Acórdão nº 747/21.8GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 747/21.8GBABF do Juízo Local Criminal de ... [Juiz ...] da Comarca ..., o Ministério Público acusou AA, solteiro, trabalhador da construção civil, nascido a 15 de abril de 1995, em ..., filho de BB e de CC, residente na ..., ..., em ..., pela prática - de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelas disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 292.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º, e da alínea a) do n.º 1 e alínea c) do n.º 2 do artigo 101.º, todos do Código Penal; - de uma contraordenação prevista e punível pelos n.ºs 1 e 3 do artigo 4.º do Código da Estrada.

O Arguido apresentou contestação escrita, invocando não ter cometido o crime de condução de veículo em estado de embriaguez e oferecendo o merecimento dos autos quanto à prática da contraordenação que também lhe é imputada.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular e após comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, por sentença proferida e depositada em 9 de março de 2022, foi decidido: «a) condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art.º 291.º, n.º 1, al. b) do código Penal, na pena de UM ANO E OITO MESES DE PRISÃO EFECTIVA; b) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano e seis meses; c) condenar o arguido AA pela prática da contraordenação de desobediência a ordem de paragem emanada de autoridade fiscalizadora do trânsito, infração prevista e punível pelo artigo 4.º, n.º 1 e n.º 3, do Código da Estrada, na coima de € 500,00 (quinhentos euros); d) condenar o arguido AA no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC's - art.º 513.º do CPP e art.º 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

» Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «III – A) QUESTÃO PRÉVIA I.

Dando cumprimento ao disposto no artigo 412.º, n.º 5 do CPP, o recorrente refere que mantém interesse no recurso por si interposto a fls… (que deu entrada em Juízo em 09-12-2021, com a Ref.ª CITIUS 9569640), recurso esse que se encontra retido, a aguardar o presente e com o mesmo deverá subir a este Venerando Tribunal.

III – B) OBJECTO DO RECURSO II.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. (…), que condenou o arguido Recorrente pela prática de um crime condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano e seis meses.

III.

Salvo o devido respeito, o Recorrente não se conforma com a decisão de facto e de direito, exarada pelo douto tribunal “a quo”, nos termos e pelas razões que de seguida passa a enunciar.

III – C) DA NULIDADE DA SENTENÇA IV.

O douto tribunal “a quo” não fundamenta os factos que julgou provados nos pontos 13 a 22 da decisão de facto, incorrendo assim em nulidade por violação do disposto no artigo 374.º, nº 2 do CPP conjugado com o artigo 379.º, nº 1 al. a) do mesmo diploma legal.

V.

A sentença sub judice também afastou a aplicação ao arguido do regime de permanência na habitação consagrado no artigo 43.º do Código Penal sem ponderar/analisar/fundamentar essa preterição, incorrendo assim na nulidade prevenida no artigo 374.º, nº 2 do CPP conjugado com o artigo 379.º, nº 1 al. a) do mesmo diploma legal.

VI.

O douto tribunal “a quo” também afastou a aplicação ao recorrente da pena de substituição prevista no artigo 58.º do Código Penal, prestação de trabalho a favor da comunidade referindo, sucintamente, que “uma vez que os factos praticados pelo arguido ocorreram quando este estava sujeito a um período de suspensão de execução de pena de prisão” essa pena substitutiva não satisfaz as necessidades de prevenção especial que ao caso cabem.

VII.

Com a devida vénia, entende o Recorrente que essa fundamentação é insuficiente para os efeitos pretendidos pela norma contida no artigo 374.º, nº 2 do CPP, sendo, por conseguinte, nula a douta sentença por aplicação do disposto no artigo 379.º, nº 1 al. a) do mesmo compendio legal.

SEM CONCEDER III – D) DO ERRO DE JULGAMENTO DOS PONTOS 11 E 21 DOS FACTOS PROVADOS VIII.

No ponto 11 deu o tribunal “a quo” como provado “em julgamento, o arguido não demonstrou qualquer tipo de autocensura pelos seus atos.” IX.

Com o devido respeito, esse ponto de facto não encontra suporte nas declarações prestadas pelo arguido em audiência e que se encontram gravadas em sistema digital, com início pelas 14:03:09 e termo pelas 14:31:00. - cfr. ata de audiência de julgamento de 17-12-2021.

X.

Desde logo, o juízo de autocensura é um processo interno, impossível de ser apreendido por um observador externo.

XI.

Externamente, esse juízo de autocensura pode e deve aferir-se por determinados elementos objetivos, tais como a confissão do arguido e pela sua postura em audiência que, in casu, não foi de desculpabilização, antes de assunção da responsabilidade pelos factos que lhe vinham imputados, (com uma ou outra exceção é certo), conforme se extrai cristalinamente das suas declarações.

XII.

