Acórdão nº 1356/20.4T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
I.
RELATÓRIO O trabalhador, M. R., empregado bancário intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando requerimento de oposição ao despedimento- 98º-C. CPT.
A empregadora “Banco X, S. A. apresentou o articulado motivador do despedimento e o procedimento disciplinar– 98º/2- G, 98º/1-J, CPT.
Alega que: o autor era gestor de clientes no Balcão de Carrazedo Montenegro, Valpaços; analisada a movimentação da conta nº 0 – ................... de que o Autor é cotitular, bem como a utilização dos cartões de crédito associados à mesma, constatou-se que no período compreendido entre 02/01/2018 a 03/01/2019, aquele processou a diversas entregas/pagamentos de importâncias para a Conta Cartão nº ..........00, no montante de €2.692,73 (valor acumulado), relativas à utilização de cartão de crédito X Campeões, do qual era titular, por débito de contas de clientes, sendo que nalgumas delas intervêm titulares e representantes de pessoas com relações de parentesco ou análogas com o Autor. Os documentos de suporte a diversas operações foram assinados pelo Autor como se dos titulares das contas se tratasse, deste modo falsificando as respetivas assinaturas, o que, aliás, o próprio admitiu. No período compreendido entre 20/06/2018 e 30/01/2020, o Autor processou através de transação específica o montante global de 1.870,00€, correspondente a entregas em numerário para as Contas Cartão n.ºs: ..........00 e ..........01, relativas à utilização dos cartões de crédito X Campeões e X Prémio, dos quais é titular, sendo que os normativos internos impedem o acesso, movimentação ou a realização de operações pelos empregados através dos sistemas informáticos quando estejam em causa contas por si tituladas ou co-tituladas.
Os factos integram infração disciplinar reiterada e grave e culposa, sendo violados deveres contidos nas normas e instruções recebidas e nas regras usuais de deontologia da profissão, tal como se encontram previstas no artigo 128.º, n.º 1, alínea e) do Código do Trabalho (CT) e na cláusula 18.ª do ACT para o setor Bancário, violando o disposto nos normativos Ordem de Serviço | RH | 1097 | Código de Conduta do Grupo X (em vigor até 27/09/2019)( “III – Valores e Cultura X – 3. Rigor, diligência, qualidade e competência profissional), Ordem de Serviço |RH|1171| Operações Pessoais e Conflitos de Interesses (em vigor até 27/09/2019) (“Secção II –Conflitos de Interesses - (…) 5. Movimentação e gestão de contas), Ordem de Serviço | CTR |1298 | Código Ético e Princípios de Atuação do Banco X – Cumprimento da Legislação e das Normas (em vigor desde 30/09/2019) – “Cumprimento da Legislação e Normas e, Suporte Operacional | Sistema de Informação | Acessos e Regras de Utilização -Acesso à Informação de Clientes e Contas - constituindo pela sua gravidade e consequências justa causa de despedimento. Os factos constituem ainda prática do crime previsto e punido pelo artigo 256.º do Código Penal – crime de falsificação e contrafação de documento.
Concluiu que tais comportamentos do Autor fizeram quebrar, definitiva e irremediavelmente a confiança que tem de existir no contrato de trabalho.
O trabalhador apresentou contestação e formulou reconvenção- 98º-L, CPT. Alegou por excepção:
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A irregularidade do processo disciplinar; b) A caducidade do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo de 60 dias a que se refere a cláusula 79º, nº 1, do ACT e o artº 329º, nº 2, do Código do Trabalho; c) A prescrição da infracção disciplinar pelo decurso do prazo de um ano a que se refere o nº 1, do artº 329º, do Código do Trabalho e a cláusula 79º, nº 2, do ACT; d) A ilicitude do processo disciplinar, por o Relatório Final ser omisso quantos aos deveres concretos violados, ter sido violado o princípio da proporcionalidade, bem como ter sido violado o RGPD, dado a R. ter acedido a dados pessoais do A. sem o consentimento do mesmo. Concluindo que as excepções invocadas sejam julgadas procedentes, com as legais consequências, designadamente a de o despedimento promovido pela entidade empregadora ser declarado ilícito e irregular. Formula a seguinte reconvenção; ser o Réu condenado a: I) Pagar ao autor a quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos; II) Reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho, sem prejuízo de categoria e antiguidade; III) Pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão; IV) Pagar juros de mora.
