas substâncias a terceiros consumidores, deles tendo recebido, como contrapartida, as quantias monetárias de €10,00 e € 20,00 por cada dose, para depois, dar como não provada a obtenção da quantia de € 7 075,00. Tiveram ou não os co-arguidos proveitos decorrentes da prática do facto típico, ilícito e culposo que cometeram.

    Tudo aponta nesse sentido. Mas o tribunal a quo, deu como não provado a total inexistência de proveitos, sem apresentar qualquer justificação.

  13. Em que ficamos? Houve ou não uma confissão integral e sem reservas –ao que não obstava ao facto de o crime imputado ser punível com pena superior a 5 anos, desde que o tribunal assim a aceitasse, dispensado a produção de mais prova, caso em que, tendo havido, o tribunal não a valorou devidamente, sendo então de considerar notório o erro-vício por violação das regras da prova vinculada, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP. Ou, pelo contrário a confissão foi apenas parcial e o tribunal referiu-se-lhe indevidamente como sendo uma confissão integral e sem reservas, caso em que, face ao teor do acórdão, estamos perante o vício da contradição insanável na fundamentação da decisão de facto. A resposta temos de a ir buscar à acta de julgamento.

  14. Nesta acta, primeiro consigna-se que os arguidos confessaram integralmente...

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