Acórdão nº 541/13.0TVPRT.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | LUÍS ESPÍRITO SANTO |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo nº 541/13.0TVPRT.P1.S2 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).
I - RELATÓRIO.
AA e mulher BB, residentes no lugar de ..., ..., ..., instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Banco Português de Negócios, S.A. (BPN), Essencialmente alegaram: São clientes do R., sendo titulares da conta nº ...04, pertencente à agência de ... do Banco R..
A 31 de Março de 2004, os AA. depositaram na referida conta o montante de € 500.000,00, tendo constituído um depósito a prazo e contratado a taxa de juro de 4,5%, com vencimento semestral.
Esta quantia foi canalizada pelo Banco, sem o conhecimento e o consentimento dos AA., para uma aplicação financeira: a compra de 10 “Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004”, emitidas pela “SLN – Sociedade Lusa de Negócios”, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma.
O Banco R. nunca devolveu aos AA. os € 500.000,00.
Concluem pedindo a condenação deste: a) a restituir-lhes a quantia de € 500.000,00, correspondente ao capital por estes depositado numa das agência do R.; b) a pagar-lhes a quantia de € 22.707,39, relativo ao diferencial entre os juros contratados e os juros efectivamente pagos; c) a pagar-lhes a quantia de € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais.
A acção foi contestada pelo Banco BIC Português, S.A., que esclareceu que, na sequência de uma operação de fusão, por incorporação, passou a ser esta a denominação do BPN.
Na contestação, o R. excepcionou a prescrição do alegado direito dos AA., por a intervenção do Banco ter sido a de um simples e mero intermediário financeiro, pelo que a sua responsabilidade, caso existisse, extinguia-se logo ao fim de dois anos a contar da data em que o cliente teve conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, ao abrigo do disposto no art. 324.º, nº 2, do CVM.
Defende que os AA. decidiram transferir a quantia referida de € 500.000,00 para a aquisição de “Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004”, que seriam a emitir com data de 25 de Outubro de 2004 e tinham uma rentabilidade superior à que o Banco oferecia para os depósitos a prazo.
O A. marido subscreveu o respectivo boletim de subscrição a 13 de Outubro de 2004.
E, a fim de habilitar a sua conta DO com o montante necessário para tal subscrição, procedeu à liquidação de um depósito a prazo no dito montante de € 500.000,00.
Termina requerendo a condenação dos AA., como litigantes de má-fé, no pagamento de multa condigna e de uma indemnização ao Banco R..
Os AA. defenderam dever ser julgada improcedente a excepção de prescrição e mantiveram a versão dos factos apresentada na petição inicial.
Foi proferida sentença que absolveu o Réu do pedido.
Interpuseram os AA. recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão datado de 9 de Outubro de 2018, julgado procedente a apelação e, consequentemente, julgado improcedente a presente acção.
Vieram os AA. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
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Questão prévia - da omissão de pronúncia: 1- O Tribunal recorrido é omisso na pronúncia sobre as questões suscitadas pelos recorrentes.
2- Apesar de ter feito menção a alguns depoimentos prestados, não procedeu a qualquer análise crítica desses meios de prova, designadamente os indicados como fundamento da impugnação da decisão de facto.
3- De igual modo, o Tribunal recorrido não valorizou a prova documental que os recorrentes invocaram, que está acessível e que foi atendida na motivação da decisão da 1ª instância.
4- Não existiu um exame crítico das provas e exposição dos motivos que levaram o Tribunal recorrido a formar a sua convicção, em detrimento da apresentada pelos recorrentes.
5- O que consubstancia uma nulidade, prevista na alínea d), do nº1 do artigo 615.º, pois não foi apreciada questão que devia ser.
6- No caso dos presentes autos, é evidente a omissão de pronúncia por parte do Tribunal recorrido sobre matéria de facto que se revela pertinente para a integração jurídica do caso – art.682º, nº3 do CPC.
7- Com efeito, os recorrentes pugnaram pela alteração da matéria de facto, sustentando a mesma, quer na prova testemunhal quer na prova documental, sendo certo que as mesmas foram absolutamente ignoradas pelo Tribunal recorrido.
8- Do cotejo da prova produzida, resulta claramente factualidade que deveria ter sido dada como provada, e que não foi devidamente apreciada pelo Tribunal recorrido.
9- A testemunha ...
, que era gestor de conta dos AA., e que foi o único com intervenção direta na comercialização do produto aos AA., relatou os factos que tinha conhecimento de forma inteiramente séria, isenta e credível, indo no sentido inverso da matéria de facto dada como provada.
