Acórdão nº 806/22 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Novembro de 2022

Data30 Novembro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 806/2022

Processo n.º 1022/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. foi condenado por acórdão do Juízo Central Criminal de Guimarães (Juiz 3), do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro e Tabelas I-A e I-B anexas ao diploma, e artigos 75.º e 76.º do Código Penal (CP), na pena de seis anos e seis meses de prisão.

Desta decisão o arguido interpôs recurso em matéria de Direito, convolado como dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, a que foi negado provimento por acórdão de 12 de outubro de 2022.

2. A. recorreu depois para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (LTC) que, pela decisão sumária n.º 660/2022, decidiu não conhecer do mérito do recurso. Os fundamentos foram os seguintes, para o que aqui nos interessa:

“(…) o recorrente pretende ver fiscalizada a norma do artigo 127.º do CPP (livre apreciação da prova), quando interpretado no sentido de permitir ao julgador, no domínio do julgamento da matéria de facto, recorrer ao estatuto de presunções previsto nos artigos 349.º e 350.º, ambos do Código Civil (CC) ou de fundamentar a sua decisão nesses termos.

Ora, o acórdão recorrido realiza algumas alusões à compaginação para com a Lei Fundamental da utilização de normas presuntivas no âmbito do processo-crime, arrolando precedentes jurisdicionais deste Tribunal Constitucional que, sucessivamente, se vieram posicionando pela inexistência de rutura com as garantias de defesa do arguido (Acórdãos do TC n.ºs 391/2015, 578/2016, 197/2017, 149/2018, 521/2018 e 444/2021). No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça acaba por omitir o juízo de fiscalização requerido, por entender a questão deslocada do recurso interposto. Diz-se, a propósito, no acórdão recorrido:

«há, todavia, que ter em conta que a pretendida apreciação da norma constitucional do artigo 127.º do CPP, no sentido de permitir o recurso a presunções, para além de não vir fundamentada ou concretizada, diz respeito ao critério (jurídico) de formação da base probatória relativo à apreciação da prova pelo tribunal recorrido para afirmar os factos provados, ou seja, traduzir-se-ia numa questão (de direito) respeitante à decisão em matéria de facto.

O conhecimento desta questão imporia, assim, que o recorrente impugnasse a decisão em matéria de facto, nos termos exigidos pelo n.º 3 do artigo 412.º do CPP, no respeitante a provas extraídas por via de presunções legalmente admissíveis quanto a factos dados como provados no acórdão recorrido. O que o recorrente não faz. (…)

(…) poderia restar a este Supremo Tribunal competência para eventual conhecimento da questão no âmbito da apreciação dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, se o recurso fosse interposto com estes fundamentos, como permite o artigo 432.º, n.º 1, ali. c), do CPP, parte final, a partir da alteração a este preceito introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro. O que também não ocorre.

Assim sendo, estando o recurso limitado a matéria de direito quanto às questões anteriormente identificadas – reincidência e medida da pena –, e não se suscitando, nesse âmbito, qualquer questão de aplicação da norma do artigo 127.º do CPP, que o Supremo Tribunal de Justiça deva conhecer, não tem este tribunal que proceder à pretendida apreciação da inconstitucionalidade mencionada.»

Dito de outra forma, porque o recorrente não atacou a decisão em matéria de facto, esta seria impassível de ser revista ou alterada pelo Tribunal de recurso, pelo que ingressos sobre os limites constitucionais às condições por que pode ser formada a convicção do julgador (artigo 127.º do CPP) ou às condições em que deve ser fundamentada, foram entendidos como desprovidos de utilidade no processo: qualquer que fosse o entendimento que se adotasse, jamais daí resultaria qualquer alteração da decisão de facto proferida pela 1.ª instância, impondo-se a avaliação jurídico-penal do mesmo acervo factual, suporte da condenação e da pena aplicada ao recorrente.

Nesse pressuposto, o Supremo Tribunal de Justiça não apenas afastou a necessidade de controlo jurisdicional da constitucionalidade da norma sindicada, deixou-a também de fora dos fundamentos normativos a que apelou ao decidir. Na verdade, o segmento decisório do acórdão recorrido cinge-se ao juízo sobre a operatividade de circunstância modificativa agravante geral (reincidência) e à determinação concreta da pena, apelando como fundamento normativo, por isso, ao disposto nos artigos 48.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, e 40.º, 70.º, 71.º, 75.º e 76.º, todos do CP.

Mais se diga, podemos anotar que nem sequer a sentença em 1.ª instância, ao decidir em matéria de facto, em algum momento entendeu operante qualquer tipo de presunção sobre o recorrente: o Tribunal fundou a convicção que subjaz ao juízo de comprovação nas declarações do próprio acusado (que terá confessado os factos na sua quase-totalidade), em testemunhos, em prova documental e, no mais, nos elementos obtidos em buscas e exames realizados durante a fase de inquérito. Não se observa no caso sub iudicio, pois, um...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT