Acórdão nº 4/19.0T9VNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelTERESA BALTAZAR
Data da Resolução08 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Recorrentes: Os arguidos: - X, Unipessoal Limitada; - F. B..

- Objecto do recurso: No processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 4/19.0T9 VNC, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – V. N. Cerveira – Juízo C. Genérica, foi proferida sentença, na qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu o seguinte: “VI – DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se: a) condenar o arguido F. B.

como autor material da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo 107.º, n.º1, parte final, e n.º2, tendo por referência o n.º1 do artigo 105.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 05 de Junho, com a redacção dada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro, em conjugação com os artigos 6.º, n.º1 do mesmo diploma, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de 6€ (seis euros), num total de 900 € (novecentos euros); b) condenar a arguida X Unipessoal, Lda.

pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelos 7 nº 1, 8º nº 3 e 105º todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de Junho, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de 6€ (seis euros), num total de 1.200€ (mil e duzentos euros).

  1. declarar a perda de vantagens a favor do Estado e, assim, a sua substituição pelo pagamento, solidário, a este último, do valor de €16.069,36 (dezasseis mil e sessenta e nove euros e trinta e seis cêntimos), nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º1, alínea b) e n.º4 do C.P., sem prejuízo da salvaguarda dos interesses dos lesados (artigo 110.º, n.º6 do C.P.P.), aqui a Segurança Social, que venham a ser exercidos.

    *Vão ainda os arguidos F. B. e X Unipessoal, Lda. condenados nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, a quais serão reduzidas a metade em função da confissão dos arguidos (cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e artigos 8.º n.º 5 e tabela III anexa do Regulamento das Custas Processuais).

    (…)” – (o sublinhado e destacado é nosso).

    ***Inconformados com a supra referida decisão os arguidos “X, Unipessoal Limitada” e F. B., dela interpuseram recurso, terminando a sua motivação com as conclusões seguintes (transcrição): “1.ª) O presente recurso tem por objecto a Sentença proferida nos autos em 29-06-2020, com a qual não concordam os ora recorrentes, impondo-se assim, no entender destes, a sua revogação e substituição, nos termos de seguida devidamente expostos e fundamentados.

    1. ) Antes de mais, impugnam os recorrentes a decisão proferida sobre a matéria de facto, em consonância com o previsto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, isso porque, na sua perspectiva, não deverá ser considerado provado o teor do ponto 15. dos factos elencados como provados pelo tribunal de 1ª instância, nos termos latos em que se encontra redigido tal ponto da matéria de facto dada como provada.

    2. ) Ou seja: no entender dos recorrentes, onde se diz, em tal ponto 15., que «O que fez com o conhecimento e intuito concretizado de conseguir um enriquecimento para a CONSTRUÇÕES X e para si (...)», deve ser excluído esta última parte «e para si», porquanto o arguido F. B. actuou sempre, no âmbito da factualidade aqui em causa, enquanto legal representante da arguida CONSTRUÇÕES X LDA., como seu sócio-gerente.

    3. ) Aliás, é isso mesmo o que resulta de vários outros pontos da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido, nos quais é apontada a indicada actuação do arguido F. B. enquanto representante legal da mencionada sociedade comercial, em representação e no interesse desta: cfr. os pontos 2., 3., 4., 6., 9., 14., 16. e, sobretudo, os pontos 11. e 12.

    4. ) Em relação directa com o referido, e procedendo-se, precisamente, à alteração da matéria de facto descrita no apontado facto 15., mais sucede que, e em consequência disso mesmo, nos casos em que o arguido age em representação de uma sociedade, é esta quem adquire a vantagem resultante do não pagamento dos impostos e não o seu representante – ver, por todos, o douto ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 30-04-2019, proc. nº 1325/17.1T9PRD.P1.

    5. ) Neste mesmo sentido, ver ainda: “CÓDIGO PENAL, PARTE GERAL E ESPECIAL”, de M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, 3ª ed. actualizada (Setembro de 2018), Almedina, em anotação 11. ao art. 110º: «A atuação em nome de outrem (artigo 12º) pode trazer vantagens à pessoa em benefício de quem o facto foi praticado; a perda é decretada em desfavor do destinatário beneficiado.» 7.ª) Assim, e no caso vertente no presente processo, afigura-se óbvio, s.m.o., o erro na sentença proferida nos autos, no seu dispositivo final, alínea c), o que significa, pois, que aí apenas a arguida CONSTRUÇÕES X, e não também o arguido F. B., poderia ou poderá ser condenado a final na perda de vantagens a favor do estado, e isto se acaso se aceitasse a perda de vantagens a favor do Estado, o que igualmente, desde já se adianta, não é, em qualquer dos casos, aceite pelos arguidos ora recorrentes, conforme de seguida se explicitará.