10- Resulta de forma clara do seu depoimento, que o A. tinha um perfil conservador, que não investia em produtos de risco.
11- Tanto mais que, admitiu não foi o A. que procurou uma aplicação com taxa de juro superior à de um depósito a prazo, mas sim, foi o próprio que propôs e aconselhou a subscrição do produto ao A., afiançando ainda, que se fosse hoje, nunca venderia tal produto ao A..
12- Assim, este depoimento é apto a dar como provado o seguinte facto:“O A.
tinha um perfil conservador, e não investia em produtos de risco, sendo do conhecimento do funcionário do Banco Réu.”.
13- Por outro lado, resulta do depoimento da aludida testemunha, que as informações que transmitiam aos clientes, era de que a SLN era risco do Banco.
14- Ora, esta ideia que o funcionário transmitiu ao A. sobre o facto de estar a comprar risco Banco, é corroborada pelo e-mail junto com a petição inicial, e que como referimos supra foi também ele desconsiderado pelo Tribunal recorrido.
15- O aludido e-mail, demonstra a ação determinada do banco BPN na venda de obrigações da SLN, com o argumento de que estas tinham para o subscritor/cliente o mesmo risco de um depósito a prazo feito no BPN.
16- Não obstante, a garantia do capital investido, resulta também da própria Nota Interna do Banco, cuja junção ora se requer, documento este, que é superveniente (superveniência subjetiva), pois só agora chegou ao conhecimento dos AA. e adveio à sua posse e do seu mandatário, o que impossibilitou a sua apresentação anteriormente ao recurso, mas que se revela imprescindível.
17- Além disso, o julgamento proferido na Tribunal recorrido, torna necessária a consideração deste documento, máximo, quando este se revelou de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.
18- O aludido documento prova à saciedade que o Banco Réu transmitia a informação aos seus funcionários, da garantia de 100% do capital investido, em papel timbrado do BPN, pelo que, tal facto tem que ficar como assente.
19- Assim, forçosamente deveria a matéria de facto ser alterada, passando a constar da factualidade dada como provada os seguintes factos:“O Banco R., através do seu funcionário, disse ao A.
que o produto era equivalente a um depósito a prazo, e com risco Banco.”; e “O Banco R.
deu ao A.
a garantia de 100% do capital investido, conforme resulta da Nota Interna, com papel timbrado do BPN”.
20- Ora, como vimos da fundamentação do Tribunal recorrido nada disto foi valorado, aliás, esta factualidade nem sequer foi dada como provada, o que não se compreende.
21- Pelo que, deve o Supremo conhecer do recurso dos AA. na parte relativa à impugnação da matéria de facto apreciada e decidida pelo Tribunal da Relação do Porto, ordenando a ampliação da decisão de facto.
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Do recurso de revista - Violação da lei substantiva com base em erro de interpretação do direito (art.674º, nº1 a) do CPC): 22- O tribunal “ad quem” violou a lei substantiva, por erro de julgamento na aplicação do direito.
23- Com efeito, o BPN, na sua relação com os Autores, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN, apesar de estes não o saberem.
24- Em boa verdade, o Banco R. não provou e impendia sobre si o ónus de prova, de que os AA. sabiam que entre ambos (AA. e R.) estava a constituir-se uma relação contratual de intermediação financeira.
25-Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 75.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.
26-Acresce que a responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.
27- É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos.
28-A informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, em ordem a viabilizar que o investidor tome uma decisão esclarecida (art.7º, nº1 do CVM).
29-Nesse âmbito o risco envolvido na operação financeira é uma das vertentes que a lei autonomiza expressamente (art. 312º, nº1 a), do CVM), pois que só com ela existirá uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.
30-O intermediário financeiro está vinculado aos deveres que decorrem da boa-fé, nomeadamente no que toca à lealdade e transparência (art.304º, nº2 do CVM), e bem assim, a proteger os legítimos interesses dos clientes e da eficiência do mercado (art.304º, nº1 do CVM).
31- A responsabilidade a que se reporta o artigo 314º do CVM, é qualificada como sendo responsabilidade contratual – artigo 799º do CC.
32- Contrariamente ao decidido na sentença da 1ª instância e no acórdão recorrido, que se limitou a confirmar a primeira, o ónus de prova que prestou todas as informações aos AA. de forma esclarecida e fundamentada cabia ao Banco Réu.
33- No entanto, nenhuma prova significativa foi mobilizada ou requerida pelo Banco Réu, a quem lhe incumbia o ónus de prova.
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