Acórdão nº 793/19.1GBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | ANTÓNIO TEIXEIRA |
Data da Resolução | 12 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães*I. RELATÓRIO 1.
No âmbito do Processo Comum Singular nº 793/19.1GBBCL, do Juízo Local Criminal de Barcelos, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos: 1.1. L. C.
, casada, filha de V. C. e de M. D., nascida a - de Junho de 1969, residente na Rua de …, n.º …, Barcelos; e 1.2.
J. G., casado, filho de M. G. e de M. F., nascido a - de Junho de 1975, residente na Urbanização do …, Barcelos.
*2.
Em 09/07/2020 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, da qual consta o seguinte dispositivo (transcrição (1)): “Pelo exposto, decide-se: i) Absolver o arguido J. G.
do crime de ameaça que lhe estava imputado; ii) Absolver a arguida L. C.
do crime de violência doméstica que lhe estava imputado; iii) Ordenar o arquivamento dos autos quanto ao crime de injúria praticado pela arguida L. C.
, por falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, declarando-se, quanto a este ilícito, extinto o respectivo procedimento criminal; iv) condenar a arguida L. C.
como autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, que se substitui por 300 horas de trabalho a favor da comunidade.
*Mais se condena ainda a arguida L. C. no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 UCS - artigo 513.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais.
*Solicite aos serviços de reinserção social a elaboração do plano de execução a que alude o artigo 496.º, do Código de Processo Penal.
*Boletins à Direcção dos Serviços de Identificação Criminal.
*Comunique a presente sentença ao processo de regulação das responsabilidades parentais da menor identificado no ponto 3 dos factos provados que corre termos no Juízo de Família e Menores de Barcelos.
*Comunique ainda a presente sentença, sem dados nominativos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 37º da Lei nº 112/2009, de 16/09, para os endereços electrónicos conhecidos (de acordo com a divulgação nº 29/12, do CSM).
*Notifique e deposite.”.
*3.
Em 17/08/2020 a Secção Judicial do Tribunal a quo, na ausência de qualquer recurso da aludida sentença, deu cumprimento ao ali ordenado, designadamente solicitando à DGRSP - Equipa Cávado a elaboração do plano tendo em vista a prestação do trabalho a favor da comunidade por parte da arguida, remetendo cópia da sentença, com nota de que transitou em julgado em 10/08/2020.
*4.
Porém, em 28/08/2020 a arguida L. C. dirigiu ao tribunal a quo o seguinte requerimento, que se transcreve na parte que interessa considerar: “A arguida foi contactada esta semana, pela Secção, para efeitos de cumprimento da pena que lhe foi aplicada na sentença proferida no dia 9 de Julho de 2020.
Consultados os autos, pôde verificar que, no passado dia 17, foi requerido à D.G.R.S.P – Equipa Cávado, a elaboração de um plano de execução para a prestação de trabalho a favor da comunidade tendo sido dado a conhecer que a sentença transitou em julgado no dia 10.08.2020.
Entendemos, no entanto, que, contrariamente ao declarado pela Secção, a aludida sentença ainda não transitou em julgado.
Pois, vejamos, A arguida foi acusada da prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo art. 152 nº 1 alíneas a) e b) e nº 2 do Cód. Penal.
Prevê o nº 1 do art. 103 do Cód. Proc. Penal que “os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais”.
A alínea g) do nº 2 desse mesmo artigo estabelece que o referido nº 1 não se aplica aos actos considerados urgentes em legislação especial.
Ora, Nos termos do nº 1 do artigo 28 da Lei nº 112/2009 de 16 de Setembro, “os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos”.
Dispondo o nº 2 que “a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal”.
Todavia, Atendendo à prova produzida em audiência de julgamento, por despacho proferido no dia 9 de Julho de 2020, foi alterada a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação tendo na sentença proferida nesse mesmo dia, a arguida sido absolvida “do crime de violência doméstica que lhe estava imputado” e condenada “como autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal”.
Assim sendo, A partir do dia 9 de Julho de 2020, os presentes autos deixaram de ter natureza urgente.
Consequentemente, A sentença proferida nesse dia não transitou em julgado.
Em face do exposto, requer, a V.Exa, se digne revogar todos os actos processuais praticados pela Secção após o dia 10 de Agosto de 2020.”.
*5.
Aberta vista ao Ministério Público, em 01/09/2020 a Exma. Procuradora da República pronunciou-se no sentido de assistir razão à arguida, dado a sentença não haver transitado em julgado.
*6.
