Acórdão nº 87/21.2GBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO ALMEIDA CUNHA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO 1.

Decisão recorrida No âmbito do processo abreviado n.º 87/21...., que corre os seus termos no Juízo Local Criminal ..., foi proferida sentença, datada de 06.04.2022, que condenou o arguido AA nos seguintes termos (transcrição): “

  1. Condeno o arguido AA, pela prática, em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, e pela prática de um crime de condução ilegal previsto e punido no artigo 3.º n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3-1, na pena de seis meses de prisão e, em, cúmulo jurídico na pena única de dez meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação (no espaço físico da residência e durante 24h/dia), nos termos do artigo 43.º/1 e 2 do Código Penal, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância nos termos regulamentados na Lei n.º 33/2010, de 2/9.

    b) Vai ainda o arguido condenado na pena acessória de um ano e seis meses de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública – artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

    ” 2.

    Recursos 2.1.

    Inconformado parcialmente com esta decisão, o MINISTÉRIO PÚBLICO recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição): “(…) 1ª) Resultou provado, entre o mais, que no dia 09/03/2021, pelas 19H30m, na via pública, concretamente na Avenida ..., neste Concelho ... tripulou o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca ..., modelo ..., de matrícula ..- DO-.., sem que possuísse carta de condução que legalmente o habilitasse a fazê-lo e sendo portador de uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,57 g/l; 2ª) Tendo a temática ora em apreço por subjacente, cumpre desde logo atender a que, conforme decorre do teor do citado print da base de dados do IMTT de fls. 8, 30 e das informações do IMTT de fls. 45, o arguido AA à data dos facto ora em apreço era titular, de uma carta de condução n.º ...04 que havia sido já objecto de cassação, em 19 de Novembro de 2019, nos termo e para o efeitos dos artigos 130º, n.º3, b) e 148º, n.º2 e 10, ambos do Código da Estrada, por decisão d Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (em sede dos autos de processo de cassação n.º 660/2019); 3ª) No que concerne ao regime jurídico a considerar no caso vertente, cumpre desde logo atender ao teor do artigo 121º do Código da Estrada (na versão decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de Julho), em cujos números 1 e 4 respectivamente se prevê que “só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito” e que, “o documento que titula a habilitação legal para conduzir ciclomotores, motociclos, triciclos, quadriciclos pesados e automóveis designa-se «carta de condução»”; 4ª) Bem como, ao artigo 3º do Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de Julho (vulgo “Regulamento Legal de Habilitação a Conduzir”), que consigna e prevê as categorias de cartas de condução existentes, tipificando, entre o mais, no seu n.º 2, alínea e) e f) que “sem prejuízo do estabelecido nas disposições relativas à homologação de veículos, a carta de condução habilita a conduzir uma ou mais das seguintes categorias de veículos: e) B1 – quadriciclos cuja massas sem carga, excluída a massa das baterias no caso dos veículos eléctricos, não exceda 450kg ou 600kg, consoante se destine, respectivamente, ao transporte de passageiros ou mercadorias; f) B – veículos a motor com massa máxima autorizada não superior a 3 500 kg, concebidos e construídos para transportar um número de passageiros não superior a oito, excluindo o condutor, a que pode ser atrelado um reboque com massa máxima até 750 kg ou, sendo esta superior, desde que a massa máxima do conjunto formado não exceda 3 500 kg; 5ª) No caso ora em análise, conforme decorre dos factos dados como assentes na sentença recorrida (com os quais concordamos, diga-se), o arguido AA, veio a circular na condução de um veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-DO-.., sendo que, contudo, em tal ocasião, o seu titulo de condução n.º ...04, (emitida pelos serviços do IMTT em 12 de Fevereiro de 2016) de categoria B (veículos automóveis ligeiros) e B1 (triciclos ou quadriciclos) com correspectivo período de validade averbado até 8 de Maio de 2039, se encontrava caducado, por ter sido objecto de cassação, em 19 de Novembro de 2019, nos termo e para os efeitos dos artigos 130º, n.º3, b) e 148º, n.º2 e 10, ambos do Código da Estrada, por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (em sede dos autos de processo de cassação n.º 660/2019); 6ª) Contrariamente ao que veio a ser decidido pelo Tribunal “a quo”, consideramos que tal ausência de devida habilitação e legitimação, não se afigura subsumível ao tipo legal de crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, pelo qual o arguido AA veio a ser, entre o mais, condenado, mas apenas e tão só, a uma infracção de cariz contra- ordenacional, subsumível ao artigo 130º, n.º7, do Código da Estrada; 7ª) Isto porquanto, no que se reporta à validade dos títulos de condução e, desde logo, à perda da mesma, cumpre atender às circunstâncias consignadas no n.º 1 do referido artigo 130º do Código da Estrada, em cuja alínea d), entre o mais de prevê que “o título de condução caduca se…for cassado nos termos do artigo 148º do presente Código ou do artigo 101º do Código Penal”; 8ª) Na sequência das alterações introduzidas, entre o mais ao referido normativo do artigo 130º do Código da Estrada, pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de Dezembro, veio a cessar a distinção que, até então, se sucedia entre títulos de condução caducados e, títulos de condução cancelados (sendo que apenas neste último caso tal circunstância comportava e correspondia à ulterior inexistência de qualquer habilitação para conduzir, subsumível ao tipo legal de crime do artigo 3º, n.º1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro); 9ª) Com a actual redacção legal, salvo melhor entendimento, apenas será de considerar como verificada uma situação de efectiva inexistência de título de condução para conduzir, por seu turno, susceptível de ser subsumida ao referido ipo legal de crime do artigo 3º, n.º1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, nas situações taxativamente consigna as no n.º3, c) e d) do artigo 130º do Código da Estrada (ou seja, “quando o titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido” e, quando “tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado”); 10ª) No que se reporta às consequências jurídicas de tal circunstância e inerente factualidade, tal comporta, apenas e tão só, a verificação da infracção contra-ordenacional prevista e punida no sobredito artigo 130º, n.º7, do Código da Estrada (o qual refere que “quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º1, é sancionado com coima de €120,00 a €600,00”) e já não o referido tipo legal de crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro; 11ª) Tal sancionamento a título meramente contra-ordenacional constitui uma opção, por parte do legislador de manter a punição de situações – como a que se encontra ora em análise – de perda de validade/caducidade dos títulos de condução decorrente das situações consignadas no artigo 130º, n.º1 a) a d), do Código da Estrada, a título de ilícito de mera ordenação social e, reservar a punição de cariz penal (decorrente do artigo 3º, n.º1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro) apenas e tão só para as já aludidas situações taxativamente consignadas no n.º3, c) e d) do artigo 130º do Código da Estrada; 12ª) Na vigência do RHLC aprovado pelo DL 138/2012 de 5/7, competia ao IMT cancelar as cartas de condução caducadas verificados os requisitos legais. Quando a carta fosse cancelada e o respectivo titular conduzisse na via pública nessas condições incorria na prática de um crime de condução sem habilitação legal na previsão do artigo 3º do DL nº 2/98 de 03/01. Caso a carta não tivesse sido objecto de cancelamento, estando apenas caducada, o titular incorria apenas na prática de uma contra-ordenação sancionada como uma coima.

