Acórdão nº 2843/18.0T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 30 de Novembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A.
, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, e € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; acrescidos de juros de mora desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tal, em síntese, que, em 2006, era cliente, na agência de ..., do BPN (que é hoje, após a nacionalização e posterior venda, o R. BIC), tendo-lhe uma funcionária de tal agência, “aproveitando-se da relação de confiança existente entre ambas” e não obstante a A. ter um perfil conservador e sempre ter investido o seu dinheiro em depósitos a prazo, vendido duas obrigações subordinadas “SLN Rendimento Mais 2006” (no valor de € 50.000,00 cada uma) sem lhe explicar o que eram obrigações subordinadas, suas características e riscos associados, antes apresentando tais obrigações subordinadas como uma possibilidade de poupança idêntica a um depósito a prazo (DP), com capital garantido pelo Banco, elevadas taxas de remuneração e pagamento de juros semestrais, razão pela qual a A. investiu nelas € 100.000,00, “convicta de que estava a aplicar o seu dinheiro num produto semelhante a um DP, com o valor do capital investido garantido pelo banco”, ou seja, “nunca a A. teria investido o seu dinheiro, e principalmente num montante tão elevado, se o Banco a tivesse informado que o dinheiro seria investido em obrigações sem que o capital fosse garantido pelo Banco”.
Adquirido tal produto/obrigação, sempre, até Maio de 2015, lhe foram pagos os juros do capital investido, não lhe sendo assim pagos os dois últimos cupões e sendo-lhe dito que, sendo a aplicação uma obrigação da SLN e estando esta insolvente (o que, entretanto, foi declarado), o reembolso do capital devia ser reclamado no processo de insolvência, do que a A. discorda, uma vez que o BPN assegurou/garantiu o reembolso do capital investido/emprestado, razão pela qual o Banco BIC deve ser condenado a restituir-lhe os €100.000,00 investidos, acrescidos de juros.
Ademais, confrontada com a ideia de perder o dinheiro investido, foi “a revolta e tristeza que se apoderou da autora por ter confiado no banco, sentimentos que perduram”, o que, pela sua gravidade, justifica, a seu ver, que seja indemnizada pelos danos não patrimoniais sofridos.
O R. contestou, alegando, em síntese: que na intermediação financeira efectuada na relação com a A., a respeito da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, não houve qualquer violação do dever legal de informação, tendo sido prestada à A. a devida informação; que nunca o banco ou os seus colaboradores transmitiram à A. que o banco “garantia a emissão”; que, à época, “nada havia que desabonasse sobre o investimento efetuado”, sendo uma obrigação “um produto conservador”, com um risco reduzido, “indexado à solidez financeira da sociedade emitente”, sendo que a entidade emitente era a entidade “mãe” do banco e este um “componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património”, pelo que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquelas obrigações”; e que, ao longo dos anos, sempre a A. foi recebendo toda a documentação respeitante ao investimento efectuado e recebendo os juros sem ter suscitado qualquer reclamação.
Invocou que, se porventura fosse verdade (o que não concede) que não prestou a informação a que estava adstrito, o certo é que a A. sabe há muito o negócio/investimento que fez, pelo que, não tendo o R. agido com dolo ou culpa grave, já estaria prescrito o direito indemnizatório da A., nos termos do art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários.
Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
A A. respondeu, opondo-se às excepções suscitadas.
Foi proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento da prescrição invocada.
Veio a ser proferida sentença que condenou o R. a pagar à A. as seguintes quantias: - «€100.000,00 (cem mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação do Réu até efetivo e integral pagamento»; - «€3.000,00 (três mil euros), a título de indemnização de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios desde esta data até efetivo e integral pagamento».
Inconformado, interpôs o R. recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 18 de Fevereiro de 2020, foi julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o R. de todos os pedidos formulados pela A..
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Veio a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nos termos seguintes: «I. Resulta do acórdão recorrido que “tendo presente o que no caso se provou, […] o BPN não cumpriu devida e totalmente os deveres de informação a que estava adstrito […] não cumpriu, em relação à A., no âmbito da relação bancária que tinha com ela e do concreto contrato de receção e transmissão de ordens celebrado, os seus deveres de informação, sendo por isso, nos termos do art. 314.º/1 e 2 do CVM, responsável por tal incumprimento”, II. Mais se refere que esse incumprimento “desencadeia responsabilidade contratual, aplicando-se-lhe assim a presunção de culpa do art. 799.º do C. Civil; sendo que, no caso, face ao disposto no art. 314.º/2 do CVM – em que se estabelece idêntica presunção para o incumprimento dos deveres de informação”.
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O que levou o tribunal recorrido a recusar a obrigação da ré e indemnizar a autora foi a alegada ausência de nexo de causalidade entre o facto ilícito (incumprimento do dever de informar) e o dano (restituição do capital investido), o que não se aceita.
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O artigo 563.º do Código Civil que dispõe que “a obrigação de indemnização só existe e relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (nosso sublinhado), consagra teoria da causalidade adequada na formulação negativa, a qual apenas exclui a responsabilidade do agente quando o facto praticado se revelar totalmente indiferente para a produção do dano, e que só ocorreu fruto de circunstâncias anómalas.
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Resulta dos factos provados, que o BPN não expôs as diferenças entre um depósito a prazo e uma obrigação subordinada, não só aos seus clientes como aos funcionários, levando estes últimos a vender aos seus clientes um produto financeiro sobre o qual eles próprios não tinham todas as informações necessárias para esclarecer devidamente os potenciais investidores. (ponto 6 dos factos provados); VI. Que A Autora não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles – designadamente, ignorava o que eram obrigações subordinadas, quais as suas características e riscos associados, (ponto 8 dos factos provados); VII. Que até aquela data, a Autora aplicava o seu dinheiro, tanto no BPN como noutros Bancos, em depósitos a prazo, (ponto 16 dos factos provados); VIII. Que a Autora foi contactada por BB, funcionária do BPN, a qual fazendo uso da relação de confiança bancária entre cliente e funcionário bancário, apresentou-lhe uma aplicação de poupança...
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