A empregadora apresentou resposta – 98º/4-L, CPT. Concluindo pela improcedência das excepções, bem como pela improcedência dos pedidos, incluindo os reconvencionais, devendo declarar-se a licitude e regularidade do despedimento. A não se entender assim, às retribuições intercalares devem deduzir-se.
Realizou-se julgamento e foi proferida sentença.
DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): após terem sido julgadas improcedentes todas as excepções, decidiu-se do fundo da questão do seguinte modo: Julgar procedente a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, nessa medida:
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Determina-se a reintegração do trabalhador, aqui A. M. R., no seu posto de trabalho, sem prejuízo de categoria e antiguidade; b) Condena-se a R. “BANCO X, S. A. a pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento (13/07/2020) até ao trânsito em julgado da decisão, cujo montante se relega para liquidação de sentença; c) Aos montantes atrás referidos são deduzidos os referidos no artº 390º, nº 2, do CT; d) Condena-se a R. a pagar juros de mora sobre as quantias peticionadas, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e) Julga-se improcedente o remanescente do pedido e dele se absolve a R.
Custas da acção e da reconvenção na proporção do vencimento e decaimento (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil).
A RÉ RECORREU. CONCLUSÕES: 1. O presente recuso vem interposto da douta sentença de Fls. , que julgou a acção procedente, declarando ilícito o despedimento que foi aplicado ao Autor, ora Recorrido, com as demais consequências.
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… 3. Ao decidir como decidiu, a douta Sentença violou o disposto nos artigos 328.º, 330.º e 351.º do Código do Trabalho.
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Nos termos do artigo 98.º do Código do Trabalho, tem o empregador o poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho.
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Tal poder disciplinar configura-se como um poder de gestão, que permite à entidade empregadora assegurar os legítimos interesses cuja prossecução a levou a contratar aqueles trabalhadores.
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Através do mesmo, pode o empregador defender-se de atuações do trabalhador suscetíveis de o afetar, por serem desconformes com os interesses de serviço para que foi contratado.
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Desta forma, prevê o legislador no artigo 328.º do Código do Trabalho um catálogo exemplificativo de sanções disciplinares, cuja aplicação e graduação cabe exclusivamente ao empregador, que pode – dentro dos limites legais – exercitar aquele direito, aquando da verificação de uma infração disciplinar.
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… 9. No que respeita ao critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar, a regra é a da proporcionalidade, fixada no artigo 330.º do Código do Trabalho.
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No exercício do seu poder disciplinar, deve o empregador atender – em especial -, à gravidade da infração e ao grau de culpa do infrator.
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No entanto, não são estes os únicos critérios atendíveis para apurar a proporcionalidade de uma sanção disciplinar.
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Aquando da aplicação de sanção disciplinar, tem o empregador que considerar todas as circunstâncias atendíveis, levando em conta todo o quadro em que se desenvolve a relação contratual e as circunstâncias em que ocorreu a conduta que é sancionada.
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Esta é uma imposição do princípio da igualdade e da coerência disciplinar, por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar sanções desproporcionadas às infrações cometidas, tendo em atenção todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas.
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Para garantir a observância do princípio da proporcionalidade na aplicação da sanção disciplinar de despedimento sem indemnização e compensação, há que considerar mais do que a gravidade da infração e o grau de culpa do trabalhador.
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Constitui entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, o de que a enumeração dos comportamentos culposos do trabalhador configuradores de justa causa, enunciados na lei, é meramente exemplificativa.
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Para além dos aí previstos, podem ocorrer muitos outros factos ou situações que justifiquem a rutura do vínculo contratual, podendo também acontecer que da verificação desses mesmos factos ou situações não resulte a inexigibilidade da manutenção do contrato.
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No caso em apreço, a conduta do Autor – violadora dos deveres que sobre si impendem de exercer de forma diligente e conscienciosa as suas funções, seguindo as normas e instruções recebidas, com observância das regras usuais de deontologia da profissão - é censurável, culposa e torna, por si só, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho 19. A violação de deveres contratuais pelo trabalhador será tanto mais grave, consoante o seu impacto na base de confiança do contrato.
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A confiança é um dos principais elementos condicionantes do bom funcionamento da relação laboral, podendo a sua quebra justificar o direito de resolução da mesma.
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Conclusão que se retira do artigo 126.º do Código do Trabalho, que impõe que, no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações, as partes procedam de boa-fé, de forma a não comprometerem essa base de confiança e a não porem em perigo a correta execução futura do contrato.
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Acresce que, como vem afirmando o Supremo Tribunal de Justiça, a atividade bancária, atenta a sua natureza, pressupõe um especial grau de...
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