Acórdão nº 6495/18.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução17 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório M. N. e marido C. H. intentaram a presente acção especial para fixação judicial do prazo contra X – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA,SA pretendendo que seja fixado prazo para a Requerida lhes restituir a quantia de €123.500,00 (cento e vinte e três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar desde a data da citação até ao seu integral e efetivo pagamento, reputando como suficiente, para o efeito, o prazo de 60 dias.

Para tanto, alegaram que, no dia 15/02/2015, entre Requerentes e Requerida foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual esta última prometeu vender aos primeiros, que lhe prometeram comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, a moradia designada como fração 2, a edificar na parcela de terreno para construção, com a área de 936,63m2, sita na freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....º e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....

Nos termos desse contrato, os Requerentes entregaram à requerida, no momento da sua outorga, dois cheques no valor total de €61.750,00. Mais entregaram, no dia 18/08/2015, um novo cheque no montante de €61.750,00. Tal valor destinou-se ao pagamento da primeira das três prestações estipuladas no contrato promessa celebrado.

Que a 13/02/2006 acordaram em revogar esse contrato promessa, obrigando-se a Requerida a restituir aos Requerentes o referido montante de €123.500,00, assim que ocorra novo contrato promessa de compra e venda da referida fração.

Mais alegam que na referida parcela de terreno, a Requerida procedeu à construção de cinco moradias, em regime de propriedade horizontal, e sobre a moradia objeto do referido contrato promessa, individualizada como sendo a fração autónoma B, constituiu uma hipoteca voluntária a favor do Banco ..., para garantia do capital máximo de €1.464.987,50. Ainda sobre a mesma moradia foi, a 17/10/2014, constituída hipoteca legal a favor da Autoridade Tributária Aduaneira para garantia da quantia exequenda de €502.351,55, e, a 02/11/2017, a requerida voltou a constituir nova hipoteca voluntária a favor do Banco ..., elevando o capital máximo garantido para €10.701.321,03.

Que atravessando, como atravessa, a Requerida sérias dificuldades económicas, os Requerentes têm sério e fundado receio que aquela se veja impedida de proceder à restituição do montante que lhes é devido.

Mais referem que já instauraram ação declarativa de condenação contra a aqui requerida, pedindo a restituição do montante em causa, mas tal ação foi julgada improcedente, considerando o Tribunal não existir fundamento para antecipação da restituição da quantia em causa.

Porém, volvidos 13 anos após a assunção da obrigação de restituição, a requerida ainda não prometeu vender a fração nem cumpriu a totalidade ou sequer parte da sua obrigação, pelo que, atento o exposto, podem os Requerentes reclamar a perda do benefício do prazo.

A Requerida apresentou contestação, invocando a exceção dilatória de caso julgado, na sua dupla vertente de caso julgado e autoridade de caso julgado, na medida em que, nos presentes autos, os requerentes apresentam os mesmos fundamentos substanciais que invocaram na ação n.º 5319/13.8TBBRG, que correu termos pela extinta Instância Central de Braga – 1.ª Secção Cível – Juiz 1, intentada pelos ora Requerentes contra a Requerida e outros, e na qual aqueles deduziram, a título subsidiário, o seguinte pedido: “subsidiariamente, fixar-se o prazo de 30 dias para os RR. restituírem aos AA. esse montante de €123.500,00, acrescido dos juros de mora a contar da citação”.

Mais invoca que o “documento de resolução por acordo de contrato promessa de compra e venda” nunca foi consentido pelos acionistas da requerida e, embora esteja assinado por dois dos membros, ao tempo, do Conselho de Administração, não pode produzir efeito diretamente contra a mesma.

E que caso venha a considerar-se válido tal documento, então haverá que respeitar tudo quanto no mesmo está clausulado, designadamente a cláusula que representa uma condição suspensiva para a produção dos efeitos patrimoniais respeitantes à anómala obrigação de restituição do valor de sinal pago pelos promitentes compradores; e, por isso, enquanto não se verificar a ocorrência dessa condição, sendo certo que à Requerida até hoje não foi possível encontrar outro comprador para aquela moradia, nenhum direito têm os Requerentes de reclamar a restituição da quantia entregue a título de sinal.

Terminou, concluindo pela procedência da invocada exceção dilatória e absolvição da requerida ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação.

Os Requerentes pronunciaram-se no sentido de não se verificar a referida exceção dilatória, por não estarem preenchidos os seus pressupostos.

Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado e absolveu a Requerida X – Sociedade Imobiliária, SA da instância, condenando ainda os Requerentes M. N. e marido C. H. como litigantes de má-fé na multa de 10 UC.

