Acórdão nº 9755/17.2T8PRT.P1.S1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução31 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 9755/17.2T8PRT.P1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

F..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ..., instaurou contra Banco BIC Português, S. A, com sede na Avenida ..., ..., ..., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.

Essencialmente alegou: Tendo subscrito empréstimo obrigacionista denominado «SLN Rendimento Mais 2004», no valor total de 300.000 EUR, atingida a data de reembolso (27 de Outubro de 2014), o mesmo não foi pago.

A subscrição desse produto deveu-se a falta de informação prestada pelo então «B. P. N. …» e por lhe ter sido indicado como sendo uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio «B. P. N. …» sendo que se lhe tivesse sido dito que estava a dar uma ordem de compra de produtos financeiros de risco, e que o capital não era garantido pelo «B. P. N. …», jamais o teria subscrito.

O contrato nunca lhe foi lido nem explicado nem lhe foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral.

Conclui pedindo: a) condenação do Réu a pagar-lhe o valor de € 300.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento; b) declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o Banco Réu invoque para ter aplicado o capital de € 300.000,00; c) declaração de ineficácia da aplicação que o Banco Réu tenha feito desses montantes.

Citado, contestou o Réu alegando a prescrição do direito da Autora e a improcedência da ação por não ter havido violação de informação por parte do «B. P. N. …» enquanto intermediário financeiro e ainda que não havia o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil.

Realizou-se audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a acção, não se conhecendo da excepção de prescrição.

Interpôs a A. recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão datado de 23 de Janeiro de 2020, julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Veio a A. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: I.

O Tribunal a quo alterou a matéria de facto relevante para a discussão da causa, o que se traduz numa alteração essencial de toda a decisão que, por si só, implica, à luz da normalidade do acontecer e da lógica que preside à aplicação das regras de direito probatório, alteração sobre outros pontos da matéria de facto e de direito, desde logo quanto à causalidade e, dentro desta temática, ao respectivo ónus da prova e à relevância do conflito de interesses no prejuízo sofrido o que, salvo diferente entendimento, obsta à existência da dupla conforme entre a decisão de 1ª instância e a decisão recorrida; Daí que o presente recurso de revista deva ser julgado admissível nos termos gerais, o que se requer; II. Sem prescindir, caso se entenda que o presente recurso não é admissível nos termos gerais, requer-se seja o mesmo admitido como Revista Excepcional à luz de todos e qualquer dos requisitos previstos no art. 672º, n.º1 do CPC.

III.

O recurso de revista excepcional é admissível nos termos art. 672º, n.º1, alínea a) e b) do CPC na medida em que está em causa, nestes autos, a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica, são claramente necessárias para uma melhor aplicação do direito e, bem assim, interesses de particular relevância social.

  1. A decisão recorrida e a decisão de primeira instância consideraram que o ónus da prova da ilicitude e da causalidade caberia à lesada, aqui Recorrente, considerando ambas as instâncias que a Recorrente não demonstrou o nexo causal, daí a absolvição do Banco Recorrido, sendo certo, porém, que estas questões têm suscitado controvérsias importantes e relevantes na doutrina e na jurisprudência.

    V.

    Para além de vários recursos de revista pendentes relativos a situações idênticas, está pendente o Recurso para Uniformização de Jurisprudência que corre termos sob o n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A que versa sobre questões de direito idênticas designadamente, mas não só, o ónus da prova da causalidade no âmbito da subscrição de obrigações subordinados da (à data) sociedade directora do Banco Recorrido.

  2. Acresce que, existe jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça onde é patente a existência de posições diversas do Julgador quanto às questões jurídicas em causa nestes autos – vide, a título de exemplo, o teor do voto de vencido do Conselheiro Nuno Manuel Pinto Oliveira ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019 e o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2018, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos em que se admite a existência de uma presunção de causalidade em situações idênticas aos autos.

  3. Está em causa uma questão que pode e deve ser apreciada por este Supremo Tribunal de Justiça em ordem a garantir e assegurar uma melhor aplicação do direito e, se for caso disso como sabemos que é no caso em apreço, imputar aos intermediários financeiros incumpridores o ressarcimento efectivo do dano de que foram condição nas operações em que actuaram, manifestamente, em conflito de interesses; O contrário poderá significar premiar o prevaricador, deixando-o sair incólume de um comportamento ilícito e gravemente culposo.

  4. Os presentes autos tratam de questão que exige um aturado e intenso estudo científico, tratando-se de uma temática com grave repercussão social quer decorrente da queda do Grupo do Banco Recorrido em 2008, quer do Grupo BES e de outros, estando na génese de muitas acções judiciais em que os lesado peticionam a responsabilidade dos intermediários financeiros pelos danos sofridos designadamente decorrentes da perda total dos montantes investidos em títulos emitidos pelas suas sociedades directoras por via de violação de deveres de informação ou assunção de dívida.

  5. Para além disso, importa manter presente que, no âmbito das relações internas intra-grupo, como era o caso dos autos, vigoram interesses que, no mínimo, se presumem convergentes pelo que sempre se poderá induzir um especial interesse do Banco dominado no sucesso da subscrição das obrigações emitidas pela sua sociedade directora pelos clientes não institucionais, como era o caso da Recorrente.

  6. Em todos os casos vividos neste país em que um Banco apresentou problemas sérios de liquidez há um ponto em comum: venda por esses Bancos de produtos mobiliários, representativos de dívida, emitidos pelas sociedades directoras ou que estão em relação de grupo, ou seja, operações em que os Bancos apresentavam um intenso conflito de interesses (tal como nestes autos).

  7. A questão jurídica da existência, relevância e consequências do conflito de interesses nas relações de intermediação financeira comporta, em si mesma, uma apreciação que respeita à aplicação e primado do direito comunitário (concretamente o art. 11º da Directiva n.º 93/22/CEE do Conselho de 10 de Maio de 1993) e harmonização do direito nacional com aquele como, aliás, decorre, desde logo, do disposto art. 8º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e que se invoca.

  8. A interpretação que se há-de ter de fazer do art. 32º c) do Regulamento 12/2000 da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários deve ser efectuada em consonância com o disposto no art. 11º da DSI que impõem, salvo diferente e melhor entendimento, que se tenha como uma situação de conflito de interesses a relação de grupo e domínio total invocada, logo, que deve ser evitada pelo intermediário financeiro ou, não a podendo evitar, deve tratar equitativamente os seus clientes, designadamente os depositantes, como era a Recorrente, fornecendo-lhes informações acerca da natureza e extensão do seu interesse na subscrição, razão da emissão dos títulos pela emitente e respectiva situação financeira sob pena de não assegurar com culpa grave ou dolo, como não assegurou, uma decisão informada e consciente do seu cliente, aqui Recorrente, devendo responder pelos danos que, por causa da subscrição, se verificaram na sua esfera jurídica.

  9. Estão, igualmente, em causa interesses de particular relevância social atendendo a que, nos últimos anos, a conduta dos Bancos neste tipo de operações tem sido sistematicamente posta em causa nos Tribunais e nas ruas mediante manifestações públicas, verificando-se, até, que em alguns casos, o próprio Estado assegura a devolução de montantes investidos pelos clientes de determinado Banco em valores mobiliários representativos de dívida emitidos pela sua sociedade directora sem cuidar de saber se o banco garantiu, ou não, o pagamento desses montantes, presumindo que não cumpriu os seus deveres de informação.

  10. Verifica-se in casu a necessidade submeter, mediante reenvio prejudicial, ao Tribunal de Justiça da União Europeia a questão de saber se o conceito previsto no art. 11º da Directiva citada deve, ou não, ser interpretado como referindo-se a situações em que o valor mobiliário colocado e vendido pelo Intermediário Financeiro foi emitido pela sua sociedade directora, circunstância que bem demonstra a necessidade deste Supremo Tribunal de Justiça conhecer do presente recurso à luz do disposto no art. 672º, al. a) e b) do CPC.

  11. Pelo exposto, caso se entenda pela não admissibilidade do presente recurso nos termos gerais, requer-se a sua admissão à luz do disposto no art. 672º, al. a) e b) do CPC acerca das seguintes questões jurídicas que se enunciam: “No âmbito da responsabilidade civil do intermediário financeiro, tendo o lesado demonstrado a violação do dever de informação e o dano, presume-se a causalidade, cabendo o ónus da prova de que o lesado se teria comportado da mesma forma àquele contra quem é invocado o direito nos termos do disposto no art.

    342º/2 do CC”; “A circunstância de um Banco recomendar aos seus depositantes a subscrição de obrigações subordinadas emitidas pela sua sociedade directora importa, ou não, a verificação de uma situação de conflito de interesses à...

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