Acórdão nº 152/21.6PBBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelJÚLIO PINTO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I Relatório No processo nº 152/21.6PBBGC, do Juízo Local Criminal se Bragança, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, o arguido S. E., foi julgado e condenado, por decisão proferida e depositada a 01/06/2021: “Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de seis meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios eletrónicos de controlo à distância;* Inconformado com esta decisão, o arguido S. E. interpôs recurso, mediante a formulação, na sua motivação, das seguintes conclusões: (Transcrição) “(…) «CONCLUSÕES 1. Pela sentença de que ora se recorre, proferida em 01 de Junho de 2021, nos autos de processo sumário á margem identificado, decidiu o Tribunal a quo condenar “o arguido S. E. pela prática, no dia 10-05-2021, de um crime de condução sem habilitação legal (pp art. 3º, n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3 de Janeiro com referência aos artigos 106º, n.º 1, alínea a), 121º e 122º do Código da Estrada) na pena de seis meses de prisão, a cumprir em regime de permanência de habitação com fiscalização por meios electrónicos de controlo à distância.

2. A mencionada sentença é susceptível de gerar discussão em duas questões essenciais, o erro julgamento ou erro in judicando e a escolha e determinação da medida da pena.

3. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos elencados na sentença com os números 1 a 4.

4. Sucede, porém, que o Tribunal a quo olvidou-se de elencar um facto com extrema relevância para a escolha e determinação da medida da pena, que a seguir se esclarecerá 5. O recorrente apenas conduziu o veículo automóvel por desespero, como refere a gravação da audiência entre o minuto 2:33 e o minuto 2:48, porque o seu filho estava com bastante tosse e febre e não existindo alternativa (amigos, familiares ou outros) viu-se impelido a usar o seu veículo automóvel em direcção às urgências do hospital de Bragança.

6. A factualidade exposta foi posta de lado pelo Tribunal a quo, que perante a declaração do recorrente nada fez para a confirmar.

7. O Tribunal a quo, descurou, manifestamente, o disposto no n.º 1 do artigo 340 º do Código de Processo Penal (doravante designado por CPP).

8. Diz-nos aquele dispositivo legal que “O tribunal ordena, oficiosamente, ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigura necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

9. Como não foi investigado tal facto, a ilicitude do mesmo e a censurabilidade da conduta do recorrente foram consideradas manifestamente graves.

10. Quando, na realidade se afiguram moderadas.

11. Assim, a douta decisão recorrida padece de um erro in judicando, ou erro de julgamento, que inquina o mérito da causa, e que permitiu condenar o recorrente na pena supra referenciada.

12. No caso dos autos, embora o recorrente tenha contra si a prova recolhida em sede de inquérito aliada à produzida em sede de audiência de julgamento, nutria expectativas de que os elementos circunstanciais e que à frente exporemos, assim como os constantes do seu relatório social fossem valorizados aquando da fixação da sua pena, o que crê não se ter verificado.

13. Por isso mesmo, o recorrente pretende um novo juízo de apreciação, agora por parte deste venerando Tribunal ad quem.

14. O recorrente não se pode conformar com a desproporcionalidade da moldura concreta da pena aplicada, porquanto o quantum da pena, atendo o crime pelo qual veio condenado e as suas circunstâncias pessoais e as atenuantes, é por demais excessiva, desadequada e desnecessária.

15. No caso em concreto, afigura-se-nos que o Tribunal a quo não observou os factores elencados, apoiando-se exclusivamente, na reincidência do recorrente para determinar a escolha e a medida da pena.

16. O Tribunal a quo não entendeu, ou não quis perceber a confissão do recorrente e simplesmente ignorou-a.

17. Como bem sabemos, nos termos do artigo 40º n.º 1 CP, a finalidade da pena é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, ou seja, respetivamente, a prevenção geral e a prevenção especial.

18. A prevenção geral, como é consabido, dirige-se a toda a comunidade, isto é, transmite segurança e confiança jurídicas à sociedade que à prática de um determinado crime é aplicada uma consequência, mas também demove futuros delinquentes.

19. A prevenção especial tem como destinatário o infrator em concreto, não só pretendendo ressocializar o mesmo, demonstrando-lhe o desvalor da sua conduta, mas também demovê-lo da prática de novas condutas.

20. O crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98. De 03/01, determina que, “Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.” 21. O bem jurídico que se pretende proteger com a consagração deste ilícito criminal é a segurança rodoviária, e em consequência a vida, a saúde e a integridade física das pessoas, não sendo necessário verificar-se efectivamente, é, portanto, um crime de perigo abstracto.

