Acórdão nº 21852/15.4T8PRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução18 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, 10/09/2015, contra o ...... (...), S.A., S....., alegando, no essencial, que: .

O A., cliente do R. ......, desde 1987, e titular da conta n.º 00000, domiciliada em Lisboa, foi aliciado por este R. para participar na “Campanha Acionista ...... de 2000 e 2001”, tendo, em consequência disso, adquirido, em 17/08/2000, 30 mil “ações ......” pelo valor de 34.772.005$00 (equivalente a € 173.442,03), financiado por inteiro pelo R. através de empréstimo pessoal creditado na conta do A.; .

Em junho de 2001, o A. liquidou esse empréstimo, ficando com 16 mil ações ...... em carteira e com um saldo positivo de depósito à ordem; .

Em 26/06/2001, o R. emitiu o documento reproduzido a fls. 1712 a 1714, endereçado ao A. e assinado por este (e mulher) e por aquele R., mediante o qual este declarou aceitar conceder ao A. uma facilidade de crédito, sob a forma de conta corrente, destinada ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria, no montante de 50 mil contos (equivalente a € 249.398,95); .

Em 11/07/2001, o A. outorgou procuração irrevogável a favor do R. para constituir penhor a favor deste sobre quaisquer ativos de que aquele fosse ou viesse a ser titular e se encontrassem depositados em seu nome, em contas abertas junto do R., destinando-se o referido penhor a garantir o bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades emergentes do referido contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente; .

Em 04/07/2001 e 05/07/2001, foi comunicada ao A. a compra de um lote de 31.317 e de outro de 23.683 “ações ......”, respetivamente, pelos valores de 28.219.123$00 e 21.713.508$00; .

Com datas-valor de 10/07/2001 e de 09/07/2001, foram efetuadas transferências no valor de 20.000.000$00 e de 30.000.000$00, respetivamente, da conta corrente n.º 00000 para a conta à ordem do A.; .

Assim, de um momento para o outro, sem qualquer motivo, que não o interesse do próprio R., o A. passou a ser titular de mais de 55.000 “ações ......”, com o consequente endividamento na ordem dos 50.000 contos; .

Entre julho de 2001 e dezembro de 2006, a cotação das “ações ......” entrou em queda acentuada e, a partir de julho de 2001, o R. passou a debitar juros no âmbito da referida conta corrente, situação que se manteve até 31/12/2006; .

Tendo o A. dificuldades em pagar os juros devidos pela utilização daquela conta corrente, em 28/03/2003, o R. procedeu a uma alteração das condições da mesma, conforme documento assinado pelo R. e pelo A. (e mulher), alteração esta que teve como efeito uma baixa substancial do valor mensal dos juros que o R. cobrava ao A.; .

A referida alteração implicou também a sujeição do A. a novas obrigações impostas pelo R., a saber: o aumento do valor devido ao R. no âmbito da conta corrente, uma nova livrança em branco e a constituição de uma hipoteca sobre a fração autónoma que constituía a residência do A., para além do penhor das “ações ......” detidas por aquele; .

Porque nem assim o A. conseguia suportar os elevados encargos a que estava sujeito, o R. engendrou outra solução, sempre destinada a proteger os seus próprios interesses; .

Assim, no final de dezembro de 2006, quando o A. era titular de 64.000 “ações ......”, tendo, na conta à ordem, o saldo de € 4.168,32 e, na conta corrente, o saldo devedor de € 265.574,18, o R. autorizou aquele a dar ordem de venda das 64.600 “ações ......” por si tituladas, mas cativas em regime de penhor, venda que ocorreu em 12/1/2007 com o rendimento de € 181.601,95, que foi creditado na conta à ordem do mesmo A.; .

Com data-valor de 01/03/2007, o R. lançou na conta à ordem do A. o débito de € 265.574,18, que creditou na conta corrente, liquidando esta conta, mas gerando um saldo negativo de € 87.846,96 naquela conta à ordem; .

Para cobrir esse saldo negativo, o R., com data-valor de 1/3/2007, creditou na conta à ordem do A. o montante de € 90.200,00, referido como empréstimo n.º 00000, correspondente ao documento datado de 01/12/ 2006, emitido pelo ......, endereçado ao A. e assinado por este e sua mulher, na qualidade de avalista, através do qual o R. declarou aceitar conceder ao A. uma facilidade de crédito, sob a forma de empréstimo, destinado a apoio de tesouraria, no sobredito montante, o qual passou a constar dos extratos bancários como “consolidação de passivos”; .

A sucessão das referidas operações levou a que o A. ficasse numa situação ruinosa, acabando por ser declarado insolvente por sentença profe-rida em 05/08/2014; .

O R. apresentou-se então como credor hipotecário, apresentando como título a livrança acima mencionada, na base do que reclamou um crédito de € 139.526,22, que foi reconhecido, tendo obtido a adjudicação da fração hipotecada a seu favor pelo valor de € 80.200,00; .

Na realização das “Campanhas Acionistas ...... (2000 e 2001)”, com os comportamentos acima descritos, o R., enquanto intermediário financeiro, violou diversas normas imperativas do regime constante dos artigos 289.º e seguintes do Código de Valores Mobiliários (CVM), especifica-mente o disposto nos artigos 304.º, n.º 1 a 3, 305.º, n.º 1 e 2, 309.º, n.º 1, 2 e 3, 310.º, n.º 1 e 2, 311.º e 312.º, n.º 1 e 2, daquele diploma, bem como o preceituado nos artigos 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 298/ 92, de 31-12; .

Por essa via, o R. incorreu em responsabilidade contratual com violação dos deveres de proteção dos legítimos interesses do A., como seu cliente, em especial do dever de informação, do dever de atuação de boa fé, do dever de evitar ou reduzir os conflitos de interesses e do dever de dar prevalência ao interesse do seu cliente, estando obrigado a ressarcir o A. dos diversos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos; .

A situação ruinosa em que o A. ficou como insolvente repercutiu-se em diversos planos da sua vida pessoal e financeira, provocando danos não patrimoniais que deverão ser considerados à luz do artigo 496.º, n.º 1, do CC; .

O A. e sua mulher, entretanto falecida, propuseram uma ação contra o ......, ora R., a pedir a declaração de nulidade das operações realizadas no âmbito da sobredita Campanha ...... 2000; .

Tal ação, que correu termos na 3.ª Vara Cível do Porto, sob o n.º 566/08.7TVPRT, foi julgada improcedente, por sentença datada de 08/01/ 2014, transitada em julgado; .

Nessa decisão, entendeu-se que, não obstante a atuação do ...... ter sido violadora das regras a que, enquanto intermediário financeiro, estava vinculado, nos termos definidos pelo CVM, a consequência para tal não era a da nulidade, mas sim o dever de indemnizar a cargo do ......, o que agora, na presente ação, se vem peticionar; .

Assim, a presente ação tem em vista obter a condenação do R. em sede de responsabilidade civil contratual, com fundamento na violação dos seus deveres perante o A., no âmbito das operações de aquisição de “ações ......” que tiveram lugar durante a “Campanha Acionista” acima referida; Concluiu o A. a pedir a condenação do R. a pagar-lhe: A) - A título de ressarcimento de danos patrimoniais, as seguintes parcelas: i) - a quantia, não liquidada, mas não inferior a € 60.391,96, correspondente a todos os valores de capital e juros que, no âmbito das operações ajuizadas, o R. já recebeu do A., seja através de lançamentos na respetiva conta bancária, seja através da adjudicação acima referida, com juros legais contados desde a citação até integral pagamento; (ii) - a quantia de capital e juros, não liquidada, ainda devida pelo A. ao R., decorrente de todos os créditos concedidos por este àquele, no âmbito das operações ajuizadas.

  1. - A quantia de € 5.000,00, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, com juros legais contados desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento; C) – A compensação entre tudo quanto o A. ainda tem a pagar ao R. (......) de capital e juros, no âmbito das operações ajuizadas, e tudo quanto o A. tem a receber dele, nos termos referidos em ii), alínea A).

    1. O Banco R. apresentou contestação, em que, além da defesa por impugnação e de invocar as exceções de prescrição, de caducidade e de abuso de direito, deduziu a exceção de autoridade de caso julgado, sustentando que: .

      Na ação intentada pelo A. contra o R., em 2008, que correu termos sob o n.º 566/08.7TVPRT, se conheceu do mérito da causa, sendo a mesma julgada improcedente por sentença de 08/01/ 2014; .

      Tanto naquela ação como na presente, o conflito que o A. opõe ao ...... é o mesmo e um só: ser o ...... a suportar as consequências decorrentes da descida da cotação das ações por ele compradas, pouco importando se pela via da nulidade dos negócios celebrados (como na 1.ª ação) se pela via da responsabilidade civil (como na 2.ª ação); .

      O pedido de condenação do ...... a pagar ao A. todos os valores de capital e juros que, no âmbito das operações realizadas, aquele já recebeu deste, não representa materialmente mais do que o que está na causa de pedir: a desvalorização dos títulos e a correspondente perda patrimonial; .

      Os pedidos são materialmente os mesmos, só diferindo formalmente em consequência do diverso fundamento jurídico invocado; .

      Se a ação é a mesma e uma só no que respeita aos danos patrimoniais, é também a mesma e uma só é no que respeita aos danos não patrimoniais, que se continua a pedir.

      Concluiu o R., nesta base, pela sua absolvição da instância.

    2. Na sequência de despacho proferido a fl. 2162, o A. veio apresentar resposta à matéria da alegada exceção de caso julgado, sustentando, em síntese, que: .

      A causa de pedir e o pedido não são os mesmos nas duas ações em referência; .

      Na anterior ação, a causa de pedir consistia nas circunstâncias tidas como geradoras de nulidade dos negócios jurídicos e o pedido foi a declaração de nulidade com as legais consequências; na presente acção, a causa de pedir consiste...

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