Acórdão nº 1353/21.2T9GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução25 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

EXAME PRELIMINAR (artigo 417º, n.º 1 do CPP) O recurso de decisão recorrível é, de facto, tempestivo, interposto por quem para tanto tem legitimidade, tendo sido admitido com efeito e regime de subida adequados, devendo manter-se, por conseguinte, tal efeito.

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto desta Relação teve vista no processo (artigo 416º do CPP), tendo a recorrente apresentado resposta.

Profiro de seguida decisão sumária [artigos 417º, n.º 6, alínea d) do CPP].

* RECURSO N.º 1353/21....

Processo Comum Singular Legitimidade para a constituição de assistente Juízo Local Criminal ... – Juiz ...

Tribunal Judicial da Comarca ...

DECISÃO SUMÁRIA Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1. O DESPACHO RECORRIDO No Processo Comum Singular nº 1353/21...., a correr termos no Juízo Local Criminal ... (Juiz ...), foi proferido despacho datado de 21 de Outubro de 2022 (com a referência nº ...73), com o seguinte teor, na parte que interessa à decisão deste recurso (transcrição): «Fls. 117: Veio Sociedade Portuguesa de Autores, CRL.

requerer a sua constituição como assistente.

O Ministério Público nada tem a opor.

Foi cumprido o disposto pelo artigo 68º nº 4 do Código de Processo Penal, não havendo qualquer oposição por parte do arguido.

Apreciando e decidindo: Dispõe o art. 68º, nº 1, al. a), do CPP, que “…podem constituir-se assistentes em processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: a) os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de dezasseis anos….”.

Ora e conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Vol 1, pag 512-513, a nossa lei parte do conceito estrito de ofendido na determinação do círculo de pessoas que têm legitimidade para intervirem como assistentes em processo penal. (jurisprudência corrente, vide Ac. do S.T.J. de 20.1.98. Colectânea de Jurisprudência, Supremo Tribunal de Justiça, Ano VI, Tomo I, p.163).

Assim sendo não é ofendido, para este efeito, qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime, mas somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime. O objecto jurídico mediato é sempre de natureza pública; o imediato, (…) pode ter por titular um particular.

Ou seja nem todos os crimes têm ofendido particular, mas só o têm aqueles cujo objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou um direito de que é titular um particular, questão esta que por vezes se mostra melindrosa mas necessária porque só com ela é que é possível averiguar da viabilidade daquela constituição de assistente, a questão é, por vezes, de indagação melindrosa, mas indispensável, porque só mediante ela é possível averiguar da viabilidade de constituição de assistente. (vide Maia Gonçalves in Código Processo Penal Anotado, 17ª ed. pág. 210).

Do exposto resulta pois que nos casos de crimes públicos em que o interesse tutelado é exclusivamente público a regra é de que ninguém poderá constituir-se assistente (Figueiredo Dias ob. cit. pág. 513).

Neste último caso o direito de constituição de assistente só existirá se for conferido por lei especial, conforme expressamente dispõe o art.º 68º n.º 1 do Código Processo Penal.

No que ao caso em apreço, subscrevemos por inteiro a análise efectuada no Ac do Tribunal da Relação do Porto, de 12/01/2011, sendo relator Vasco Freitas, disponível em www.dgsi.pt que a seguir se transcreve: «O crime de desobediência integra o Título V, Dos Crimes Contra o Estado do Livro II (parte especial) do Código Penal.

No crime de desobediência o bem jurídico protegido é a «autonomia intencional do Estado» [Acórdão deste Tribunal de 28.2.2001 disponível em www.dgsi.pt, Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, p.

350], o âmbito da ilicitude abrange apenas interesses públicos de que o Estado é único titular imediato, concretamente o cumprimento e aceitação de decisões judiciais que decretam ordens em providências cautelares.

Não relevam interesses dos particulares, mesmo que estes também sejam prejudicados com o não acatamento dessas decisões.

Relativamente aos particulares apenas se poderá falar em protecção indirecta, de segunda linha ou reflexa, como realça o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.

Consequentemente o particular queixoso não tem legitimidade para se constituir assistente relativamente ao crime de desobediência, entendimento corrente a nível jurisprudencial [Acórdão RC de 26.11.86, BMJ 361º 616], tendo essa interpretação acolhido juízo de conformidade constitucional [Acórdão Tribunal Constitucional n.º 76/2002, de 28 de Fevereiro, DR, II, série, de 5 de Abril]”.

