Acórdão nº 248/21.4GCSTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No Proc. 248/21.4GCSTB, que corre termos nos serviços da Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca ..., ..., por esta entidade foi, por despacho de 09/11/22, requerida a emissão de mandados de busca domiciliária àquela que outrora fora a casa de morada de família dos ofendidos AA e BB no âmbito de inquérito e que é arguido CC pela prática de factos susceptíveis de integrarem dois crimes de violência doméstica.

Em tal despacho, solicitava-se a apreensão do telemóvel do arguido e dos bens essenciais e pessoais das duas vítimas que o arguido, por ali viver, retinha, impedindo o acesso e fruição dos mesmos a tais objetos.

Foi este requerimento objecto do seguinte despacho judicial (transcrição): Vem o Ministério Público requerer que se autorize busca ao domicílio de CC, sito na Estrada ..., ..., em ... para apreensão de: a) Telemóvel do arguido, usado para enviar mensagens à ofendida; b) Diversos bens pessoais das duas vítimas, id. a fls. 148, que este recusa a entregar, pese embora já tenha sido notificado para tal; c) Quaisquer outros elementos de prova relevantes para a investigação.

Nos termos do disposto no artigo 174º do Código de Processo Penal, quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista. Quando houver indícios de que esses animais, coisas ou objectos, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.

Ainda, e nos termos do disposto no artigo 178º do mesmo diploma, são apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os animais, as coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova. Os instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos assim apreendidos são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto, devendo os animais apreendidos ser confiados à guarda de depositários idóneos para a função com a possibilidade de serem ordenadas as diligências de prestação de cuidados, como a alimentação e demais deveres previstos no Código Civil.

Temos assim que a busca prevista no Código de Processo Penal tem por objectivo permitir a apreensão de animais, coisas ou objectos que possam servir de prova é um meio de obtenção de prova.

Não tem, por outro lado, escopo de permitir a apreensão de bens cuja propriedade pode até ser controvertida, e cuja apreensão não se destina à produção de prova, mas antes a (re)integrar na posse aquele que se arroga a legítimo proprietário. Para fazer operar tal entrega, de forma expedita, prevê o direito civil a providência cautelar comum (artigo 379º do Código de Processo Civil), que pode decorrer, inclusive, sem audição do requerido.

No âmbito do presente inquérito é investigada a prática de, além do mais, prática pelo denunciado de dois crimes de violência doméstica, tipo legal previsto e punível no artigo 152º, número 1, al. a) do C. Penal.

Do teor dos elementos de prova enunciados na promoção de fls. ref. 95860971, resulta que o arguido possui pelo menos um telemóvel, o qual utiliza na prática do crime investigado, e possivelmente mantém na residência para a qual é solicitada a busca. Mostra-se ser essencial a apreensão de tal objecto, ou outros que possua, para o esclarecimento dos factos indiciados e respectiva prova.

Assim, com o intuito de serem apreendidos objectos que possam servir de prova dos factos investigados nos autos (artigo 178º, do Código de Processo Penal), e ao abrigo do disposto no artigo 174º, número 2, do mesmo diploma, ordeno que, com as formalidades a que se reportam os artigos 176º e 177º número 1, do aludido código, se proceda a busca domiciliária na(s) seguinte(s) residência(s), respectivo(s) anexo(s), arrecadação(ões), e garagem(ns), quintal(ais), espaço(s) adjacente(s) à residência(as) e caixa(s) postal(ais), se necessário com arrombamento de portas: - residência de CC, sita na Estrada ..., ....

Sublinha-se, porém, na sequencia do supra consignado, que na presente busca, todas as apreensões de objectos efectuadas que não tenham por objectivo a produção de prova, mas tão só a restituição dos bens apreendidos a quem deles se arrogar proprietário (sendo o direito de propriedade disputado) estarão vedadas, por se inserirem fora do escopo da norma que permite a ingerência nos direitos do buscado, i.e., o artigo 178º do Código de Processo Penal, - que apenas autoriza a apreensão de objectos para efeito de prova (ou no caso de suscetibilidade de perda a favor do estado, o que não ocorre neste caso).

Não presidirei, atento o elevado volume de serviço.

Passe e entregue os respectivos mandados de busca ao Ministério Público, os quais deverão ser cumpridos no prazo máximo de 30 dias (artigo 174º, número 4, do Código de Processo Penal).

Regressem os autos ao Ministério Público.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o MP, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1 — Requerida a emissão de mandados de busca à residência do arguido, e que outrora constitui a casa de morada de família dos ofendidos, para apreensão dos bens pessoais destes últimos, nos termos do disposto nos artigos 152.

0 do Código Penal (na sua mais recente Redação, Lei n.

0 57/2021 de 16-08 , entrada em vigor em 17-08-2021) em conjugação com os artigos 174.

0, n.

01, 2, 177.

0 do Código de Processo Penal e artigo 21.

0, n.

0 4 da Lei n.

0 112/2009 de 16 de setembro, foi tal requerimento indeferido por despacho de M.mo. Juiz de Instrução Criminal, porquanto "Ainda, e nos termos do disposto no artigo 178 0 do mesmo diploma, são apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionadas com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os animais, as coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova. Os instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos assim apreendidos são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto, devendo os animais apreendidos ser confiados à guarda de depositários idóneos para a função com a possibilidade de serem ordenadas as diligências de prestação de cuidados, como a alimentação e demais deveres previstos no Código Civil. Temos assim que a busca prevista no Código de Processo Penal tem por objectivo permitir a apreensão de animais, coisas ou objectos que possam servir de prova — é um meio de obtenção de prova. Não tem, por outro lado, escopo de permitir a apreensão de bens cuja propriedade pode até ser controvertida, e cuja apreensão não se destina à produção de prova, mas antes a (re)integrar na posse aquele que se...

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