    1. ) Posteriormente, com a publicação do DL n.º 102-B/2020, de 09/12, em vigor desde 09/01/2021, deixou de ser necessário o cancelamento da carta de condução, estando sujeita a revalidação e a renovação e a impossibilidade de tal renovação se tiverem decorrido mais de 10 anos sobre a data da renovação. A partir de então, afora as situações de não revalidação previstas no nº 1 do artigo 130º do CE, cuja verificação é sancionada apenas com coima, nas demais situações estamos perante a existência de “não habilitados a conduzir” do nº 5 citado preceito, o que faz cair a situação dos autos no âmbito da norma do artigo 121º do CE., e logo no âmbito da norma incriminadora do artigo 3º do DL nº 2/98 de 03/01; 14ª) Desde 9/1/2021 deixou de ser necessário o cancelamento da carta de condução, estando sujeita a revalidação e a renovação - e a impossibilidade de tal renovação se tiverem decorrido mais de 10 anos sobre a data da renovação -, manteve-se a redação do nº 5 e foi alterado o nº 7 que comina com coima o comportamento relativo apenas ao nº 1.

    2. ) Assim sendo, consideramos que no caso vertente, o Tribunal “a quo” incorreu num manifesto e efectivo erro quanto à subsunção jurídica a efectuar quanto a parte da factualidade dada como assente na sentença recorrida; 16ª) Contrariamente ao que veio a ser decidido pelo Tribunal “a quo”, consideramos a ausência de devida habilitação e legitimação, por parte do arguido AA para circular na via pública na condução do...

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