No mesmo sentido de não admissibilidade da constituição de assistente no crime de desobediência, pronunciaram-se de igual modo nesta Relação os Exmºs Desembargadores Drª Conceição Gomes – Ac de 28/11/2001- e Dr.

Marques Salgueiro- Ac de 15/07/98- ambos em www.dgsi.pt.

Não desconhecemos que como é referido na fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº1/03 (DR Iª Série A, nº49, de 27Fev.03) “recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça começou a inflectir o caminho anteriormente percorrido… e decidiu que «sendo o objecto mediato da tutela penal sempre de natureza pública (sem o que não seria justificada a incriminação), o imediato poderá também ter essa natureza ou significar, isolada ou simultaneamente com a aquele, o fim de tutela de um interesse ou direito da titularidade de um particular».

Posição que vai no sentido ..., de que «especial» não significa «exclusivo», mas sim «particular», e que um só tipo legal pode proteger mais do que um bem jurídico, questão a resolver face, ao mesmo tempo, ao caso concreto e ao recorte do tipo legal interessado”.

E assim o S.T.J.

admitiu a intervenção como assistente em relação a crime de denúncia caluniosa e foi fixada jurisprudência por aquele mesmo acórdão nº1/03, no sentido de admitir como assistente, em relação ao crime de falsificação, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente.

Contudo, não se nos afigura no caso em apreço, de seguir esta decisão do Ac.

uniformizador atenta a diversidade dos tipos de ilícito em apreço.

Com efeito no tipo da falsificação [art.º 256º do CP] fala-se na intenção de causar prejuízo a «outra pessoa», referência esta que o Ac.

uniformizador assenta para legitimar o ofendido à constituição de assistente.

Ora tal referência igual ou similar não se colhe no tipo do art.º 348º do Código Penal.

No caso, em relação ao crime de desobediência, por referência ao art.391, do CPC, é inquestionável que se pretende proteger a autoridade das decisões judiciais, em especial das proferidas em providências cautelares, mecanismo processual que visa remover o periculum in mora e assegurar a efectividade do direito ameaçado (art.381, do C.P.C.) Continuamos, pois, a seguir a orientação tradicional e considerarmos não admissível a constituição de assistente neste tipo de ilícito.

Sobre a constitucionalidade de tal interpretação que o recorrente parece levantar se bem que a nosso ver não explicitamente como o deveria tê-lo feito, não vemos que a mesma possa de modo algum contender com os normativos constitucionais.

Sobre tal matéria já se pronunciou o Tribunal Constitucional, referindo expressamente no seu Ac.

nº 499/2003 que: Por outro lado (…), no crime de desobediência o que se incrimina é a desobediência, independentemente das consequências.

Continua, aqui, a proteger-se, tal como nos demais crimes contra a autoridade pública, a autonomia funcional do Estado, pelo que é o Estado, o ofendido, porque legítimo titular do interesse ofendido pela prática do crime de desobediência.

No crime de desobediência não se inscreve qualquer preocupação de protecção de interesses de pessoas a quem, em segunda linha, o acatamento da ordem possa aproveitar, as quais não gozam, por isso, da faculdade de se constituírem como assistentes.

E nem se diga que esta interpretação restritiva do conceito de assistente a que alude o artº 68.º n.º 1 al.

  1. do CPP, no crime de desobediência, fere os princípios constitucionais a que alude o artº 268.º da CRP (direito à informação, princípio de arquivo aberto e princípios da transparência e da publicidade) uma vez que tais princípios mantêm-se intocáveis no quadro desta interpretação na medida em que assistem às requerentes outras vias jurisdicionais na orla do Estado de Direito para fazerem valer os seus direitos.

Assim, ninguém pode constituir-se como assistente relativamente ao crime público de desobediência, uma vez que o interesse protegido pela incriminação é exclusivamente público, como sucede com os crimes contra o Estado (…)".

O exposto não colide com o Acórdão Constitucional nº 205/01 citado pelo recorrente pois conforme este refere que “… com a Revisão Constitucional de 1997 (Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro), o reconhecimento daquele interesse específico passou a constar expressamente do nº7 do artigo 32º da Constituição, que estabelece que "o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei".

Porém, este preceito, limita-se a consagrar de forma ampla e genérica o direito do ofendido de intervir no processo penal, atribuindo à lei ordinária a acção modeladora...

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