Acórdão nº 444/21 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 444/2021

Processo n.º 1115/2019

1ª Secção

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No âmbito do processo comum coletivo, que corre termos no Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 1, com o número 1/16.7GAPVL, foi a Arguida A., ora Recorrente, condenada na pena de seis anos e dois meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B anexa ao aludido diploma.

1.1. Desta decisão a Recorrente interpôs recurso para o TRG, tendo suscitado nas alegações de recurso a seguinte questão de inconstitucionalidade (cfr. fls. 7522):

“[…]

19. A Recorrente entende que deve ser apreciada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, acolhida na decisão recorrida de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349.º e 350.º, do Código Civil,

20. considerando e com o devido respeito, que tal interpretação ora colocada em crise viola as garantias de defesa e da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, consagrados no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, bem como, do dever de fundamentar, estatuído no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

21. A recorrente considera e com o devido respeito que o Tribunal recorrido deveria ter aplicado os princípios constitucionais supra referidas aquando da interpretação normativa do artigo 127.º do Código de Processo Penal, enquanto expressão garante da minimização de equívocos irrefletidos quando se recorre a este tipo de prova,

22. Como resulta do acórdão recorrido quando formou a sua convicção sobre a verdade do facto e do convencimento da veracidade do mesmo, para lá da dúvida razoável, sustentando tal convencimento em elementos de prova que mesmo concatenados com outros não deveriam ter permitido formar a convicção do Tribunal a quo, pela verdade do facto e sua demonstrabilidade no que concerne à prática dos crimes em causa.

23. Por tal, foram violados os artigos 40.º, 70.º, 71.º todos do Código Penal, artigo 127.º, do Código de Processo Penal, artigos 21.º, n.º 1, e do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-B e I-C, a ele anexas e artigos 32.º, n.º 2 e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

[…]”.

1.2. Por acórdão de 25/06/2019, o TRG julgou o recurso da Recorrente improcedente, mantendo a condenação da primeira instância. No tocante à questão de inconstitucionalidade suscitada pela Recorrente, o TRG remeteu para os fundamentos do Acórdão deste Tribunal n.º 391/2015, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal” (cfr. fls. 7511 a 7658).

1.3. Inconformada, a Recorrente interpôs recurso do acórdão do TRG para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, com vista à apreciação da “inconstitucionalidade normativa decorrente da aplicação do artigo 127.º do Código de Processo Penal(cfr. fls. 7662).

1.3.1. Por despacho de 28/10/2019, foi admitido o recurso para este Tribunal com efeito suspensivo (cfr. fls. 7719).

1.3.2. Em 17/12/2019, o Relator proferiu despacho a conformar o objeto do recurso e a conferir prazo para alegações, com o seguinte teor (cfr. fls. 7718):

“A recorrente não enuncia, no requerimento de interposição do recurso, o específico critério normativo, cuja sindicância de constitucionalidade pretende, indicando apenas o preceito que, presumivelmente, lhe servirá de base, ou seja, o artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Porém, atendendo ao ónus descrito no artigo 72.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante LTC), verifica-se que, junto do tribunal a quo, no momento processualmente adequado, a recorrente invocou ser inconstitucional «a interpretação normativa do artigo 127.º do Código de Processo Penal, acolhida na decisão recorrida de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349.º e 350.º do Código Civil, considerando (... ) que tal interpretação ora colocada em crise viola as garantias de defesa e da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, consagrados no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como do dever de fundamentar, estatuído no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa».

Concatenada a fundamentação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal a quo apenas recorreu a «presunções judiciais» - e não a presunções legais, razão por que se afasta, liminarmente, a pertinência da invocação do artigo 350.º do Código Civil.

Assim, a única questão que pode ser conhecida, no âmbito do presente recurso - por apenas, nessa parte, estarem cumpridos os pressupostos de cumprimento do ónus de suscitação prévia e de coincidência com critério normativo convocado pela ratio decidendi -, é a constitucionalidade da interpretação do artigo 127.º do Código de Processo Penal, no sentido de que a apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso a presunções judiciais.

Com a precedente delimitação do objeto do recurso, notifique para apresentação de alegações no prazo de trinta dias, nos termos do artigo 79.º, n.º 2, da LTC.” (sublinhados nossos)

1.3.3. A Recorrente apresentou alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões (cfr. fls. 7720 a 7722):

A. A problemática em causa é a de saber se pode o julgador - em termos constitucionalmente relevantes – socorrer-se da interpretação do artigo 127º do Código de Processo Penal, no sentido de que, em processo penal, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso a presunções judiciais.

B. A fundamentação da decisão que resultou na condenação da recorrente em pena de prisão efetiva, assentou em presunções judiciais, efetuadas por referência ao art.º 127 do Código de Processo Penal.

C. A recorrente considera existir uma inconstitucionalidade material decorrente da aplicação do artigo 127º do Código de Processo Penal, atenta a violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade e garantias do processo criminal, consagrados pelos artigos 32º, nº 2 e 205°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

D. A recorrente entende que deve ser apreciada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127º do Código de Processo Penal acolhida na decisão recorrida de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais,

E. Considerando e com o devido respeito, que tal interpretação ora colocada em crise viola as garantias de defesa e da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, consagrados no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como, do dever de fundamentar, estatuído no artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

F. A recorrente considera e com o devido respeito que o Tribunal recorrido deveria ter aplicado os princípios constitucionais supra referidos aquando da interpretação normativa do artigo 127º do Código de Processo Penal, enquanto expressão garante da minimização de equívocos irrefletidos quando se recorre a este tipo de prova,

G. Como resulta do acórdão recorrido quando formou a sua convicção sobre a verdade do facto e o seu convencimento da veracidade do mesmo, para lá da dúvida razoável, sustentando tal convencimento em elementos de prova que mesmo concatenados com outros não deveriam ter permitido formar a convicção do Tribunal a quo.

H. Assim, o entendimento dado pelo acórdão recorrido ao art. 127.º do Código de Processo Penal, no sentido de que, pode o Tribunal socorrer-se de presunções judiciais e com isso suplantar a dúvida razoável, é inconstitucional, por ofensa ao consagrado no art.º 32 da Constituição da República Portuguesa, bem como, do dever de fundamentar, estatuído no artigo 205º ambos da Constituição da República Portuguesa - numa restrição claramente desproporcionada, desnecessária e desadequada.”

1.3.4. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela constitucionalidade da norma sub judice, remetendo para a jurisprudência sedimentada deste Tribunal, sobre o mesmo tópico, designadamente, e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos n.ºs 391/15, 541/18 e 521/18 (cfr. fls. 7727 a 7754).

**

Sobreveio, entretanto, a cessação de funções do Relator originário, pelo que foram os autos (re)distribuídos ao ora Relator.

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

2. O thema decidendum do presente recurso consiste – na sequência da delimitação traçada anteriormente no despacho de 17/12/2019 (cfr. ponto 1.3.2. supra) – na apreciação da constitucionalidade da norma inscrita no artigo 127.º do CPP, interpretada no sentido de que a apreciação da prova,...

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