O arguido quis e prestou declarações nas quais admitiu a factualidade vertida no libelo acusatório, explicando, a instâncias do Mmº Juiz “a quo”, que não obedeceu ao sinal de paragem da GNR porque receava ser multado (minuto 3:57), tendo admitido que fez mal por ter fugido à GNR (minuto 4:26).

XIII.

A sua conduta processual foi de colaboração com o tribunal na descoberta da verdade material.

XIV.

Na sentença recorrida o Mmº Juiz “a quo” teceu duras críticas ao comportamento do arguido aquando das declarações prestadas que, salvo o devido respeito, merecem ser sindicadas pelo douto tribunal “ad quem”.

XV.

Da audição das mesmas (declarações) mostra-se patente que o arguido, estrangeiro e pouco fluente na língua portuguesa, estava nervoso e não percebeu cabalmente as perguntas/afirmações que o Mmº Juiz “a quo” lhe colocava, sendo esse o fundamento da sua hesitação e pouca segurança nas respostas apresentadas. Veja-se a título de exemplo, que ao minuto 10:40 o Mmº Juiz “a quo” perguntou: Fez uma ultrapassagem regular? O arguido não respondeu porque não entendeu a pergunta, e tanto assim é que o Mmº Juiz foi reformulando a mesma pergunta usando sinónimos mais simples, tais como “bem feita” referindo-se à ultrapassagem.

XVI.

Nas suas instâncias, o Mmº Juiz foi fazendo perguntas e observações que, nitidamente, o arguido não percebia e às quais ia respondendo, perdoe-se o plebeísmo, “à toa”, dentro da sua limitada compreensão sobre o que estava a ser perguntado, levando o tribunal “a quo” a apodar de surreal, ridícula e desrazoável a sua versão dos factos.

XVII.

Das suas declarações não resulta que o arguido tenha apresentado uma versão dos factos diferente da que constava no libelo acusatório, e isso é facilmente percetível pela audição das mesmas.

XVIII.

O que resulta sim, mas a gravação não mostra, é que na audiência de julgamento o arguido, além de pouco fluente, mesmo básico no discurso, usava máscara.

XIX.

Pelo que, sem se pretender sindicar o princípio da livre apreciação da prova, o uso da máscara, a par do limitado entendimento da língua pelo arguido, colocou em causa a eficácia do princípio da imediação e da oralidade.

XX.

Destarte, à luz do que ficou dito, e por apelo às declarações do arguido, requer-se a V. Exas., ao abrigo do disposto no artigo 412.º, nºs 3 e 4 do CPP, a reapreciação desse ponto de facto, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação: 11. “o arguido confessou parcialmente os factos que lhe vinham imputados, mostrando arrependimento.” XXI.

Quanto ao ponto 21 deu o tribunal “a quo” como provado que o arguido tem como encargos fixos a renda da casa (300€) e mensalidade da ama da descendente menor (150€); XXII.

Acontece que nas declarações que prestou e que se encontram gravadas em sistema digital, com início pelas 14:03:09 e termo pelas 14:31:00 - cfr. ata de audiência de julgamento de 17-12-2021 - o arguido, instado pelo Mmº Juiz respondeu como segue: MMº Juiz (Minuto 17:20): O senhor vive com a sua família em casa de quem? Arguido (minuto 17:22): arrendada MMº Juiz (minuto 17:28): quanto paga de renda? Arguido (minuto 17:29): 400 euros.

Mmª Juiz (minuto 17:30): e a criança, menino, é um menino, não é? Arguido (minuto 17:33): não. É uma menina.

MMº Juiz (minuto 17:37: está na creche, no infantário Arguido (minuto 17:39): no infantário.

MMº Juiz (minuto 17:40): e paga infantário ou é… Arguido (minuto 17:42): não XXIII. Verifica-se, assim, contradição da matéria vertida nesse ponto de facto com as declarações prestadas pelo arguido, ocorrendo assim erro de julgamento quanto a esse concreto ponto, que ao abrigo do disposto no artigo 412.º, nºs 3 e 4 do CPP deve ser reapreciado, passando a ter a seguinte redação: “21. o arguido tem como encargos fixos a renda da casa (400€). “ III – E) DA OPÇÃO PELA PENA DE PRISÃO XXIV.

O crime de condução perigosa de veículo p. e p. pelo artigo 291.º, nº 2 do Código Penal de que vem condenado, prevê penas alternativas de prisão até 3 anos ou multa até 340 dias.

XXV.

O tribunal “a quo” optou pela pena de prisão em detrimento da de multa com fundamento no facto de o ilícito dos autos ter sido cometido no período de execução de uma pena suspensa.

XXVI.

Ora, dos autos resulta que resulta que a anterior condenação do arguido foi por ilícito de natureza totalmente diferente da dos presentes autos, que os factos aí em causa remontam ao mês de janeiro do ano de 2016 (ou seja, há mais de 6 (seis) anos) e a idade e as circunstâncias de vida do arguido nessa época eram outras.

XXVII.

Mais resulta que no âmbito da pena aplicada nesse processo o arguido...

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