22. Todavia não pode ser este o fundamento para a aplicação de uma pena tão excessiva e desadequada.

23. É que se assim considerarmos, a pena transformar-se-á num “castigo” ao infrator.

24. Pois que o dano ou consequências geradas pela prática daquele crime contra o próprio arguido ou terceiros, não se verificaram.

25. Sabemos que esta concepção não colhe no nosso ordenamento jurídico.

26. Temos, portanto, que analisar as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir no caso.

Assim vejamos, 27. O recorrente, tal como consta do seu relatório social, “(…) projeta para a sua vida manter a atual residência junto do agregado constituído pela companheira e filho do casal, com vista a acompanhar e auxiliar o processo de desenvolvimento do seu descendente.” – Cit. Do Relatório Social proferido pela DGRSP.

28. Na verdade, o encontro com o amor e a paternidade vieram dar um novo alento à vida do recorrente, que neste momento pretende apenas conseguir sustentar a família de forma digna e à margem da vida criminosa.

29. Provou-se pelo Relatório Social elaborado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (doravante designada por DGRSP) junto aos autos, que o recorrente vive em economia comum com a companheira de quem tem um filho de sete meses, habitam num apartamento de tipologia T2, arrendado pelo valor de 300€, e auferem o rendimento social de inserção (RSI), no montante de 280€ (duzentos e oitenta euros), acrescido de 150€ (cento e cinquenta euros) de abono de família.

30. E que o recorrente é o único que consegue providenciar o sustento da família.

31. O casal encontra-se desempregado, todavia o recorrente exercia a sua actividade laboral na construção civil, quando havia trabalho, auferindo 40€ por dia.

32. Refira-se que o recorrente já iniciou o processo de ressocialização e já interiorizou que a sua conduta não foi adequada, nem sensata, mas como já se disse, foi o acto impulsivo que se viu obrigado a praticar em virtude do desespero que estava a sentir.

33. Pelo exposto, pese embora não seja uma causa de exclusão da ilicitude, o que motivou o arguido a conduzir sem estar habilitado, deve ser tida em consideração na graduação da censurabilidade da conduta do recorrente, assim como como uma atenuante à determinação da pena.

34. Mais nos apraz referir que dias após a sentença a quo ser proferida, na Escola de Condução …, sita na Rua …, comprovativo que protesta juntar aos autos logo que disponha do mesmo.

35. Em suma, “O arguido projeta para a sua vida manter a atual residência junto do agregado constituído pela companheira e filho do casal, com vista a acompanhar e auxiliar o processo de desenvolvimento do seu descendente.” – Cit. Do Relatório Social proferido pela DGRSP.

36. O Tribunal a quo errou na escolha da pena, assim como na determinação da medida da pena, interpretando erroneamente as necessidades de prevenção geral e especial.

37. Do exposto não podemos retirar outra conclusão que não seja a de que o agente não só iniciou o seu percurso de ressocialização, como já o leva em bom estado de avanço.

38. Não podemos, portanto, “atrasar” esta ressocialização, condenando o arguido a uma pena de privativa da liberdade, sob pena de desvirtuarmos, total e absolutamente, a função do direito penal e, mais ainda, da pena.

39. Para concluir, no que concerne à prevenção geral é certo que temos que ter um Direito Penal vigente, e que ancore a confiança da sociedade em geral.

40. Contudo, não podemos instrumentalizar o recorrente, aplicando-lhe uma pena elevada, para que a sociedade fique tranquila.

41. Deste modo, cremos que as necessidades de prevenção geral são particularmente mais elevadas do que as necessidades de prevenção especial, contudo, aquelas não podem ser a base de uma pena tão dura.

42. A este respeito a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, concretamente do Acórdão 156/07.1JAPDL.L2.S1, refere que: “A graduação da medida concreta da pena deve ser efectuada, como é sabido, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto (art. 71.º, n.º 1 do CP), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2).” 43. O Tribunal “a quo” violou, deste modo, o disposto nos artigos 340º, n.º 1 do Código de Processo Penal (doravante designado por CPP) e nos artigos 40º, 70º e 71.º do CP, pois também não teve em conta as circunstâncias que depuseram a favor do agente nem a gravidade (ou a sua falta) das suas consequências.

Refira-se, ainda que, 44. O crime de condução sem habilitação legal, é punido apenas a título doloso, conforme decorre do disposto no artigo 13º do Código Penal (doravante designado por CP), ou nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

45. Atento o...

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