    6. ) De modo que, se se aceitasse a possibilidade, no caso destes autos, da perda de vantagens a favor do Estado – contrariamente ao aqui ora defendido pelos recorrentes –, então, sempre e unicamente a respectiva condenação poderia incidir sobre a arguida CONSTRUÇÕES X e nunca em regime de pagamento “solidário” do valor aí mencionado.

    7. ) Ora, nesta matéria, o entendimento dos recorrentes, salvo o devido respeito por opinião diversa, é a de que decorre do artigo 110º do Código Penal (anteriormente à Lei nº 30/2017, encontrava-se isso regulado no art. 111º do mesmo diploma legal) «a impossibilidade de se declararem perdidas a favor do Estado as quantias equivalentes às prestações não entregues à Segurança Social» – citado ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 30-04-2019, proc. nº 1325/17.1T9PRD.P1.

    8. ) Isto é assim, acompanhando-se o ali decidido no indicado aresto da Relação do Porto, e desde logo, por força e assente na própria letra da disposição legal, concretamente (actualmente) no nº 6 do art. 110º (anteriormente nº 2 do art. 111º): «(...) Ora, a expressão “sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro quer dizer (segundo pensamos) que os direitos do ofendido ou de terceiro não podem eles mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado. (...) Daí que se o direito de crédito da Segurança Social não pode ser declarado perdido a favor do Estado, também não pode ser declarado perdido a favor do Estado o dever de cumprir essa obrigação. (...) Chamar a essa obrigação uma “vantagem” é só mudar-lhe o nome, pois continua a ser uma obrigação cujo titular é, no caso, a Segurança Social. Sendo indiscutível que a quantia não entregue à Segurança Social é o objecto de uma obrigação cujo sujeito activo ou, dito de outro modo, cujo titular é o ofendido, a mesma não pode ser declarada perdida a favor do Estado, pois o artigo 111º, 2 do CP não permite que se declare perdido a favor do Estado um direito cujo titular seja o ofendido.» 11.ª) Razões por que, sufragando idêntica opinião, entendem os aqui recorrentes que deverá ser revogada a sentença proferida, com a eliminação da alínea c) do seu dispositivo, por não haver lugar à declaração, no caso, de qualquer perda de vantagens a favor do Estado, quanto a qualquer um dos arguidos/recorrentes.

    9. ) A douta sentença recorrida violou, pois, segundo os recorrentes, o disposto nos artigos 12º e 110º/1-b), 4 e 6, do CÓDIGO PENAL, devidamente conjugado com o disposto nos artigos 6º/1, 7º/1, 105º/1 e 107º/1 e 2, do REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05-06, com a redacção dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30-12.

    10. ) Nestes termos, deverá ser revogada a douta sentença proferida, sendo a mesma substituída por outra que julgue a factualidade e o direito concretamente aplicáveis em conformidade com o supra exposto, com o que se fará JUSTIÇA.”.

    *O recurso dos arguidos foi admitido.

    *O M. P., na 1ª instância, respondeu ao recurso pedindo a sua improcedência.

    *O Ex.mº Procurador Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu parecer pugnando também pela sua improcedência.

    *Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal não foi apresentada qualquer resposta.

    *Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

    **- Cumpre apreciar e decidir: A) - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

    1. – No recurso, no essencial, os arguidos invocam o seguinte: 1- Impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto.

    “Impugnam os recorrentes a matéria de facto dada como assente, concretamente o seu ponto 15 – “no entender dos recorrentes, onde se diz, em tal ponto 15., que «O que fez com o conhecimento e intuito concretizado de conseguir um enriquecimento para a CONSTRUÇÕES X e para si (...)», deve ser excluído esta última parte «e para si», porquanto o arguido F. B. actuou sempre, no âmbito da factualidade aqui em causa, enquanto legal representante da arguida CONSTRUÇÕES X LDA., como seu sócio-gerente.” – conclusão 3”.

    2- E insurgem-se contra a perda de vantagem decretada.

  2. Dissentem da declaração de perda de vantagem, perseguindo a ideia de que “apenas a arguida CONSTRUÇÕES X, e não também o arguido F. B., poderia ou poderá ser condenado a final na perda de vantagens a favor do Estado, e isto se acaso se aceitasse a perda de vantagens a favor do Estado, o que igualmente, desde já se...

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