Nessa sequência, em 03/09/2020 o Mmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho (transcrição): “O processo deixou de ter natureza urgente no dia 09.07.2020, momento em que foi proferida sentença a absolver a arguida da prática do crime de violência doméstica pela qual vinha acusada.
Nessa medida, os actos posteriormente praticados pela secção no período de férias judiciais, no pressuposto de que a urgência do processo se mantinha e de que, em consequência, a sentença havia transitado em julgado, configuram irregularidades processuais que interferem directamente com o direito ao recurso conferido a todos os sujeitos processuais, cujo prazo ainda se encontra a decorrer.
Consequentemente, ao abrigo do disposto nos artigos 118º, nº 2 e 123º, nº s 1 e 2, do Código de Processo Penal, declara-se a invalidade dos actos processuais praticados pela secção em 17.08.2020 (referências electrónicas 169276904, 169276920 e 169277301).
(…)”.
*7.
E, inconformada com a aludida sentença, dela veio a arguida L. C. interpor o recurso que consta de fls. 188/197, entregue por via electrónica no dia 28/09/2020, cuja motivação rematou com seguintes conclusões e petitório (transcrição): “1. Na sentença recorrida, a recorrente foi condenada “como autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, que se substitui por 300 horas de trabalho a favor da comunidade”; 2. Consideramos a sentença recorrida, injusta e inadequada; 3. Por ter sido dado como provado, factos que não deveriam constar da factualidade assente; 4. Por não ter sido valorado um facto que, obrigatoriamente, deveria integrar a matéria provada; 5. Foi dado como provado que “ 6. No dia 18 de agosto de 2019, J. S. encontrava-se em Viana do Castelo a trabalhar, quando a arguida se dirigiu-se junto da sua barraca de venda, dizendo-lhe o seguinte: “.. filho da puta...cabrão...”; 6. Na ausência do cumprimento das formalidades previstas no artigo 285 do Cód. Proc. Penal, o Ministério Público não tem legitimidade para promover a acção penal por factos integradores de um crime de natureza particular; 7. Não pode dar-se como provado o facto descrito sob o nº 6; 8. Consequentemente, deve o mesmo ser eliminado dos factos provados; 9. Foi dado como provado que “4. No dia 24 de abril de 2019, a arguida juntamente com o arguido J. G., seu companheiro, deslocaram-se até junto da casa do ofendido” e “7. No dia 27 de agosto de 2019, pelas 8:30, a arguida voltou a deslocar-se a residência de J. S., acedendo ao logradouro da habitação”; 10. Das declarações prestadas pelo ofendido resulta, claramente, que a casa onde o mesmo reside pertence a este e à arguida, em compropriedade; 11. Sendo a arguida comproprietária da casa onde reside o ofendido, aquela tem o direito não só de aí se deslocar mas também de aceder ao logradouro da habitação; 12. Consequentemente, devem os factos descritos sob o nºs 4 e 7, eliminados dos factos provados; 13. Deve passar a constar da factualidade provada a casa onde reside o ofendido pertence em compropriedade a este e à arguida; 14. A última condenação ocorreu em 20 de Março de 2014, ou seja, há mais de seis anos; 15. Atendendo à prova produzida em sede de audiência de julgamento, à inexistência quer de lesões quer de incapacidade para o desempenho da actividade diária, o número de condenações anteriores e o tempo decorrido sobre a última condenação (há mais de seis anos) e ainda a inserção profissional e familiar da arguida, justificava-se em nosso entender, a aplicação de uma pena de multa; 16. A pena de 10 meses de prisão substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade aplicada à recorrente é injusta, inadequada e elevada; 17. A sentença recorrida violou, assim, as seguintes disposições legais: Código Penal – artigos 40 nº 1 e 2, 70 e 71; Código Processo Penal – artigos 50 e 285 PEDIDO Em face do exposto e do mais que muito doutamente se suprirá, deve dar-se provimento ao presente recurso, e em consequência, deve substituir-se a pena aplicada à recorrente, na sentença recorrida, por uma pena de multa.
ASSIM SE FARÁ A MELHOR JUSTIÇA”.
*8.
Com data de 12/10/2020, o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho que consta de fls. 198, com o seguinte teor: (transcrição): “Porque em tempo, com legitimidade, sendo legalmente admissível, admito o recurso interposto pela arguida L. C., o qual subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo - artigos 399º, 401º, nº 1, alínea b), 406, nº 1, 407, nº 2, alínea a), 408, nº 1, alínea a), 411º e 414º, nº 1, todos do Código de Processo Penal.
*Notifique - artigo 411, nº 6, do Código de Processo Penal (...)”.
*9.
Na 1ª instância a Exma. Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso interposto pela arguida, nos termos constantes de fls. 199/204...
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