Inconformados vieram os Requerentes interpor recurso apresentando as seguintes conclusões: “A argumentação anterior permite formular agora as seguintes conclusões: 1.ª - O Tribunal a quo errou na interpretação extensiva que fez de caso julgado, já que não se verifica nenhuma coincidência, entre esta e ação anterior, de sujeitos, pedido e causa de pedir.

A decisão de absolvição da recorrida da instância mostra-se, assim, injustificada e violadora do direito dos recorrentes a uma tutela jurisdicional efetiva - vd. art.º 20.º da CRP - vd. n.ºs 1 e 2 do art.º 580.º do CPC - vd. Ac. do STJ de 18.09.2018, proc. n.º 21852/15.4T8PRT.S1 - vd. Acs. do TRC de 11.12.2012, proc. 971/11.TBCTB.C1 e de 01.03.2016, proc. 1056/14.4TJCBR.C1 2.ª - Além disso, desconsiderou que as sentenças apenas constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam e que, quando a parte decaiu anteriormente por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique - vd. art.º 621.º do CPC 3.ª - A decisão merece igualmente reparo porque não seguiu entendimento jurisprudencial que reconhece a necessidade de se fixar judicialmente um prazo ocorre sempre que a obrigação, mesmo contendo um prazo para o seu vencimento, o torne dependente de um evento futuro cuja data de ocorrência é incerta.

Tanto mais que, no caso em apreço, se encontram reunidos todos os pressupostos para invocar a perda do benefício do prazo a favor da “X -..” e, tanto as partes como o Tribunal, já reconheceram que a restituição da importância é devida aos recorrentes - vd. n.ºs 2 e 3 do art.º 777.° e art.º 780.º do CC - vd. Ac. do STJ de 15.05.2013, proc. 3412/11.0TBFUN.L1.S1 - vd. Ac. do TRP de 30.01.2014, proc. 5/14.4YRPRT 4.ª - Volvidos 13 anos desde a constituição da obrigação da recorrida, não será mais exigível aos recorrentes que sejam condescendentes com a passividade daquela em relação à venda da fração, e menos ainda lhes pode ser exigido que aguardem indefinidamente pela sua iniciativa para cumprir com a sua obrigação de devolução da soma recebida.

A manter-se a decisão impugnada resulta evidente a desproporcional injustiça desta situação e até a violação das regras de interpretação dos negócios onerosos, que determinam que na interpretação da declaração das partes deve sempre procurar-se alcançar o maior equilíbrio das prestações - vd. Ac. do STJ de 15.05.2013, proc. 3412/11.0TBFUN.L1.S1 - vd. art.º 237.º do CC 5.ª - Os recorrentes discordam ainda da decisão pelo facto de o Tribunal se ter pronunciado sem ordenar a produção da prova que haviam requerido. A este respeito, julgam que da petição inicial resulta um conjunto de factos relevantes para a descoberta da verdade material - já que por si poderiam determinar outra decisão -que dependiam de produção de prova complementar.

Por isso, o Tribunal a quo ao não ter ponderado sequer a produção desta prova nem justificado a sua não produção, violou o direito à prova dos recorrentes, enquanto manifestação do direito à tutela jurisdicional efetiva - vd. art.º 20.º do CRP 6.ª - Não há qualquer razão para que o Tribunal a quo tivesse condenado os recorrentes em litigância de má-fé: eles não alteraram a verdade dos factos nem omitiram qualquer facto relevante para a decisão da causa, tendo exposto de forma pormenorizada e objetiva todo o circunstancialismo que rodeia a sua pretensão; nem fizeram uso manifestamente reprovável de qualquer expediente ou meio processual, já que a ação instaurada resulta numa pretensão legalmente válida, que foi apresentada de forma totalmente honesta com recurso a uma ação processualmente prevista e que por isso merece reconhecimento judicial - vd. n.ºs 1 e 2 do art.º 542.º do CPC 7.ª - Note-se que a jurisprudência tem entendido que a condenação em litigância de má-fé exige que sejam concretizados factos que demonstrem a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.

Tal não sucede no caso, em que se constata apenas uma divergência de interpretação e aplicação de direito - discussão essa que, de resto, se encontra devidamente justificada porque resulta de um debate alargado que tem vindo a ser desenvolvido também no seio da nossa doutrina e jurisprudência - vd. Ac. do TC n.º 442/91 - vd. Acs. do STJ de 21.09.2006, proc. n.º 06B2772, de 23.04.2008, proc. n.º 97S2894, de 20.06.1990 e de 10.09.1991 - vd. Ac. do TRP de 07.12.2018, proc. 280/18.5T8OAZ.P1 - vd. Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado - vd. Paula Costa e Silva, A litigância de má-fé, Almedina, 2008, p. 620 8.ª - A decisão padece de nulidade por falta de fundamentação porque da mesma não resulta qualquer explicação para o facto de os recorrentes terem sido condenados numa multa fixada em 10 UC´s pela...

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